quinta-feira, 31 de agosto de 2017

"O fator Gilmar Mendes", por Fernando Gabeira

Com Blog do Gabeira


Gilmar Mendes rides again. Há um mês escrevi que ele foi padrinho de casamento da Dona Baratinha. Numa mensagem em que condenava meus textos sobre ele, afirmou que não foi o padrinho mas acompanhou sua mulher, madrinha do noivo.
Se ele afirmava que não foi o padrinho, estava disposto a escrever isso, limitando-me a informar que ele foi apenas para prestigiar a festa no Copacabana Palace, que terminou em pancadaria e presença policial.
Apesar de sua flor branca na lapela do terno, Gilmar sabe melhor que eu se foi ou não padrinho. Para mim a presença de Ministro do Supremo naquele lugar e naquele momento é o problema.
As manifestações na festa de Dona Baratinha não foram um relâmpago em céu azul. Há décadas circulavam notícias de corrupção dos politicos pelas empresas de transporte dos Barata.
Não era uma corrupção qualquer. Houve rumores de distribuição de dinheiro pelo próprio presidente da Assembleia, na época Sérgio Cabral, num dos banheiros da casa.
Na Câmara Municipal, houve também entrega de dinheiro repassada pelo próprio presidente. Era, portanto, uma corrupção das instituições democráticas de cima para baixo.
Os Baratas compravam politicos porque queriam maiores lucros, as vezes sintetizados em preços altos e precárias condições de conforto. Era uma corrupção que repercutia no cotidiano tornando-o mais áspero e caro.
Agora, Gilmar Mendes concede um habeas corpus em tempo recorde para Jacob Barata Filho. Confesso que, como quase todo mundo, fiquei estupefato.
No mês passado, achava que Gilmar Mendes era inimigo de Rodrigo Janot e isto estava repercutindo negativamente não só nos rumos da Lava Jato e também na própria imagem da justiça que realmente se desgasta com choques pessoais no topo dada instituição.
Estava equivocado porque mesmo com a saida de Janot, Gilmar Mendes não será conquistado para o campo dos que apoiam o desmonte do gigantesco esquema de corrupção no Brasil.
Ao libertar Barata, passou da hostilidade aos procuradores à proteção aberta aos acusados de corrupção.
Lamento porque Gilmar Mendes é inteligente e corajoso. Não é mais um adversário a ser neutralizado, mas derrotado.
Sua assessoria, segundo os jornais, confirmou que foi padrinho (aquele flor branca na lapela) mas informou também que o casamento não durou mais do que seis meses.
As pessoas estavam se referindo apenas à cerimônia e não à estabilidade do casamento. Não cabe ao padrinho mencionar esse tema em público.
Em defesa de Gilmar, o advogado Sérgio Bermudes, dono banca onde trabalha a mulher de Gilmar, fez uma defesa que não me convence.
Ela é corretamente abstrata quando descreve os limites da lei e afirma que parantescos longínquos, laços de amizade se fossem impedimento acabariam reduzindo muito a produtividade da justiça.
Mas a defesa que me parece abstratamente correta não toca num ponto central: quem é o juiz, quem é o réu, em que circunstâncias históricas eles são envolvidos?
Declarar-se suspeito é uma forma de entender a lei. E ela foi feita para os especialistas em leis. O Ministro Edson Fachin declarou-se suspeito num processo porque foi padrinho de casamento do filho de um dos advogados da defesa.
Gilmar costuma dizer que não teme os clamores da multidão. Mas dito dessa forma supõe-se uma turba enfurecida. Mas não é isso que acontece agora onde cerca de um milhão de pessoas assinam uma petição pelo seu impeachment.
Pessoas que questionam o trabalho de um Ministro do Supremo e utilizam esse instrumento são, de um modo geral, cidadãos com um nível de consciência política superior ao das multidões.
No seu destemor, Gilmar tornou-se o anti Lava Jato. Todas as esperanças de impunidade passam por ele e os ministros de sua turma.
Ele costuma citar um jurista português para quem a lei no Brasil é usada com malandragem.
Ele devia refletir um pouco se está mesmo passando boa imagem internacional da justiça brasileira.
Durante vários dias menções a ele ocupam os postos de temas mais comentados na Internet. E negativamente.
Quem examinar o Brasil através da rede, é isso que fazem a maioria dos estrangeiros, vai perceber que existe uma rejeição nacional ao trabalho de um ministro do STF.
Carmem Lúcia vai decidir se Gilmar é ou não suspeito para atuar no caso de Jacob Barata. Ela terá todos os dados da relação, do casamento onde as pessoas jogavam objetos nos manifestantes, do patrocinio de Barata ao Instituto de Gilmar, enfim dados que podem o não preencher os requisitos da lei.
Mas ela sabe que estará julgando algo muito mais importante. É a própria imagem do Supremo, num momento em que, não só pelas interferências políticas mas pela sua resistência à luta contra corrupção, a opinião pública quer Gilmar fora do STF.
Na troca de mensagens, Gilmar foi muito agressivo. Na minha idade e na atual situação catastrófica do país, não acho adequado trocar insultos com ninguém.
Por isso, continuo a vê-lo de uma forma política. Assim como pensei que fosse possivel neutralizá-lo passada a fúria anti Janot, cordialmente agora peço o seu impeachment.
Reconheço a coragem para enfrentar a opinião pública. A opinião pública `as vezes erra, `as vezes acerta. Estar contra ela no momento que defende suas melhores aspirações, é uma escolha audodestrutiva.
Daí o advérbio cordialmente ao lado da minha assinatura pelo impeachment. Quantos milhões a mais serão necessários para Gilmar compreender que não se trata de uma opinião difusa mas de uma quase unanimidade?
Poderíamos dar uma ajuda. E não seria nada raivoso, nada parecidocom choques de esquerda e direita, apenas uma campanha humanitaria: Vamos salvar Gilmar de Gilmar.
Se as autoridades andassem na rua, veriam que além de abaixo assinados, Gilmar desperta também os piores instintos.