Por exigência do presidenciável Jair Bolsonaro, o Partido Ecológico Nacional (PEN) destituiu o advogado que representava a legenda na ação sobre prisão na segunda instância: Antonio Carlos de Almeida Castro. Kakay, como é conhecido, foi informado da novidade por meio de uma notificação cartorial. “É algo inusitado”, disse ele ao blog. “Parece que vão nomear outro advogado, para falar contra a pretensão da ação no Supremo Tribunal Federal. Acha difícil que algum colega aceite fazer esse papel. Seria um escândalo.”
Idealizador da ação que questiona a decisão do Supremo que abriu as portas da cadeia para condenados na segunda instância, Kakay encontrou uma maneira de continuar atuando no processo. Será representante do Instituto de Garantias Penais (IGP). Sediada em Brasília, a entidade pedirá ao relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, para ser admitida como amicus curiae, expressão latina que significa “amigo da corte”.
Conforme noticiado aqui, o ministro Marco Aurélio recolocou o processo em movimento. Pedirá à presidente do Supremo que marque uma data para o julgamento. Graças a uma mudança de posição do ministro Gilmar Mendes, a Suprema Corte pode restabelecer a jurisprudência segundo a qual a prisão só pode ocorrer depois do trânsito em julgado do processo, quando não há mais possibilidade de recorrer.
O Supremo também pode optar pela alternativa de adiar a execução das penas até o julgamento dos recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a terceira instância do Judiciário.
Em meio à ressurreição do tema, o presidente do PEN, Adilson Barroso, procurou Kakay para informar que Jair Bolsonaro condicionara sua entrada na legenda à desistência da ação. Foi alertado pelo advogado de que não seria possível dar meia-volta. “O Bolsonaro é ignorante”, disse Kakay. “Não sabe que essa ação é indisponível, não se pode simplesmente desistir.” O PEN, então, desistiu de Kakay. Para recepcionar Bolsonaro, a legenda atende a todas as exigências do futuro filiado. Vai inclusive mudar de nome. Vai se chamar Patriota.
O advogado decidiu incluir Bolsonaro na sustentação oral que fará no plenário do Supremo. “Esse episódio me permite fazer uma reflexão. O Bolsonaro diz que é a favor da prisão na segunda instância. Na verdade, ele não é favorável apenas à prisão. Defende a pena de morte. Isso fortalece o nosso argumento. Não se pode alterar do dia para a noite o princípio da presunção de inocência. Isso é cláusula pétrea da Constituição. O Supremo pode muito, mas não pode tudo.”
Kakay acrescentou: “Tenho 36 anos de advocacia. Só faço advocacia criminal. Jamais fui destruído de uma procuração. Ser afastado pelo Bolsonaro é algo que entra para o meu currículo. Ele diz que sou advogado de rico. Não conhece a minha advocacia. Deve dizer isso porque me procurou para fazer a defesa dele no processo contra a Maria do Rosário. E eu não aceitei.”
No processo citado por Kakay, Bolsonaro é acusado pela deputada Maria do Rosário (PT-RS) de injúria e apologia ao crime. Em discurso na tribuna da Câmara, Bolsonaro dissera que a deputada petista, por ser “muito feia”, não merecia ser estuprada. “Ele me procurou para defendê-lo”, enfatizou Kakay. “Não aceitei porque achei a causa ruim. Deve ser por isso que ele diz que sou advogado de rico.”
Kakay defende vários políticos encrencados na Lava Jato. Entre eles os caciques peemedebistas José Sarney, Romero Jucá e Edison Lobão. Mas ele dissocia o processo sobre prisão dos inquéritos contra seus clientes. ''As pessoas que defendo dispõem de prerrogativa de foro. Não seriam afetadas. Essa ação é minha, a tese é minha e a sustentação feita no Supremo no ano passado foi minha.”
O advogado acrescentou: “Atuo em meu nome e em nome de outros advogados. Não foi o PEN que nos escolheu. Nós é que escolhemos o partido. Advogo para presidentes de cinco partidos. Mas achei melhor não pegar nenhum partido com pessoas envolvidas na Lava Jato. Por isso peguei o PEN. O Adilson [Barroso, presidente da legenda] reagiu com entusiasmo. Agora, pressionado pelo Bolsonaro, mudou de ideia.”
Kakay avalia que o julgamento será marcado rapidamente pela ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo. Na semana passada, num evento em São Paulo, a ministra ouviu do juiz da Lava Jato, Sergio Moro, palavras de preocupação com a possibilidade de reversão da jurisprudência sobre prisão na segunda instância. Reagiu assim: “Não há nada pautado sobre isso. Não há nada cogitado.”
“Achei uma ousadia um juiz de primeira instância interpelar uma presidente do Supremo em público”, disse Kakay. “A presidente Cármen Lúcia disse que não havia nada pautado porque o ministro Marco Aurélio não tinha dado um andamento para o processo. Agora, ele pedirá a inclusão do tema na pauta. Sinceramente, não creio que a ministra deixe de pautar.”