sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Ex-ministro do Trabalho tentou usar AGU para barrar auditoria


O ministro do trabalho, Ronaldo Nogueira, durante entrevista - Ailton de Freitas/Agência O Globo/08-11-2017

Vinícius Sassine - O Globo



Num gesto inusual e considerado sem precedentes dentro do governo, o então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) para barrar uma auditoria do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) que apontou superfaturamento e não execução de serviços em contratos assinados na gestão do ministro.

Em 23 de outubro, a Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho — com a assinatura do titular da pasta no pedido — ingressou com solicitação na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal da AGU para tentar anular a auditoria e impedir a publicação do relatório, finalizado desde o dia 11 daquele mês. No último dia 12, o colegiado da AGU recusou o pedido, o que levou a um novo recurso do ministério, no dia 21.

Fontes do governo ouvidas pelo GLOBO relatam que esse tipo de iniciativa — a busca, na AGU, pela anulação de uma auditoria feita por um órgão do próprio governo, a CGU — ainda não teria ocorrido na Câmara de Conciliação. Tanto que, ao negar a admissão de um processo nesse sentido, o colegiado argumentou não ter competência para tratar dessa disputa.

O Ministério do Trabalho voltou a insistir na contestação dentro da AGU contra o relatório da CGU. A Câmara de Conciliação existe para dirimir conflitos entre órgãos da administração pública federal. Foi bastante acionada, por exemplo, no caso das “pedaladas” fiscais, quando bancos públicos buscavam o colegiado para tentar uma solução para atrasos de pagamentos por ministérios a programas do governo.

Na tarde de quarta-feira, Nogueira pediu ao presidente Michel Temer demissão do cargo de ministro do Trabalho. Ele retomará o mandato de deputado federal pelo PTB do Rio Grande do Sul e disse que se demitiu para se candidatar em 2018. Se quisesse, o ex-ministro poderia ficar na pasta até a primeira semana de abril, prazo exigido pela legislação para desincompatibilização e disputa por um cargo eleitoral.

COBRANÇA DE R$ 5 MILHÕES

A reportagem do GLOBO teve acesso ao relatório de auditoria e publicou o conteúdo do documento na edição de ontem. A CGU recomenda ressarcimento de quase R$ 5 milhões aos cofres públicos em razão de ordens de serviço supostamente superfaturadas e de não execução de serviços contratados. Os auditores analisaram dois contratos com a empresa Business to Technology (B2T), no valor de R$ 76,7 milhões, assinados na gestão de Nogueira. O objetivo é a aquisição da solução de “Business Intellingence-BI MicroStrategy”, voltada a tecnologia de informação e plataformas antifraude em programas como o seguro-desemprego, com compra de licenças, manutenção e suporte.

A auditoria aponta superfaturamento, por exemplo, nas horas de trabalho pagas aos funcionários da empresa. Um só empregado recebeu R$ 126 mil por 22 dias úteis de trabalho, ou R$ 828,95 por hora trabalhada, mostrou o relatório.

Depois de a AGU decidir por não admitir o pedido de mediação na Câmara de Conciliação, a CGU publicou o relatório de auditoria em seu site na internet, no último dia 19, como usualmente faz com esse tipo de trabalho. O trabalho foi retirado do ar dois dias depois, em razão de novo recurso apresentado pelo Ministério do Trabalho à AGU. Ainda não há uma definição a respeito.

Em setembro, o então ministro do Trabalho editou portaria com regras sobre como auditorias da CGU deveriam ser tratadas dentro da pasta. Integrantes da AGU apontaram ser inusual esse tipo de procedimento, o que levou o ministro a revogar a portaria no mês passado. Um grupo de trabalho montado no Ministério do Trabalho para analisar os contratos com a B2T chegou a ser desconstituído por Nogueira, segundo fontes do governo ouvidas pela reportagem. Além disso, servidores se recusaram a fazer pagamentos referentes aos contratos e pediram para deixar as funções, conforme essas fontes. 

Gestores que ocupam cargos comissionados no ministério e filiados ao PTB em Goiás — de onde é o líder do partido na Câmara, deputado Jovair Arantes — foram colocados nas funções.

'INTERESSE PÚBLICO'

Em nota à reportagem, o ministério afirmou que o pedido à AGU para não publicação do relatório “apenas visa a resguardar o interesse público”. “O Ministério do Trabalho não recorreu à Câmara de Conciliação para evitar a publicação do relatório, mas sim afirmando a nulidade absoluta de todo o processo administrativo de auditoria levado a cabo pela CGU”, disse a pasta, que afirmou ter se baseado em parecer da Consultoria Jurídica do ministério, órgão setorial da AGU.

Conforme a nota, o ministro não teve participação nas contratações da B2T. “A ferramenta antifraude não apenas foi contratada na forma da lei, como foi responsável por evitar fraudes no pagamento do seguro-desemprego de quase R$ 700 milhões até o momento. O valor discutido pela CGU representa cerca de 0,71% do valor já economizado aos cofres públicos.” O ministério, diz a nota, chegou a suspender cautelarmente a execução do contrato a pedido da CGU, mas “o Tribunal de Contas da União determinou a continuidade do projeto, pois, nas suas palavras, ‘a paralisação dos serviços pode prejudicar a atividade de detecção de fraudes na concessão de benefícios’”.

A reportagem enviou questionamentos à AGU, mas não houve resposta até o fechamento desta edição.