terça-feira, 6 de janeiro de 2015

"Renovação externa", editorial da Folha de São Paulo

O desinteresse da presidente Dilma Rousseff (PT) pela seara diplomática teve ao menos duas consequências no último quadriênio.

No ambiente doméstico, resultou na perda de prestígio do Itamaraty, o que levou o órgão à maior crise de sua história recente; no plano externo, o país viu diminuir de forma significativa sua influência nas arenas de decisões globais.

Trata-se de grande contraste com o ativismo internacional do começo deste século. Embora tenham sido marcados por extravagâncias ideológicas e decisões equivocadas –caso do amplo apoio a Mahmoud Ahmadinejad no Irã, apesar das violações aos direitos humanos–, os anos de governo Lula (PT) proporcionaram salutar aumento do protagonismo do país.

Não surpreende, pois, que o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim considere crucial que o novo chanceler, Mauro Vieira, restabeleça a confiança do corpo diplomático. "Acho que ele vai ter que se voltar muito para a casa [Itamaraty], porque sinto, por circunstâncias diversas, que o moral anda baixo", declarou.

De fato, com menos influência institucional, o Itamaraty viu diminuir seu espaço no Orçamento. De 2003 a 2013, sua participação nos gastos federais caiu pela metade em termos proporcionais, de 0,5% do PIB para 0,28%.

Além de enfrentar problemas dentro do ministério, o que inclui a insatisfação de jovens diplomatas com o congelamento da carreira, o chanceler terá de se haver com desafios comerciais –em 2014, o Brasil teve seu pior saldo comercial desde 1998– e geopolíticos.

Vieira, assim, fez bem em afirmar, no primeiro discurso, que buscará ampliar a participação brasileira em todos os mercados do mundo. Na oportunidade, também sustentou que, a despeito da crise, o ministério não pode se furtar a uma "diplomacia de resultados".

Isso diz respeito não só à frente mercantil mas também à geopolítica. Quanto a esse aspecto, a pauta mais importante é a relação com os Estados Unidos, estremecida desde a revelação dos episódios de espionagem em 2013.

As credenciais do novo ministro parecem habilitá-lo para a tarefa. Foi embaixador em dois dos principais postos no exterior –Buenos Aires e Washington– e ocupou cargos em outros ministérios e dentro da hierarquia do Itamaraty.

Os avanços de que o país precisa no campo internacional, no entanto, dependem sobretudo da disposição de Dilma Rousseff. A presidente aceitou uma mudança de rumos na área econômica; que faça o mesmo com o Itamaraty. Uma política externa de mínimo esforço é incompatível com o tamanho e a história do Brasil.