sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Sem investimento nem equilíbrio fiscal, previsão de ano difícil


Especialistas apontam rumos que precisam ser seguidos em 2016 - Thiago Freitas


Guilherme Ramalho - O Globo



O ano que começa nesta sexta-feira será especial para o Rio, que se prepara para sediar a primeira edição dos Jogos Olímpicos na América do Sul. Faltam sete meses para a competição, e ainda há obras a serem concluídas. Convivendo desde 2010 com uma série de intervenções na cidade, os cariocas aguardam ansiosamente para aproveitar o legado prometido. Segundo urbanistas, a conclusão de novas vias expressas, a expansão do metrô até a Barra e a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) deverão melhorar sensivelmente a mobilidade da população, que ainda enfrenta, quase que diariamente, engarrafamentos e veículos de transporte público abarrotados.

Porém, antes dos Jogos e do término das obras olímpicas, o governo estadual terá de superar a crise financeira que atingiu o Rio de Janeiro em 2015 e que revelou sua face mais cruel na área de saúde. Sem previsão concreta de aumento nas receitas, o Palácio Guanabara precisará encontrar alternativas rapidamente e cortar gastos, alertam especialistas em administração pública.

— Após as Olimpíadas, haverá uma forte queda nos investimentos. Tudo indica que o fluxo de receitas se manterá tão ruim quanto em 2015. O que poderá dar uma sobrevida é a obtenção de de uma boa operação de crédito junto ao governo federal. Mas isso não vai resolver os problemas, será preciso fazer mais — afirma Pedro Jucá Maciel, que tem pós-doutorado em economia pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.


Na área de saúde, além da necessidade de melhorar a gestão da rede pública, o Rio necessita de uma grande e urgente mobilização para o combate ao mosquito Aedes aegypti, responsável pela transmissão da dengue, da chikungunya e do zika vírus. Um outro desafio é dar a volta por cima na educação, que, no ano recém-encerrado, foi marcada por escolas e universidades fechadas por falta de recursos e professores em greve.

Por fim, um desejo une a favela e o asfalto: paz. Para encontrá-la, destacam especialistas em segurança pública, é preciso dar um novo fôlego ao programa de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

CRISE FINANCEIRA

Buscar alternativas para aumentar receitas e racionalizar despesas é, de acordo com especialistas, o principal desafio do estado para superar o desequilíbrio de suas finanças. Em relação à necessidade de redução da dependência dos royalties dos barris de petróleo, cujo preço vem caindo constantemente, o economista Sérgio Besserman destaca o grande potencial do Rio de Janeiro para gerar energia a partir de biomassa.

— O governo precisa ser eficiente, melhorar a gestão e controlar a corrupção. Ainda há muitos gastos para cortar. De resto, vai ter que esperar a situação macroeconômica melhorar, o que será difícil a curto ou médio prazo — diz Besserman.

A curto prazo, o estado deve tentar amenizar a crise buscando empréstimos, afirma o também economista Pedro Jucá Maciel:

— É a forma mais fácil de sair de uma situação de emergência, mas não vai resolver os problemas. Chega uma hora em que a realidade se impõe.

OBRAS OLÍMPICAS

Não foram poucas as transformações vistas na cidade em 2015. Começaram a ganhar forma novos equipamentos esportivos, sistemas de transportes e obras contra enchentes. A revitalização da Zona Portuária também deu as caras. O legado ambiental das Olimpíadas, no entanto, deve ficar de fora das realizações deste novo ano. A despoluição da Baía de Guanabara e do complexo lagunar da Baixada de Jacarepaguá não sairão tão cedo do papel.

— Minha última esperança eram os Jogos Olímpicos. Não fizeram nada. Espero que, em 2016, o poder público comece pelo menos a dragagem do sistema lagunar da Baixada de Jacarepaguá — diz o biólogo Mário Moscatelli.

Já o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio, Pedro da Luz, espera que outros regiões da cidade sejam revitalizadas:

— Temos um patrimônio cultural imenso e precisamos começar a olhar para essa história.

MOBILIDADE

As obras para melhorar o transporte público, como a da Linha 4 do metrô e a construção de novos corredores expressos, acabaram agravando ainda mais os congestionamentos na cidade. O tormento diário de motoristas e passageiros, no entanto, deve mudar, segundo o professor de engenharia de transportes da Coppe Paulo Cezar Martins Ribeiro.

— Espero que, com a conclusão das obras, o trânsito volte à normalidade, para que o sacrifício da população seja recompensado. A grande jogada agora é acabar com as obras e fazer um sistema integrado, reunindo ônibus, BRTs, VLT, metrô, trem e barcas. O sistema não está operando de maneira correta. E todo mundo sofre com isso. Se não houver mais investimentos, talvez a Linha 4 do metrô congestione ainda mais o sistema, atraindo mais pessoas para um modal que já funciona na sua capacidade máxima — comentou.

SEGURANÇA



A violência fez muitas vítimas no ano que passou, tanto entre civis quanto entre policiais militares - márcio alves/04-12-2014

A violência fez muitas vítimas no ano que passou, tanto entre civis quanto entre policiais militares. O desafio, de acordo com o historiador Átila Roque, presidente da Anistia Internacional no Brasil, é pensar numa política de segurança pública a longo prazo que não dependa de um grande evento, como os Jogos Olímpicos:

— Infelizmente, temos visto uma profunda descontinuidade em todas as tentativas de provocar mudanças positivas no modo de gestão e operação da polícia. Agora mesmo, com apenas um ano, todo o comando da Polícia Militar será alterado. Não vejo no horizonte qualquer mudança profunda, sobretudo em relação ao controle da violência praticada pela própria PM. Vejo, sim, uma crescente mobilização nas periferias. Essa revolta pode trazer uma mudança importante — afirma Roque, que pede ações sociais em áreas com UPPs.

EDUCAÇÃO

Valorização dos professores, com implantação de um plano de cargos e salários, é um dos caminhos apontados para melhorar o ensino na rede pública do Rio de Janeiro. Para a coordenadora-geral do Sindicato estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), Marta Moraes, os problemas enfrentados em 2015 não podem voltar a se repetir este ano:

— Há carências de profissionais, principalmente nas creches. As salas de aula não podem continuar superlotadas, com falta de merenda e material de didático. A educação deve ser prioridade em 2016.

Ex-secretária municipal de Educação, a professora Regina de Assis afirma que uma maior qualificação profissional dos professores deve vir acompanhada de aumento salarial:

— Espero que, em 2016, a prefeitura garanta melhores condições de trabalho, respeito e autonomia para a categoria.

SAÚDE

Na avaliação do vereador Paulo Pinheiro, integrante da Comissão de Saúde da Câmara Municipal, autoridades do Executivo precisam rever o modelo de gestão da rede de assistência médica e trabalhar em um sistema único, delegando funções para cada uma das esferas do poder público. E, segundo ele, a criação de um plano de cargos e salários é a única forma de impedir que os concursados abandonem o setor:

— A opção por terceirizar a gestão, entregando recursos para Organizações Sociais (OS), mostrou-se um grande fracasso. Continuamos convivendo com falta de profissionais e de insumos. No momento em que o estado começou a atrasar os repasses para as OS, seus administradores cruzaram os braços e mandaram fechar as portas das unidades. Isso não pode acontecer — diz Pinheiro, que também cobra um trabalho coordenado de combate ao Aedes aegypti.