O juiz federal Sergio Fernando Moro vem sendo alvo de tentativas de afastá-lo dos processos da Operação Lava Jato, sob a alegação de falta de imparcialidade e pré-julgamento. Os mesmos argumentos foram usados, sem sucesso, contra o ministro Joaquim Barbosa na ação penal do mensalão do PT.
Barbosa submeteu ao plenário as arguições de impedimento oferecidas [nome técnico para a presunção de parcialidade do juiz]. Obteve apoio do colegiado e continuou relator, apesar das divergências e bate-bocas com colegas da Corte em outras sessões.
Na Lava Jato, advogados alegam que Moro evita a menção a políticos que têm foro privilegiado, para “segurar” o caso na primeira instância.
Na primeira fase do mensalão petista em Belo Horizonte, quando identificou um pagamento ao deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), o juiz federal Jorge Costa colocou o processo numa mala, tomou um avião de carreira, levou os autos a bordo e entregou os documentos pessoalmente a Nelson Jobim, então presidente do STF.
Naquela ocasião, Marcos Valério havia prestado declarações ao então Procurador Geral da República, indicando que aqueles recursos seriam usados em favor do PT.
Na Lava Jato, os nomes dos suspeitos com direito a foro privilegiado já estão no Supremo com o ministro Teori Zavascki, que decretou sigilo. Ou seja, o Supremo avocou o processo, desmembrou e mandou que Moro seguisse em relação àqueles suspeitos que não têm foro privilegiado.
Se Moro permitisse que os acusados fossem questionados sobre fatos relativos a pessoas com foro privilegiado, estaria agindo sem competência legal.
Segundo o Ministério Público Federal, as testemunhas e colaboradores devem responder ao que consta na denúncia. Não há no polo passivo da ação que investiga a corrupção na Petrobras nenhuma autoridade com cargo político ou público.
Em entrevista à Folha, o advogado Alberto Zacharias Toron disse que há “uma perigosa leniência”. “Não se pode impedir a pessoa de mencionar quem está no circuito do crime”, afirmou.
Toron também alegou que a prisão de suspeitos teria o objetivo de coagi-los para obter delações. O constrangimento da prisão e o temor de punições rigorosas podem de fato levar o acusado a tomar uma decisão precipitada, mas não é possível concluir um acordo de delação premiada sem ter a concordância dos advogados.
“Os advogados não estão acostumados com a dureza da lei. Antigamente, entravam com habeas corpus e horas depois os clientes estavam soltos. O mundo mudou. Só que eles ainda não perceberam isso”, avalia um magistrado especializado em crimes financeiros.
Moro despachou nos autos considerando “fantasiosa” a tese de que pretendia ocultar o nome de agentes políticos para preservar a ação no primeiro grau de jurisdição.
“Ao contrário do alegado por parte das Defesas, inclusive estranhamente na imprensa e não nos autos, este julgador não está usurpando a competência do Supremo”, registrou.
Os advogados que atuam na Lava Jato devem supor que o julgamento do caso pelo Supremo seja o melhor para seus clientes. Alguns ministros –como Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Gilmar Mendes– têm sérias restrições a Moro, a quem atribuem “resistência” ou “inconformismo” quando contrariado por decisão de instância superior.
A mesma alegação foi invocada contra o então juiz federal Fausto De Sanctis, da Operação Satiagraha.
Em setembro deste ano, Gilmar Mendes determinou o envio de cópia de um processo para a corregedoria do Tribunal Regional Federal da 4ª Região avaliar se Moro cometera infração disciplinar.
O fato tem origem em julgamento, em maio de 2013, de um habeas corpus impetrado em 2008 pelo doleiro Rubens Catenacci, que “lesou os cofres públicos em meio bilhão de reais” por meio de remessa ilegal de divisas ao exterior, segundo informou o próprio STF. O doleiro foi condenado por Moro a nove anos de prisão no caso Banestado e pretendia afastar o juiz, alegando parcialidade.
Em 2010, o relator, ministro Eros Grau, não vislumbrou nenhuma hipótese de impedimento. Manteve decisões do TRF-4 e do Superior Tribunal de Justiça que haviam rejeitado a suspeição de Moro.
Gilmar Mendes pediu vista. Disse ter ficado “impressionado” com os vários incidentes, e “repetidos decretos de prisão”, mesmo admitindo que “todos os decretos de prisão estão fundamentados”.
Gilmar Mendes e Celso de Mello consideraram “fatos gravíssimos” o monitoramento de advogados pelo juiz, que autorizara a obtenção de informações de voos dos defensores. Já Teori Zavascki disse que o monitoramento de advogados não foi para obter provas, mas “para tornar exequível uma ordem de prisão”.
Moro havia decretado mais de uma vez a prisão do doleiro, que ameaçara outro réu.
Em reforço aos seus argumentos, Gilmar Mendes reproduziu trechos de voto de Eros Grau em outro habeas corpus [impetrado por Daniel Dantas e Verônica Dantas, na Operação Satiagraha]. (**) Naquele processo, Grau criticara os “juízes que se pretendem versados na teoria e na prática do combate ao crime, juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais”.
No julgamento do habeas corpus do doleiro Catenacci, Celso de Mello foi voto vencido, pois entendia que o processo deveria ser invalidado.
“Conquanto censuráveis os excessos cometidos pelo magistrado, não vislumbro, propriamente, causa de impedimento ou suspeição”, votou Gilmar Mendes. Mas sugeriu –e os membros da Segunda Turma aprovaram– que os autos fossem encaminhados ao Conselho Nacional de Justiça e à corregedoria regional do TRF-4.
Como está registrado nos mesmos autos, o CNJ já havia arquivado representações do doleiro Catenacci e de seus advogados contra o juiz paranaense.
“O juiz federal Sérgio Moro continuará presidindo os processos. Nenhuma tentativa de desestabilizá-lo terá resultados, muito menos tentar afastá-lo do processo por impedimento ou suspeição. Referido magistrado age com discrição, goza do respeito na classe e no seu Tribunal (TRF-4), tem sólida formação jurídica (é doutor e professor de processo penal na UFPR), tem vida pessoal inatacável e equilíbrio psicológico para enfrentar pressões“.
Essa é a previsão de Vladimir Passos de Freitas, em artigo publicado neste domingo (30) no site “Consultor Jurídico“.
Freitas tem autoridade para opinar. É desembargador federal aposentado do TRF-4 –o tribunal ao qual Moro é vinculado– e foi indicado por Gilmar Mendes para o Conselho Consultivo do CNJ em sua gestão.
O juiz Sergio Moro não comenta o assunto.
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