terça-feira, 6 de janeiro de 2015

"Dúvidas", por Rodrigo Constantino

O Globo

A presidente virou ‘neoliberal’ do lado direito, mas continua desenvolvimentista do lado esquerdo? Qual lado falará mais alto? Quanto tempo Levy aguenta no cargo?



Começo o ano novo repleto de dúvidas, as quais gostaria de compartilhar com os leitores em busca de uma reflexão conjunta que possa lançar luz sobre tantas questões sem respostas. Parto da premissa de que a presidente Dilma está com boas intenções e realmente deseja o melhor para o país. Não é, portanto, implicância pessoal ou algo do tipo. É só que palavras e atos parecem não bater direito.

Por exemplo: a economia está ou não desajustada? Perco noites de sono martelando essa pergunta em minha cabeça. Lembro-me muito bem de quando criticava a gestão econômica do primeiro mandato, apontando a insustentabilidade das medidas do governo, seu foco de curto prazo, o claro risco de fomentarem a inflação mesmo sem crescimento econômico.

Mas era acusado de pessimista pelos defensores de Dilma. A própria presidente disse com todas as letras que nenhum ajuste era necessário, que estava tudo em ordem, que havia apenas um pequeno problema conjuntural causado pela crise internacional (do qual os demais emergentes parecem não ter tomado conhecimento). Agora a presidente promete ajustes indolores, um oximoro, uma nova ilusão. Mas então a economia está mesmo desajustada? Não era, afinal, pessimismo apontar para o declínio da atividade e a ascensão do índice de inflação?

Outra dúvida que me angustia é o grau de compromisso da presidente com tais ajustes “indolores”. É para cortar na carne? Por isso um “fiscalista” ortodoxo como Joaquim Levy assumiu a pasta da Fazenda? Mas essa mensagem é transmitida aos investidores simultaneamente ao maior Ministério de que se tem notícia no mundo, com tanta gente que a presidente seria incapaz de elencar um a um todos os nomes? A presidente virou “neoliberal” do lado direito, mas continua desenvolvimentista do lado esquerdo? Qual lado falará mais alto? Quanto tempo Levy aguenta no cargo?

Por falar em ministérios, eis outra dúvida cruel que me atormenta: qual o critério usado para a escolha dos nomes? A presidente Dilma não ia combater o fisiologismo presente na raiz de nossa corrupção? E como exatamente isso se alinha ao ato de colocar pessoas que nada entendem de suas respectivas áreas, sendo o único critério aparente a filiação partidária? Como esses ministros poderão fazer algo de bom para o país? Por que tanto interesse nos ministérios? Seria apenas para usar os recursos públicos para seus fundos partidários ou enriquecimento pessoal?

Em seu discurso de posse, Dilma disse que a educação será a “prioridade das prioridades”. Deixando de lado o fato de que ela não caiu de paraquedas no governo agora, e que faz parte de um partido que está no poder há 12 anos, período no qual o Brasil foi mal nos rankings internacionais de educação, resta perguntar: a prioridade com o setor foi demonstrada com a indicação de Cid Gomes para o ministério? É isso mesmo?

O ex-ministro Gilberto Carvalho, homem da confiança de Lula no Planalto, disse, ao deixar o cargo, que os petistas não são ladrões, e que a sua quadrilha é a dos pobres. Ainda há pobres no PT? Então por que os petistas só usam o hospital privado mais caro do país? 

Por que vemos os figurões do partido levando uma vida que nem os nababos capitalistas, tão atacados em seus discursos, sonhariam em levar?

Outra coisa: “ladrão” é o termo certo para designar aqueles que montaram o maior sistema de corrupção já visto na História deste país? Não seria suave demais? Ao chamarmos assim gente que desviou bilhões da maior estatal brasileira, não estaríamos colocando no mesmo saco mafiosos e batedores de carteira? Haveria algum termo melhor para identificar quem aparelhou toda a máquina estatal em benefício próprio e de um projeto de poder, usando os pobres como massa de manobra a ser explorada pelo populismo indecente típico dos coronéis nordestinos?

Como o leitor pode ver, são muitas dúvidas que tiram minha tranquilidade neste começo de ano. E tem muito mais. Por exemplo: alguém ainda leva a sério o discurso de que o PT se preocupa com os mais pobres? Quem o faz tem problemas cognitivos ou é de caráter mesmo? Por que o silêncio constrangedor de todos os eleitores de Dilma quanto ao evidente estelionato eleitoral em curso?

“Julga um homem por suas perguntas mais do que por suas respostas”, dizia Voltaire. Por isso, quis abrir 2015 fazendo perguntas, e não oferecendo respostas. Talvez o leitor possa me ajudar a elucidar tais questões. Mas, entre tantas dúvidas, uma realmente me enche de perplexidade: como um partido como o PT está no poder há 12 anos? Seria o brasileiro um masoquista?