quarta-feira, 29 de novembro de 2017

"E se o Brasil vendesse a soberania de partes do seu território?", por Leandro Narloch

Folha de São Paulo


Em março de 1917, a Dinamarca renunciou à soberania de seu território no Caribe. Convenceu os americanos a comprarem as Índias Ocidentais Dinamarquesas, que então mudaram de nome para Ilhas Virgens.

Os americanos só adquiriram as ilhas porque a Dinamarca, em plena Primeira Guerra Mundial, ameaçou vendê-las aos alemães. O negócio rendeu US$ 520 milhões (em valores de hoje) e estancou uma fonte contínua de prejuízo ao governo dinamarquês.

E se o Brasil seguisse o exemplo escandinavo e vendesse a soberania de pontos do seu território? O leitor deve achar que estou enlouquecendo, mas me permita argumentar.

Muitas coisas faltam a este país –área não é uma delas. Temos espaço demais e gastamos um bom trocado vigiando tantas terras e fronteiras. Com a anuência dos proprietários das terras, ninguém perceberia se a União exercesse seu poder em 8.505.759 km² dos atuais 8.515.759 km².

Privatizações aliviam crises porque captam dinheiro para reduzir a dívida pública –e o governo federal deve mais de US$ 1 trilhão. Uma dívida desse tamanho assusta investidores, que só emprestam ao Brasil por uma taxa de juros que compense o risco. Privatizações não resolvem a causa do problema, mas evitam que ele se agrave.

Com o excesso de liquidez no mundo, a venda da soberania renderia facilmente algumas vezes o valor da Petrobras (hoje em US$ 65 bilhões). Imagine a bolada que empresas e visionários pagariam para terem a chance de se instalar em um território sem governo ou impostos. Seria possível erguer um Hong Kong e duas Cingapuras usando apenas 0,05% do território brasileiro– em terras devolutas de Roraima, do Acre ou na fronteira com o Uruguai.


Conversei dias atrás com Joe Quirk, presidente do Seasteading, instituto que planeja construir nações libertárias flutuantes em áreas oceânicas não controladas por governos. "Conheço muitos investidores que pagariam vários bilhões de dólares por um pedaço do território brasileiro", me disse ele. Acreditei: um dos patrocinadores do Seasteading é Peter Thiel, fundador do PayPal e um dos primeiros investidores do Facebook.

Há também o movimento Free Society, que tenta reunir dinheiro para comprar a soberania de algum território seguro, com acesso a água e próximo de grandes mercados. O plano é "estabelecer um império da lei baseado em princípios libertários e mercados livres".

O egípcio Naguib Sawiris é outro possível comprador. Em 2015, Sawiris disse que resolveria duas questões da Grécia –a crise fiscal e a imigração– se o país vendesse a ele a soberania de uma ilha. Criaria ali um enclave com milhares de empregos para refugiados sírios.

Há pelo menos dois argumentos contrários à venda de soberania. O primeiro é militar: talvez não seja uma boa ideia vender territórios para americanos ou chineses instalarem uma base militar aqui perto. E a venda causaria uma fuga de capital para esses novos paraísos fiscais.

Mas o Brasil sempre pode escolher o comprador e negociar regras para o território cedido ou concedido. Além disso, chineses e americanos não precisam de uma base militar para atacar o Brasil. A distância hoje em dia não evita nem guerras e nem fugas de capitais.

A concorrência com paraísos fiscais vizinhos é, na verdade, uma vantagem. 

Obrigaria o governo brasileiro a ser mais eficiente se quiser evitar a fuga de dinheiro e de moradores. Talvez um território 1% menor seja o melhor caminho para um Brasil grande.