quarta-feira, 29 de novembro de 2017

De olho nas eleições, redes sociais usam tecnologia contra disseminação de notícias falsas








Usuários acessam o Facebook - Gustavo Azeredo
Jefferson Ribeiro e Marlen Couto - O Globo



As "fake news" têm potencial para se tornar uma arma mais poderosa do que os dossiês contra políticos que sempre fizeram parte das disputas eleitorais brasileiras. Diante desse risco, a Justiça Eleitoral e empresas de tecnologia como Facebook, Google e Twitter passaram a adotar medidas para tentar reduzir os danos que os sites de notícias falsas e informações distorcidas podem provocar na disputa. As ações ocorrem depois que essas plataformas digitais foram usadas para difusão de anúncios de conteúdo duvidoso nas eleições americanas de 2016, com impacto direto no resultado das urnas. Enquanto a Justiça Eleitoral pretende acionar até mesmo o Centro de Defesa Cibernética do Exército para monitorar os sites de "fake news", Facebook e Google têm usado a tecnologia para tornar seus algoritmos mais resistentes a eles. O Twitter, por sua vez, tem uma política um pouco menos incisiva em relação ao tema.

Um levantamento feito pelo Núcleo de Jornalismo de Dados do GLOBO com base em informações da plataforma Crowdtangle, ferramenta certificada pelo Facebook para medir a audiência de suas páginas, mostra que 11 perfis na rede social, atrelados a sites que distribuem notícias falsas ou distorcidas sobre política e não têm qualquer indicação do responsável pelo seu conteúdo, publicam, em média, mais de 200 posts por dia. As postagens dessas páginas são compartilhadas milhões de vezes no Facebook. Para se ter ideia, em maio deste ano, quando os sites de "fake news" tiveram seu melhor desempenho na rede social dos últimos 12 meses, mais de 5 milhões de compartilhamentos foram contabilizados em seus perfis. No mesmo período, as páginas de seis pré-candidatos à Presidência em 2018 com as melhores colocações nas últimas pesquisas de intenção de voto registraram 2,5 milhões de compartilhamentos mensais.



2.533.447
324.441
1.000.000
2.000.000
3.000.000
4.000.000
5.046.870
out/16
dez/16
fev/17
abr/17
jun/17
ago/17
out/17
Páginas com notícias falsas
Páginas de presidenciáveis
Os dados vão de 25 de outubro de 2016 a 25 de outubro de 2017

Apesar disso, os dados mostram uma queda significativa no patamar de compartilhamentos dos sites de "fake news" analisados pelo GLOBO. Entre janeiro e maio deste ano, em média, os compartilhamentos dessas páginas sempre se mantinham acima de 3 milhões. 

Desde então, essa média caiu paulatinamente, chegando a menos de 1,5 milhão no mês passado. Também houve queda no compartilhamento médio por postagem.

Essas estatísticas, porém, são conservadoras, porque consideram apenas compartilhamentos diretos das páginas oficiais desses sites e não contabilizam casos em que outros usuários do Facebook replicaram o conteúdo para a sua rede de contatos em uma publicação própria. Ou seja, o poder de disseminação desses sites é muito maior do que o mostrado pelo levantamento.



16,29
9,68
100
200
300
414,90
nov/16
jan/17
mar/17
mai/17
jul/17
out/17
Páginas com notícias falsas
Páginas de presidenciáveis
239,26
16,29


322,60
186,34
400
600
680,45
out/16
dez/16
fev/17
abr/17
jun/17
jul/17
out/17
322,60
fev/17
Os dados são referentes a 11 páginas que compartilham notícias falsas listadas pela Associação dos Especialistas em Políticas Públicas de São Paulo (AEPPSP)

O GLOBO utilizou como referência para selecionar as páginas analisadas uma lista divulgada no início do ano pela Associação dos Especialistas em Políticas Públicas de São Paulo (AEPPSP), que identificou os maiores sites de notícias do país que disseminam informações falsas, não-checadas ou boatos pela internet, usando uma base de dados do Monitor do Debate Político no Meio Digital, criado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). Quase todos esses sites estão registrados fora do Brasil e contrataram serviços para esconder a identidade de seus reais proprietários, segundo levantamento a pedido do GLOBO feito pela BigData, empresa especializada em colher e analisar informações na internet.


PLATAFORMAS FAZEM AJUSTES

A queda de engajamento dessas páginas pode ter relação com uma série de mudanças feitas pelo Facebook e Google no uso de suas ferramentas, depois que foram envolvidas junto com o Twitter em um escândalo eleitoral nos Estados Unidos. Todas elas estão sendo investigadas pelo Congresso norte-americano. Lá, agentes russos pagaram para impulsionar anúncios e "fake news" e podem ter desequilibrado o jogo a favor do presidente Donald Trump. O Facebook, por exemplo, admitiu que cerca de 126 milhões de usuários poder ter acessado as 80 mil postagens publicadas por russos durante dois anos, durante a após as eleições.

A plataforma, aliás, é a que mais implementou mudanças nos últimos meses para tentar frear a ação dos sites de notícias falsas. Em maio, o Facebook passou a revisar centenas de milhares de sites vinculados para identificar aqueles que contêm "pouco conteúdo e um grande número de anúncios mal-intencionados" e aplicou a inteligência artificial para "entender se novas páginas compartilhadas na plataforma apresentavam características semelhantes". A partir desse diagnóstico, essas páginas passaram a ter menos relevância na plataforma.

No mesmo mês, o Facebook passou a analisar títulos e conteúdos "caça-cliques". A plataforma analisou publicações individuais e a página de domínio das postagens para "reduzir com mais precisão manchetes caça-cliques". Também nesse caso, uma equipe do Facebook analisou milhares de manchetes usando esses critérios, validando cada uma delas para sinalizar títulos que poderiam ser identificados como caça-cliques. E a partir daí usou a tecnologia para identificar quais frases são mais usadas nesse tipo de chamada, aplicando filtros semelhantes aos usados em e-mails para classificar spam.

A líder de parcerias com veículos de mídia do Facebook para América Latina, Cláudia Gurfinkel, não deu números, mas disse ao GLOBO que a iniciativa está surtindo efeitos no Brasil.

— Quando determinamos que uma postagem remete a um site de baixa qualidade, sua distribuição no feed de notícias é comprometida e ela aparece menos para as pessoas. Temos feito uma série de atualizações em nossos sistemas para limitar a propagação de desinformação, por exemplo a partir da identificação de manchetes caça-cliques — afirmou. Segundo ela, há outras iniciativas em curso, "incluindo a eliminação de contas falsas que muitas vezes são usadas para disseminar notícias falsas".

— Também estamos cooperando com autoridades eleitorais em vários países sobre temas relacionados à segurança online. Esperamos adotar medidas também no Brasil antes das eleições de 2018.

Os sites de "fake news" têm também grande dependência do tráfego no Google, afinal quanto mais buscas por suas notícias chamativas, mais relevância terão e isso vai determinar a quantidade de anúncios que eles são capazes de atrair. Em parte das vezes, esses anúncios chegam aos sites por contratação via Google pela ferramenta AdSense. De olho nessa lógica, o Google também anunciou nos últimos meses mudanças no seu algoritmo, após detectar que 0,25% das pesquisas do seu tráfego diário resultava em "conteúdo ofensivo ou claramente enganoso". Depois de ser usado para impulsionamentos de anúncios ofensivos que podem ter influenciado na eleição nos Estados Unidos, o Google fez duas atualizações na sua plataforma.

Agora, os revisores humanos dos resultados de pesquisas têm novas diretrizes "para trazer exemplos mais detalhados de páginas com conteúdo de má qualidade para sinalizar melhor o que pode ser uma informação enganosa ou forjada, resultados ofensivos inesperados e teorias da conspiração sem fundamento". Com esses dados apurados, os algoritmos rebaixam os conteúdos de má qualidade.

O ranking de busca do Google também analisa centenas de indicadores para determinar quais resultados mostramos para uma determinada busca — dos conteúdos mais recentes ao número de vezes que seu termo de busca aparece na página. Esse ranking também foi atualizado para "trazer páginas mais confiáveis e rebaixar conteúdo de má qualidade". A ferramenta de busca também foi atualizada para permitir um feedback mais amplo ao internauta sobre o conteúdo buscado. O Google não disponibilizou um porta-voz para falar com o GLOBO, mas informou por meio da assessoria as principais mudanças feitas na plataforma para reduzir a relevância das "fake news".

Assim como o Google e o Facebook, o Twitter também integra desde 2015 a First Draft Coalition, uma rede que inclui grandes veículos de mídia internacionais para desenvolvimentos de ferramentas de verificação colaborativa. Google e Facebook também têm investido em parcerias com empresas de checagem de fatos.O Twitter, porém, não tem desenvolvido uma estratégia específica para combater o uso de "fake news" por meio de sua plataforma, apesar de reconhecer o problema mundial que elas causam.

"O Twitter, por natureza, é uma plataforma aberta. Por isso, nossa comunidade global de usuários, incluindo veículos de comunicação de todo o mundo, tem capacidade de ver, apontar e corrigir inverdades em tempo real. Esse engajamento com questões importantes para a sociedade é algo que ocorre no Twitter todos os dias no mundo inteiro. Para proteger a experiência das pessoas na plataforma, temos regras sobre conteúdos e comportamentos permitidos", disse o Twitter ao GLOBO por meio da assessoria.


RISCOS PERMANECEM

Apesar dessas iniciativas, o risco da "fake news" na disputa eleitoral do ano que vem ainda permanece. Para o professor de Comunicação Política da Puc-Rio Arthur Ituassu, uma tentativa de regulação, por exemplo, pode esbarrar no cerceamento da liberdade que caracteriza a internet, o que pode gerar para as próprias redes sociais, como o Facebook, Twitter e Google, problemas com seus usuários.

— Na web você tem uma capacidade grande de usar laranjas, perfis espalhados fora do país. De repente você descobre que a origem do conteúdo falso está em um IP na Islândia e aí? Vai fazer o que com isso?

Para o pesquisador, os riscos da disseminação de fake news são ainda maiores no aplicativo WhatsApp, em que há sigilo das comunicações dos usuários e não é possível monitorar o que é compartilhado, inclusive pela Justiça. O professor de Direito da Uerj Rodrigo Brandão lembra que a Constituição prevê a liberdade de expressão, mas também a veda o anonimato, com o objetivo de permitir a responsabilização futura, quando há lesão à honra. Ainda assim, na sua avaliação, não há regulamentação clara sobre se a vedação do anonimato obrigaria um site ou não a identificar seus autores.

— O marco civil permite que se chegue nas pessoas através do endereço de IP, data e hora de publicação, já está previsto o rastreamento e instrumentos para se chegar no responsável, mas em matéria eleitoral, para esses sites, seria benéfica uma regulação, que poderia ser feita por resolução do TSE, por exemplo, que tornasse uma exigência para blogs e sites políticos a identificação de quem é a pessoa física e jurídica por trás deles — argumenta Brandão.