A prisão após a condenação em segunda instância sempre foi a regra no Brasil. Em 2009, isso mudou com o voto do ministro Eros Grau, mas voltou a ser como sempre foi, em 2016, com o novo entendimento do STF. Essa é a visão de um ministro do Supremo, que não acredita que a Corte vá rever esse princípio após um tempo tão curto da decisão. O ponto provoca tensão no Judiciário.
Em fevereiro de 2016, com um voto do ministro Teori Zavascki, depois referendado, em outubro, por todo o plenário, ficou de novo consagrado o princípio da prisão após a condenação em segunda instância. E isso deu força à Lava-Jato.
— O princípio da presunção de inocência não estabelece que o réu não possa ser preso antes do fim do trânsito em julgado. Do contrário, não haveria prisão temporária nem prisão preventiva, ou a ideia de que esse tempo seja descontado da pena — explicou o ministro.
A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, disse recentemente que não pretende pautar o assunto. Segundo explicam no tribunal, não faz sentido pautar mesmo, pelo tempo curto em que isso foi julgado. O fato de haver novos ministros e mudanças de opinião a respeito do tema não significa que se tenha que submeter novamente ao plenário. Se a presidente não pautar, o assunto não tem como voltar a ser discutido.
De qualquer maneira, o país pode ficar vendo, como na última semana, decisões contraditórias da Justiça: o ministro Gilmar Mendes mandou soltar um preso condenado em segunda instância, enquanto em Curitiba o juiz Sérgio Moro mandou prender condenados na mesma situação. Em entrevista ao jornal “Estado de S. Paulo”, Moro disse esperar que Gilmar mantenha seu entendimento sobre o assunto, quando votou pela prisão. Mas o ministro, ao contrário, tem provocado o que pode, exatamente para ver se o tema volta à pauta e ele possa alterar o seu voto.
O assunto chegou a tal ponto que, se o tema for votado na Primeira Turma, provavelmente será consagrada a prisão depois da segunda instância. Se chegar à Segunda Turma, o resultado possivelmente será o oposto. O risco de prisão foi o que levou muitos delatores à colaboração, e por isso o prejuízo para a Lava-Jato é fácil entender, mas há também o dano para o próprio STF. Que corte é essa que em questão de meses altera o seu julgamento e derruba a tese que consagrou?
A Lava-Jato avançou além do ponto em que outras investigações pararam, por três motivos. Primeiro, o valor jurídico da delação, que foi confirmada pelo Plenário, na controversa delação de Joesley Batista. Segundo, pela prisão após a segunda instância que levou vários investigados a procurarem o Ministério Público querendo colaborar para ter uma pena mais branda. Terceiro, pela manutenção da prisão preventiva.
E isso, evidentemente, não é tortura. O ministro Gilmar Mendes, quando faz essa comparação — a mesma que fez a ex-presidente Dilma ao falar da prisão de Marcelo Odebrecht —, mostra que confunde o temor que um criminoso deve ter da lei, de um tratamento desumano submetido aos prisioneiros. Tortura é crime. Quem o ministro Gilmar acha que está usando “instrumentos de tortura”?
O Brasil tem feito travessias difíceis e demoradas. Foi assim na redemocratização, na estabilização e agora na luta contra a corrupção. Em todas elas houve momentos em que parecia que haveria retrocesso. Às vezes, houve de fato. A luta contra a corrupção está agora sofrendo críticas abertas e ataques mais duros. Mas, na visão de um ministro com quem conversei, “a Lava-Jato não é um evento como foi o mensalão, é um processo”. O paralelo que eu faço é com o Plano Cruzado, que foi um evento, e o Plano Real, que tem sido um processo. O primeiro deixou lições, mas encerrou-se meses depois; o outro, levou o país para uma nova era monetária.
Um ponto que realmente precisa ser rediscutido é o da prerrogativa de foro. Com número tão alto de parlamentares atingidos pelas investigações, o STF tem deixado de ser uma corte constitucional para ser cada vez mais criminal, e não tem nem estrutura física para isso. O foro fere o princípio mais caro de uma república democrática: a de que todos são iguais. As pessoas podem ter diferenças, mas não privilégios.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)