domingo, 31 de janeiro de 2016

"Diálogo erudito", por Carlos Heitor Cony

Folha de São Paulo


O lugar comum garante que há gosto para tudo. Em criança, meu objeto de desejo era ser maquinista da Estrada de Ferro Central do Brasil. Adorava os trens, dentro ou fora deles. Minhas preces suplicavam a Deus, aos anjos, arcanjos e serafins, a graça de passar o resto da vida dirigindo as antigas Marias-Fumaças.

O fato é que nunca entendi a razão de desistir dos trens (que passaram a ser elétricos) e quis ser padre para aprender latim e grego, que de nada me serviriam. 

Lembro um professor de artes plásticas que adorava corridas de cavalo. Entrava em depressão quando não podia ir ao Jóquei.

Mestre em Renascença, tarado por Cézanne e Fídias, tinha uma paixão eclética e culta. Indo à Grécia, para admirar os mestres da Antiguidade, num domingo sentiu falta dos cavalos, que já eram importantes na história da humanidade, um deles chegou a ser nomeado senador por um imperador romano.

Saindo do hotel, perguntou ao porteiro onde podia assistir os páreos do dia, mas seu inglês não era fluente, e não sabia onde haveria uma boa corrida. O porteiro não entendeu. Apelando para a mímica, o professor fez tudo para que fosse compreendido.

Com os dedos da mão, imitou um cavalo correndo na pista. O porteiro continuou sem entender. O mestre em Fídias tentou representar um jóquei em cima de um cavalo, dirigindo-o à vitória. O porteiro também não entendeu. Ele apelou então para todos os gestos que pudessem expressar a vontade de ver cavalos correndo. O porteiro ficou pasmo, estava diante de um louco que desejava uma informação esotérica.

Desesperado, o professor deu um relincho e escoiceou o ar. O porteiro entendeu: "O senhor quer ir ao hipódromo?". Aliviado, agradeceu a Zeus e a todos os deuses do Olimpo. Respondeu em grego que nunca lhe servira para nada: "Eureka!".