quarta-feira, 23 de agosto de 2017

"Com privatização da Eletrobras, Aneel ganha maior relevância", diz José Paulo Kupfer

O Globo


O mercado foi surpreendido com o anúncio da privatização da Eletrobras, no fim da tarde desta segunda-feira. Mas gostou da ideia, a julgar pela explosão das cotações dos papeis da estatal nas praças de São Paulo, Nova York e Madri, onde são negociados, mesmo ainda não sabendo muito bem como essa privatização será feita. Para o governo, ainda que, dependendo do modelo que for adotado nessa privatização, não signifique reforço direto de caixa para enfrentar os déficits fiscais, se a operação for bem sucedida, representará um alívio financeiro importante. Hoje, a dívida da Eletrobras é pouco menor do que o dobro de seu valor de mercado.

Desmontar o cabide de empregos e a malha de influências políticas, com o fechamento de canais de circulação de corrupção, é uma óbvia vantagem desse processo. E o consumidor? O elo mais difuso e, portanto, mais fraco dos interesses envolvidos na cadeia de produção de energia elétrica, em teoria, também poderá ser beneficiado. A expectativa teórica é a de que, sob regras e administração privadas, a empresa ganhe eficiência e possa lucrar mesmo com tarifas mais baixas, beneficiando tanto os consumidores residenciais quanto os comerciais e industriais que não negociam energia em mercados específicos.

Mas, para além da teoria, a privatização da Eletrobras deveria contemplar programas de reforço da capacidade técnica e de independência, com a devida e necessária blindagem política, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), responsável pela regulação de um setor em que se combinam monopólios na distribuição e oligopólios na geração e transmissão — a Eletrobras, a propósito, responde hoje por quase um terço da capacidade brasileira de geração de energia e quase metade da malha nacional de linhas de transmissão. Autarquia independente, mas vinculada ao Ministério das Minas e Energia, a ela cabe atuar para reduzir os riscos de crises no fornecimento de energia e operar para moderar as tarifas cobradas.

É só olhar para o setor de telecomunicações, privatizado lá atrás, para entender as dificuldades de desenhar e executar uma privatização virtuosa em serviços essenciais. A expansão espetacular do mercado de telefonia, com vasto alcance de consumidores, inclusive os de renda baixa, não se traduziu em tarifas suficientes baratas e excelência nos serviços oferecidos. A privatização também não evitou graves problemas administrativos, item em que se destaca o caso da Oi, que acumulou montanhas de dívidas e prejuízos, que a levaram ao maior processo de recuperação judicial da história brasileira.

Apesar dos problemas regulatórios e de eficiência que continua a enfrentar, o setor de energia elétrica está consolidado em um parque produtor diversificado. Não há razões, exceto as estratégicas e de segurança nacional, para mantê-lo sob controle estatal. Quanto a esses pontos sensíveis, o (pouco) que já foi adiantado do modelo que o governo pretende adotar na privatização deixa clara a decisão de manter uma “golden share”, que dará poder de veto em decisões estratégicas da companhia.

Vai demorar, contudo, para que a ideia se concretize. Para começar, a Eletrobras estava em meio a um processo de formatação de venda de vários ativos, incluindo participação em outras empresas e em diversos projetos de geração e transmissão de energia. Se a ideia de emitir ações para diluir a participação do governo prosperar, o caminho em curso terá de ser revisto. Tudo considerado, os especialistas não esperam o desfecho dessa história antes de 2019, ou seja, caberá ao novo governo eleito em 2018 finalizar a passagem da Eletrobras para o setor privado.