sexta-feira, 4 de junho de 2021

"Quantum - O computador que vai mudar o mundo", por Dagomir Marquezi

 


Um computador quântico resolveu em 3 minutos e 20 segundos o cálculo que um supercomputador demoraria 2 dias e meio para solucionar


Existem os computadores. Existem os supercomputadores. E existem os computadores quânticos. Computadores comuns são como o meu e o seu, com um processador cada um. Supercomputadores são como o Blue Gene/P da IBM, que roda 164 mil processadores ao mesmo tempo. Já os computadores quânticos…

Em 2019, a Google sugeriu um problema matemático que computadores comuns nem conseguiriam compreender direito. Um supercomputador demoraria mais de 10 mil anos (ou dois dias e meio, segundo algumas versões) para encontrar uma solução. O computador quântico pioneiro da Google (chamado Sycamore) resolveu o cálculo em exatos 3 minutos e 20 segundos.

Com esse feito, a Google anunciou, em 22 de outubro de 2019, a conquista pela primeira vez da chamada “supremacia quântica”. Significa a capacidade de resolver problemas que computadores convencionais não conseguem solucionar. O computador quântico era mais um conceito teórico. A partir daí passava a ser uma realidade.

Além da Google, a Microsoft, a Intel e a IBM também estão desenvolvendo seus projetos próprios de computadores quânticos na iniciativa privada. O regime chinês gastou US$ 10 bilhões no maior laboratório de pesquisa quântica, na cidade de Hefei. O governo Donald Trump colocou US$ 4,8 bilhões iniciais num projeto chamado National Quantum Initiative. Outros países estão investindo na área — Alemanha, Reino Unido, Singapura, Índia, Israel, Austrália, Rússia, Coreia do Sul, Holanda e Canadá. O investimento global em pesquisas foi de US$ 22 bilhões em 2020. Quase metade disso veio da China. É o tamanho da importância que o Partido Comunista chinês está dando para a essa questão.

Dario Gil, diretor da IBM Research, em frente ao computador quântico IBM Q System One. A máquina é lacrada em um cubo de vidro preto para proteger do frio e vedar os ruídos e interferências do universo

No último dia 25, de forma modesta, o Brasil entrou oficialmente nessa corrida. Foi lançada a Quantum Information Technologies, ou QuInTec, uma iniciativa de professores da Universidade de São Paulo, Universidade Federal de São Carlos e Unicamp. A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) é considerada um elemento-chave para esse projeto.

Segundo Marcelo Cunha, um dos fundadores da QuInTec, “as tecnologias quânticas serão importantes nas próximas décadas. É muito perigoso se o Brasil não fizer nada. Seremos mercado e não participantes nesse mercado. O que mais queremos é que os estudantes de tecnologias quânticas possam olhar para a possibilidade de ser empresários e empreendedores, produzindo novidades tecnológicas fora da academia. Essas empresas podem fazer o país avançar”. Algumas startups brasileiras já estão trabalhando na área, como a Brazil Quantum, a QCSC e a Quanby.

Essa corrida tem dois motivos principais, um construtivo e um destrutivo. O construtivo é que um computador com o poder do quântico tornará possível romper barreiras de conhecimento em áreas vitais como medicina, engenharia, meteorologia, ecologia, administração pública, transportes, exploração espacial e tudo o que depender de cálculos complexos.

Por outro lado, a computação quântica poderá vir a se tornar uma arma de destruição em massa. Num estágio mais avançado (e em mãos erradas), poderia aniquilar os mecanismos convencionais de segurança de sistemas militares, financeiros, industriais, etc. Um ataque hacker com o poder dos computadores quânticos é um pesadelo difícil até de imaginar.

“Computadores quânticos poderiam decifrar cada código e quebrar a internet como a conhecemos”, escreveu Ed Conway para o jornal britânico The Times. “Se você tiver essa intenção, pode descobrir detalhes de cartões de crédito, decodificar mensagens secretas, tornar-se um bilionário do bitcoin, e talvez até iniciar a 3ª Guerra Mundial.”

Sabendo que soou “um pouco apocalíptico”, Conway ressalva que os computadores quânticos ainda não estão em condições de provocar nenhum estrago. E, quando estiverem, vão possibilitar uma nova geração de códigos, senhas e criptografia muito mais avançada que a atual. Ao mesmo tempo, como diz o autor, se finalmente for descoberta a cura definitiva de doenças como câncer e Alzheimer, “um computador quântico provavelmente vai estar por trás da conquista”.

Projetada por um escritório de arquitetura para ser tão moderna, intimidante e opaca quanto o próprio futuro, esta máquina é o computador mais bonito que seus usuários provavelmente nunca verão

Afinal, como funciona o computador quântico? Ele usa a base teórica da mecânica quântica, um território da ciência habitado por partículas subatômicas de nomes exóticos como quarks, bósons e fótons. Para nós, os leigos, o conceito mais importante é o da superimposição.

Na mecânica quântica, um objeto pode ter mais de um estado. É a negação da dúvida de Hamlet: pode ser e não ser ao mesmo tempo. No método digital convencional à base de bits, tudo pode ser representado por 1 ou 0. Na computação quântica, que tem como unidade o qubit (ou “quantum bit”), a unidade pode ser 1 e 0 ao mesmo tempo. Não apenas isso, mas também todas as possibilidades entre 1 e 0, o que aumenta explosivamente seu potencial de cálculo.

Com todo o seu poder, o hardware do computador quântico é frágil e sensível a qualquer variação ambiental. Modelos mais avançados estão sendo desenvolvidos em condições de isolamento e frio extremo. Sem essas providências, os qubits se desintegram e não servem para nada.

O potencial de computação é vertiginoso. “Enquanto um bit pode ser pensado como uma moeda com duas faces”, escreveu Rhys Blakely para o Times, “um qubit é como uma esfera onde cada ponto na superfície representa uma face diferente. Com apenas um punhado de qubits, você pode produzir tantas permutações quanto existe de átomos no universo”.

Segundo Blakely, pesquisadores da Microsoft descreveram a diferença entre um computador comum e um quântico usando a imagem da navegação por um labirinto. “No mundo da computação clássica, você segue por um caminho de cada vez até que encontra a saída. No mundo quântico, você pode explorar todos os caminhos ao mesmo tempo.”

 

A nova tecnologia pode ser a ponte que une a ciência mais avançada com fenômenos tidos até agora como fantasias

 

Então quando teremos nosso computador quântico pessoal sobre a escrivaninha? Estamos muito longe dessa possibilidade. A Alphabet (empresa que controla a Google) estabeleceu 2029 como a data para pôr à disposição do mercado um modelo de computador quântico capaz de realizar cálculos de larga escala para pesquisa científica e projetos econômicos. A IBM é mais otimista e planeja lançar um monstro de 1.121 qubits (chamado Condor) em 2023. Tanto a IBM quanto a Google planejam chegar ao primeiro milhão de qubits em seus modelos em 2030. Segundo o Wall Street Journal, empresas como Visa, J.P. Morgan Chase e Volkswagen já estão operando com os estados iniciais da tecnologia quântica agora mesmo.

Quer fazer um test drive num computador quântico? Experimente o IBM Quantum, que funciona on-line. A inscrição é muito fácil. Mas, quando você entra no site em si, provavelmente vai ficar perdido (como eu) num ambiente criado para especialistas em matemática avançada. O resto de nós boia como um pedaço de isopor.

Para os leigos, a visão quântica de mundo traz uma característica adicional muito interessante. Ela lida com fenômenos invisíveis, inexplicáveis e universos paralelos. “Essas partículas não obedecem às leis da física newtoniana clássica”, escreveu Jeanne Whalen para o Washington Post. Duas ou mais partículas podem se comportar de modo idêntico, mesmo que separadas por longa distância. Albert Einstein descrevia o fenômeno como “assustador”.

Vivemos cheios de certezas científicas desde os tempos de René Descartes, no século 17. Só acreditamos no que vemos, e nos consideramos os guardiões da razão. O salto quântico nos mostra que nem tudo está sob controle de nossos sentidos. A nova tecnologia pode ser a ponte que une a ciência mais avançada com fenômenos tidos até agora como fantasias. Fantasmas, óvnis, viagens no tempo e universos paralelos passarão a ter outro significado.

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Dagomir Marquezi, nascido em São Paulo, é escritor, roteirista e jornalista. Autor dos livros Auika!, Alma Digital, História Aberta, 50 Pilotos — A Arte de Se Iniciar uma Série e Open Channel D: The Man from U.N.C.L.E. Affair. Prêmio Funarte de dramaturgia com a peça Intervalo. Ligado especialmente a temas relacionados com cultura pop, direitos dos animais e tecnologia.

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