Em 6 de junho de 2013, centenas de pessoas foram à Avenida Paulista, em São Paulo, para protestar contra o reajuste das tarifas do transporte público. Insuflados pelo Movimento Passe Livre, os manifestantes deixaram rastros de destruição por onde passaram. O vandalismo atingiu estações de metrô, shoppings, bases móveis da Polícia Militar, bares e bancas de jornal situadas na principal artéria da cidade. Um dia depois, novos protestos foram realizados — desta vez, pacíficos. Em 11 de junho, mais manifestações ocorreram. Ao todo, catorze atos foram registrados nas metrópoles brasileiras durante o mês.
Se, inicialmente, o levante foi protagonizado por movimentos de esquerda que exigiam a revogação do aumento do preço das passagens de ônibus, trem e metrô, posteriormente tornou-se uma rebelião das massas, com adesão de diversos setores da sociedade. Empresários, professores, médicos, industriais e universitários foram às ruas reclamar da qualidade da educação, saúde e segurança; da Proposta de Emenda à Constituição 37/2011, que pretendia dar poder exclusivo à polícia para realizar investigações criminais; e dos gastos públicos com estádios de futebol.
Para compreender as Jornadas de Junho, a Revista Oeste entrevistou Flavio Morgenstern, 36 anos, autor do livro Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs, as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. Durante a conversa, o analista político destrinchou a onda de protestos que avançou sobre as cidades brasileiras em 2013 e mudou a história da política nacional. Atualmente, Morgenstern é editor-chefe do site Senso Incomum.
— O que foram, efetivamente, as manifestações de junho de 2013?
Em linguagem técnica, foram um movimento de massa. A ciência política não usa o termo para qualquer movimento coletivo: o “Fora Collor”, por exemplo, não foi um movimento de massa. Trata-se da revolta de causa aberta: quando as pessoas tomam as ruas sem nem ter uma clareza do que estão fazendo. Por isso as pautas genéricas, abstratas, irrealizáveis: “mais educação, saúde!”. Boa parte das pessoas nem sequer pedia algo: estavam ali “exercendo cidadania” apenas porque todos os seus amigos também estavam.
Este tipo de movimento é uma das coisas mais perigosas da história: pautas grandiosas exigem mudanças políticas igualmente estupendas e maiores do que a realidade. Todos os grandes totalitarismos começaram com movimentos de massa: as greves que colocaram Lenin no poder, as marchas fascistas, a revolução iraniana (que mudou de pauta da água para o vinho 3 vezes em questão de 6 meses). Como sempre, há partidos radicais, comunistas, por trás dessas pautas: esses partidos nanicos não lidam com eleição e popularidade, e sim com revolução. Em questão de três semanas, as jornadas de junho tiveram mais de 80% de aprovação do povo — sendo convocadas por partidos que não somam 1% de intenções de votos.
— Ao contrário da narrativa midiática, que retrata as Jornadas de Junho como uma manifestação espontânea, o senhor as descreve como um evento deliberadamente organizado. Quem foram os agentes idealizadores dos protestos?
As jornadas eram abertamente descritas como tendo sido organizadas por Mídia Ninja, Fora do Eixo e pelo já extinto Movimento Passe Livre. Ao mesmo tempo, diziam ter sido “espontâneas”, como se a população inteira, até as velhinhas com camiseta do Brasil (que futuramente votariam no Bolsonaro), concordasse com estes grupos que pregam comunismo abertamente. O Passe Livre, inclusive, dizia não ser “partidário”. Pressionados, disseram que eram “transpartidários”: ou seja, não era o Psol, era o Psol com o PSTU, o PCB e alguns outros partidos nanicos perdidos. Gente que nunca se preocupou com eleição, e sim com revolução.
— Em Por Trás da Máscara, o senhor afirma que o Brasil chegou perto de estabelecer um regime político totalitário. Como isso ocorreu?
Um movimento de massa cresce justamente quando as forças policiais tentam freá-lo. A análise que os organizadores de junho de 2013 faziam era o que acontecia com a Marcha da Maconha: o tema da maconha não atingia a população, só uns maloqueiros hedonistas. Logo, apanhavam da polícia. E, no dia seguinte, faziam a “Marcha da Liberdade”, com amplo apoio jurídico, midiático, acadêmico — e, logo, popular.
É por isso que essas manifestações precisam ser tão violentas: ninguém chega ao poder via revolução sem dizer que luta por alguém morto pela polícia. E no dia em que os manifestantes em Brasília cercaram o Itamaraty, sabia que estávamos por um fio de cabelo de virar Venezuela: quem faz a segurança do Itamaraty é o Exército, não a polícia. Por isso mandaram os manifestantes para lá, e não para o Ministério da Justiça, por exemplo (o que o Itamaraty tem a ver com pautas locais?). Imagine isso no imaginário brasileiro.
— O senhor dedica a última parte do livro aos black blocs. Qual a relevância desses agentes nas manifestações de junho de 2013?
Creio que a frase mais polêmica do meu livro seja que os black blocs salvaram as manifestações. O fenômeno veio da Alemanha Oriental, essa tentativa de chamar atenção pela violência. No fim, nunca fazem nada, além de quebrar coisas. Se o PCB de repente tinha mais de 80% de apoio na população, os black blocs fizeram com que, em menos de duas semanas, até a esquerda ficasse com medo de ir para a rua.
— O que mudou, no país, desde as Jornadas de Junho?
Uma coisa foi muito decisiva: todo mundo que foi para a rua percebeu que não fazia a menor ideia do que estava fazendo. Mas tivemos um resultado diferente de outros países: as pessoas foram estudar. Nomes como Olavo de Carvalho, ou Ludwig von Mises, ou mesmo Roger Scruton, tornaram-se mais lidos aqui do que em seus países de origem. Sem o controle esquerdista das ruas e redes, logo tivemos impeachment e a eleição de Bolsonaro. É simplesmente impossível entender o Brasil atual sem entender 2013.
Leia também: “Os ‘democratas’ totalitários”, artigo de Rodrigo Constantino publicado na Edição 64 da Revista Oeste
Edilson Salgueiro, Revista Oeste