Na segurança, Moro poderia articular o controle de fronteiras para inibir o tráfico de drogas e armas, além de usar a expertise da Polícia Federal, com o apoio da Controladoria-Geral da União, também nas investigações internas sobre o uso das verbas de investimento federais.
Na Lava-Jato, a Polícia Federal produziu os principais relatórios de investigação e coleta de provas. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) também decidiu que a PF pode fechar acordos de delação premiada, ampliando o poder de atuação.
O atual Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), que passaria para a superpasta de Moro, deu mostra de sua capacidade de articulação ontem, ao desbaratar uma organização criminosa voltada à prática de crimes na Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), com apoio da PF e da Receita Federal.
A aproximação de Bolsonaro com o juiz foi feita pelo economista Paulo Guedes, ainda durante a campanha eleitoral. Foi Guedes que apresentou ao juiz a proposta de transformar a Justiça em um superministério, agregando diferentes áreas.
O contato entre Guedes e Moro foi confirmado ontem pelo vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão:
— Paulo Guedes já vazou agora eu posso falar. Isso (convite para Moro) já faz tempo, durante a campanha foi feito um contato.
Desde o encontro com Guedes, na semana que antecedeu a votação no segundo turno, Moro conversou com colegas na Justiça e também com integrantes da força-tarefa da Lava-Jato sobre a hipótese de aceitar o convite. Entre seus pares, já havia uma sugestão para que o juiz se afastasse da Lava-Jato, devido ao desgaste, considerado inevitável por causa da repercussão das investigações.
Polêmica com Palocci
Às vésperas da votação no primeiro turno, Moro suspendeu parte do sigilo da delação premiada do ex-ministro do PT Antonio Palocci, feita em maio. Palocci afirmou que o ex-presidente Lula sabia dos esquemas de corrupção na Petrobras. A decisão foi alvo de críticas do PT.
O foco do novo ministério será o combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro, temas dominados por Moro. O pacote com 70 propostas de combate à corrupção produzido pela Transparência Internacional e pela Fundação Getúlio Vargas seria uma das plataformas de eventual gestão.
Dividido em 12 temas, o documento foi apoiado por dezenas de entidades da sociedade civil, como o Instituto Ethos, o Cidade Democrática e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Procurador da Lava-Jato, Deltan Dallagnol foi um dos garotos-propaganda da iniciativa.
Durante as eleições, Bolsonaro foi o único entre os nove candidatos mais competitivos ao governo federal que não quis se comprometer a abraçar propostas do projeto.
Um eventual acerto entre Moro e Bolsonaro deve incluir ainda a indicação, no futuro, do juiz para o STF. A primeira vaga na Corte deve ser aberta em 2020, com a saída de Celso Mello.
Um ano de existência
Moro não esconde o entusiasmo com o convite. Além de afirmar, em nota, que se sentiu “honrado” pelo convite, o juiz minimizou durante a campanha os riscos de Bolsonaro não seguir à risca a Constituição. A interlocutores, chegou a dizer que sua presença no governo ajudaria a dissipar os temores de setores da sociedade em relação à manutenção do Estado de direito.
A reintegração do Ministério da Segurança Pública ao Ministério da Justiça aconteceria menos de um ano após sua criação como pasta independente. A medida provisória que permitiu o desmembramento foi assinada pelo presidente Michel Temer em fevereiro.
Temer anunciou a criação do novo ministério, em caráter “extraordinário”, um dia após decretar intervenção federal na Segurança Pública do Estado do Rio.
Para o professor Ignacio Cano, do Laboratório de Análise de Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a criação do Ministério da Segurança Pública teve contornos “eleitorais, não muito louváveis”:
— O governo federal precisa ter papel mais ativo nessa área. A Força Nacional não vinha funcionando, e a maior prova disso é que o governo chamou o Exército para atuar no Rio. Sempre defendemos também a criação de uma Escola Nacional de Segurança Pública.
Cleide Carvalho, Jussara Soares e Bernardo Mello, O Globo