Mais espantoso que as revelações da Lava Jato – sequentes e ininterruptas há meses - é o profundo silêncio que lhes devota a oposição. É como se não lhe dissesse respeito.
A operação chega aos calcanhares do ex-presidente Lula, revela doações de dinheiro roubado da Petrobras à campanha eleitoral da presidente Dilma, e não se ouve manifestação alguma daqueles que têm por missão institucional fiscalizar o governo.
Não há dúvida de que essa passividade patológica explica a sobrevivência do governo, que, em circunstâncias normais, já teria caído – e levado alguns de seus principais integrantes à cadeia.
Lá já estão alguns dos mais íntimos amigos do ex-presidente Lula, gente com quem conviveu estreitamente durante e depois de deixar o governo. Um deles, José Carlos Bumlai, foi distinguido com acesso permanente, “em qualquer hora ou circunstância”, ao gabinete presidencial, privilégio não explicado e inédito na história.
E o que extraía dessa intimidade? Segundo a Lava Jato – e segundo seus próprios depoimentos -, facilidades para negócios escusos, envolvendo dinheiro público, na escala dos bilhões.
Bastaria, porém, a intimidade promíscua do acesso irrestrito ao presidente da República – e somente isso - para desencadear um turbilhão de justificadas suspeitas e provocar, no mínimo, uma CPI e mesmo um pedido de impeachment.
Na época, porém, pareceu banal, como, aliás, tudo o mais. Ora, se ninguém se espanta com o índice de mais de 50 mil assassinatos anuais no país – índice de guerra civil -, que se repete há mais de uma década, o que dizer de meros ladrões engravatados? Afinal, argumenta-se, corrupção sempre houve, é coisa antiga, não foi inventada pelo PT etc.
O mesmo poderia ser dito por um homicida, lembrando que se trata de delito antigo, inaugurado por Caim. Portanto, se sempre se fez e se sempre se fará, não se trata de crime, mas de mero culto à tradição. Eis a lógica vigente. A banalização do mal, de que falava a filósofa Hannah Arendt, traduz e resume o Brasil de hoje.
Uma entidade como o MST, sem personalidade jurídica – e, portanto, insusceptível de processo -, invade propriedades produtivas, destrói laboratórios de pesquisas, mata e faz reféns, e nada lhe acontece. Seu líder, João Pedro Stédile, circula dentro e fora do país, dá entrevistas e merece honras de chefe de Estado. Por meio de verbas governamentais, repassadas a ONGs, mantém sua milícia, que Lula trata como um “exército” particular.
A bola da vez é o tríplex de Lula, no Guarujá. Ele nega, contra todas as evidências, ser seu proprietário. Repete o estratagema consagrado por seu aliado Paulo Maluf: nega tanto que chega a ter dúvidas sobre se é realmente o dono.
O apartamento não é fato isolado: há, ainda, o sítio de Atibaia, o duplex de São Bernardo e os R$ 27 milhões acumulados de “palestras”, as mais bem remuneradas de toda a história humana. Tudo deriva da Petrobras, da Eletrobras, dos fundos de pensão, da Bancoop – numa palavra, do dinheiro alheio.
Poupo o leitor dos detalhes operacionais, monótonos de tão repetitivos - e que inundaram a imprensa nas últimas semanas; a rigor, nos últimos anos. Importa registrar que, apesar das evidências, Lula não está sequer denunciado.
Deu ao dito de Sócrates – “só sei quenada sei” -, que traduzia humildade perante o conhecimento, versão espúria que o velho sábio grego jamais imaginaria possível.
A ausência de espanto é o grande espanto que o país provoca. E aí cabe voltar à oposição: por que o silêncio? Ainda que tivesse perdido o senso moral, não perderia o senso de oportunidade, inerente à ação política, sobretudo em ano eleitoral.
Deduz-se então que teme alguma coisa, que também tem o que ocultar, suspeita já instalada, à espera de refutação.
Afora a ação individual e isolada de um ou outro parlamentar, sem respaldo partidário, não se faz nada. O PSDB é o autor da ação contra a campanha de Dilma no TSE, mas não investe em seu resultado. Não diz nada.
O governador do Amazonas, José Melo, acaba de ter seu mandato cassado pelo TRE, por – imaginem! – compra de votos e desvio de dinheiro público para sua campanha eleitoral. É o mesmo delito que condenou o ex-governador tucano Eduardo Azeredo – e diversos outros prefeitos e governadores.
Segundo a lei, não importa se o titular da campanha sabia ou não do que ocorria: é o responsável e responde pelo delito – exceto, claro, se for do PT. É o que se deduz da intocabilidade de Dilma. Sua campanha de reeleição foi brindada com R$ 100 milhões de dinheiro da Andrade Gutierrez, roubados da Petrobras, segundo delataram executivos da empresa ao juiz Sérgio Moro e ao Ministério Público.
Segundo contaram, foram achacados pelo hoje ministro da Comunicação Social, Edinho Silva (tesoureiro daquela campanha), e seu hoje assessor Giles Azevedo. Não é denúncia isolada.
Há outras, similares – como a do dono da UTC, Ricardo Pessoa -, mas bastava essa. Não obstante, o governador Geraldo Alckmin, fazendo coro a diversos correligionários e juristas de aluguel, repete que “não há motivo para o impeachment”.
O Brasil, sob o PT, tornou-se um país desmotivado: não encontra motivo para coisa alguma – nem para se espantar.