O governo precisará promover uma "operação verdade" para esclarecer qual é a situação real das contas públicas. A opinião é da economista Teresa Ter-Minassian.
No fim dos anos 1990, ela conduziu as duras negociações do FMI com o Brasil.
Em 2001, virou diretora do departamento fiscal do Fundo, permanecendo próxima ao país.
No período, teve contato com Joaquim Levy, futuro ministro da Fazenda, a quem tece elogios: íntegro, determinado e ótimo economista.
Para Ter-Minassian –que deixou o Fundo em 2009 e atua como consultora–, o ajuste precisará passar por reformas para elevar a competitividade. Segundo ela, medidas para limitar gastos, inclusive de programas sociais, também serão necessárias.
Folha - Como o ajuste fiscal que precisa ser feito agora se compara ao de 1998?
Teresa Ter-Minassian - É difícil responder, pois os dados disponíveis não deixam claro o quão grande o deficit subjacente realmente é. Por resultado subjacente eu quero dizer aquele corrigido pela contabilidade criativa dos anos recentes, incluindo as receitas atípicas e os aumentos nos restos a pagar.
Meu conselho para o próximo governo seria começar com uma "operação verdade" para avaliar precisamente quanto é o resultado fiscal real e elaborar uma estratégia de correção apropriada.
Jefferson Dias - 10.mar.09/“Valor”/Folhapress | ||
A economista Teresa Ter-Minassian, ex-diretora do FMI |
Depois que essa "operação verdade" for feita, que medidas devem ser tomadas?
A credibilidade do ajuste dependerá não só do seu tamanho, mas também da qualidade. Vejo um limite para aumentar mais a carga tributária, embora o governo possa usar o espaço criado pela queda no petróleo para restabelecer a Cide [contribuição para regular preços de combustíveis].
Uma reforma tributária para desfazer as isenções seletivas dos últimos anos, consolidar os impostos federais indiretos numa única taxa de imposto sobre valor agregado e um acordo dos Estados para um ICMS mais uniforme contribuiriam para melhorar o ambiente de negócios e elevar o crescimento potencial.
Dadas as limitações do lado das receitas, acho que a maior parte do ajuste terá de vir de cortes de gastos, e é importante que eles pareçam sustentáveis no longo prazo e mantenham espaço para investimento em infraestrutura.
Portanto, será necessário incluir reformas dos programas de gastos correntes, como aposentadorias e outras despesas sociais, que as façam mais direcionadas, eficientes e sustentáveis fiscalmente.
E o cenário para crescer nos próximos anos, dado o ajuste?
Acho que um ajuste fiscal de qualidade é essencial para o Brasil recuperar credibilidade, evitar rebaixamento [da dívida soberana] e aumentar os investimentos.
Isso pode ter algum efeito de curto prazo negativo no consumo e, portanto, no crescimento, mas seus benefícios de médio prazo, certamente, superam os de curto prazo. Por isso, é importante fazer as reformas necessárias no começo do novo governo.
No entanto, acredito que é importante garantir uma taxa de câmbio competitiva, uma política monetária firme e implementar outras reformas estruturais para aumentar a produtividade e melhorar o ambiente de negócios.
Por que o acordo feito entre Brasil e FMI em 1998 precisou ser renegociado em 1999? Que lições ficam para hoje?
Acredito que isso se deveu a vários fatores: a manutenção de câmbio sobrevalorizado –as autoridades tinham medo de que uma depreciação substancial reacenderia as expectativas inflacionárias; uma política monetária vista pelo mercado como não comprometida o suficiente com a meta de inflação; o nível relativamente baixo das reservas; e a credibilidade ainda limitada da política fiscal.
Felizmente, o cenário é diferente hoje. As reservas são muito maiores, a política monetária é mais crível, e o regime de câmbio, flutuante. A recuperação de uma aplicação mais coerente do tripé macroeconômico deveria ajudar a restabelecer a confiança do mercado e evitar uma crise. Tenho esperança de que o novo time econômico fará isso, desde que receba o espaço político adequado.
RAIO-X
TERESA TER-MINASSIAN
TERESA TER-MINASSIAN
Formação: direito na Universidade de Roma e economia em Harvard
Carreira: BC da Itália (1967-78) e FMI (1971-2009), onde foi vice-diretora para o Hemisfério Ocidental. É consultora