Divulgação | |
Brad Pitt em cena do filme "A Grande Aposta", que aborda a crise econômica de 2008 |
THAIS BILENKY - Folha de São Paulo
As simplificações e malabarismos para enquadrar "A Grande Aposta" na indústria do entretenimento não tiraram a precisão do filme. Gente que viveu a crise de 2008 de dentro do sistema bancário americano atesta: o longa causou calafrios.
"Eu tive péssimos flashbacks", contou Donald Kohn, vice-presidente do Federal Reserve (banco central americano) entre 2006 e 2010.
Em um debate no instituto de pesquisas Brookings, na quarta (27), ele se lembrou dos anos precedentes ao estouro da bolha imobiliária e a decorrente quebradeira no mercado financeiro.
"No meio de 2005, no Fed, tivemos uma explanação em que a primeira parte era como o mercado imobiliário estava 20% sobrevalorizado e, infelizmente a outra parte era 'é... eles vão colapsar, terão problemas, é ruim, mas só'", lembrou.
"Ninguém percebeu a magnitude do que estava por vir. Eu não percebi."
Danny Moses (interpretado no filme por Rafe Spall), um investidor à época parte da equipe de Mark Baum (Steve Carell), tem outra visão. Segundo ele, muitos tinham ciência dos riscos, mas evitavam admiti-los.
Para Moses, a temperatura do longa é real. Como mostrado em "A Grande Aposta", ele de fato visitou casas abandonadas na Flórida para conferir a facilidade com que o crédito era concedido. "Mas, posso criticar? Não encontramos jacarés nas piscinas" (na obra, um animal o espanta de uma das residências).
Brincadeiras à parte, Moses, que agora tem o próprio fundo, afirmou que a regulação imposta aos bancos depois da crise alterou todo o sistema. "A regulação imposta é positiva, mas a falta de liquidez resultante, que nos impede de ainda sermos grandes demais para quebrar, cria a volatilidade que temos visto. Temos de encontrar um novo normal."
Para o diretor, Adam McKay, é preciso diferenciar "cegueira, estupidez e fraude". "Você não pode minimizar a fome dos bancos", criticou. "O grande elefante na sala é que o governo ainda está totalmente refém dos bancos."
Kohn observa que a reação ao colapso de 2008 gerou um efeito ambíguo. "Tanto a extrema esquerda quanto a extrema direita agora odeiam os grandes bancos. Não sei como isso vai funcionar."
A imprensa também não escapou. Em dada cena, filmada em um escritório luxuoso, um repórter do "Wall Street Journal" dispensa o relato de dois investidores sobre as fraudes para não perder o acesso a executivos.
Comentarista do jornal, Greg Ip defendeu que muito foi escrito sobre a bolha imobiliária. "Você é bombardeado de jargões, as pessoas falam como se você entendesse tudo e não há ninguém de fora que explique", relatou.
O moderador do debate, David Wessel, que também trabalhava no "WSJ", afirmou que a imprensa falhou.