João Sorima Neto - O Globo
André Vital, de 34 anos, começou o ano de 2016 com a notícia que não queria receber. Na primeira semana de janeiro, o eletricista de manutenção, que há seis anos trabalhava na Usiminas, em Cubatão, cidade do litoral de São Paulo, foi demitido. Com o fim da produção de aço na unidade, anunciado em outubro passado, quatro mil funcionários — dois mil diretos e dois mil terceirizados — foram desligados até a semana passada. André estava na lista. Com a mulher desempregada e pai de dois filhos, de 2 e 7 anos, ele ainda ajudava os pais doentes com o salário de cerca de R$ 3 mil.
— Estou desorientado. Emprego na siderurgia está difícil. Começamos a economizar água, luz e telefone e também será preciso maneirar nas compras do supermercado. Vou contar com a indenização e o seguro-desemprego para me manter por enquanto — disse o metalúrgico.
A demissão de André e de metalúrgicos provocará uma espécie de efeito dominó sobre o emprego na região. Uma estimativa feita por José Nicolau Pompeo, economista e professor da PUC-SP, aponta que as 4 mil demissões na Usiminas, a maior empregadora da região ao lado da Petrobras, levarão ao fechamento de até 30 mil vagas, a curto prazo, nos nove municípios da Baixada Santista, incluindo postos na indústria, comércio e serviços.
Cinco cidades concentram os efeitos
Em cinco cidades — Santos, São Vicente, Praia Grande e Guarujá, além da própria Cubatão — os efeitos serão mais devastadores para o emprego, já que os trabalhadores da Usiminas moram principalmente nestas localidades. Em 2015, a crise no país fez a região perder 13 mil postos de trabalho, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o maior número desde 2002.
— Empresas que prestam serviços para a Usiminas já estão demitindo. E, com menos dinheiro circulando, farmácias, supermercados, restaurantes, lojas de roupas e sapatos e os consultórios de dentistas e médicos vão sentir o baque. É um efeito cascata que chegará a 30 mil postos de trabalho fechados a curto prazo na região — disse Pompeo.
Os comerciantes já sentem os efeitos. Antonio Teixeira tem uma empresa de distribuição de água em Cubatão e vendia cem mil litros por mês para seis prestadoras de serviços para a Usiminas. Como não tiveram os contratos renovados e estão demitindo, o fornecimento de água para estas companhias caiu para apenas mil litros por mês.
— Meu faturamento relacionado à Usiminas encolheu 90% — disse.
Teixeira, que também é presidente da Associação Comercial e Industrial de Cubatão, diz que as vendas do comércio local caíram 20% em janeiro. As demissões aumentaram a cautela dos consumidores, que já estavam ressabiados com a perda da renda causada pela inflação. A esperança de melhora é a injeção de mais de R$ 3 milhões por mês na economia local com a reativação do cartão do servidor da prefeitura, que oferecerá R$ 500 por mês para que funcionários públicos comprem no comércio local.
— Desde o fim do ano passado, criou-se um clima de insegurança por causa das demissões na Usiminas. Muita gente está deixando de comprar por medo de perder o emprego.
Dono de um restaurante que preparava 1.200 marmitas diárias a prestadores de serviços da siderúrgica, o empresário português Geraldo Adelino de Freitas disse que sua “produção” despencou desde o fim de 2015.
— Hoje forneço 130 marmitas. Dos meus 47 funcionários, tive que demitir 17.
Tombo na indústria e na arrecadação
A indústria da região já foi afetada. A Votorantim Cimentos informou que a unidade de Cubatão deixará de fabricar o produto. A empresa usa como matéria-prima a chamada escória, um subproduto da fundição de minério, produzida pela Usiminas. Sem o insumo, a unidade da Votorantim vai se transformar num centro de distribuição. Trinta pessoas estão sendo demitidas. A InterCement, do Grupo Camargo Corrêa, que também usa a escória da Usiminas, já pensa em alternativas para se manter funcionando. Uma delas é importar o insumo.
No Sindicato dos Siderúrgicos e Metalúrgicos da Baixada Santista, todos os dias grupos de trabalhadores dispensados passam pelo setor de homologações. Empresas que prestavam serviços de manutenção ou forneciam peças à Usiminas estão engrossando a fila dos demitidos, diz o presidente da entidade, Florêncio Resende de Sá, o Sassá.
— Indústrias que tinham 800 funcionários hoje trabalham com 70. Nossa base, que era de 22 mil filiados no ano passado, já encolheu para 15 mil e continuamos perdendo gente — disse Sassá.
A entidade oferece atendimento médico, com cardiologistas, ginecologistas e pediatras, e mantém um laboratório de exames para seus filiados. Gasta R$ 220 mil por mês e depende da contribuição dos associados. Sassá diz que precisará rever o modelo.
A prefeitura de Cubatão começou a fazer as contas do efeito Usiminas na arrecadação. O PIB de R$ 5,7 bilhões vai encolher a partir de 2017, diz o secretário de governo, Fábio Inácio. Mas ainda não é possível estimar qual será a redução, diz ele, lembrando que Petrobras e Usiminas respondem por 53% da arrecadação de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do município. Só a siderúrgica recolhe R$ 150 milhões ao ano:
— Com o fim da produção de aço, prestadoras de serviço vão recolher menos Imposto sobre Serviços (ISS). É um impacto gigantesco.
Inácio lembra que, se o polo industrial foi benéfico para a cidade em termos de arrecadação, trouxe problemas como poluição, devastação de manguezais, doenças e migração desordenada:
— Cubatão ficou conhecida como a cidade mais poluída do mundo no passado. O impacto negativo foi muito grande para a população e o município.
Agora, empresas de ônibus particulares, responsáveis pelo transporte de trabalhadores, já alertaram que vão reduzir pela metade as 450 linhas. A cooperativa de táxi reportou queda de 40% em seu movimento nos últimos meses.
A prefeitura e o sindicato tentaram negociar com a empresa, mas o secretário disse que ela se manteve inflexível. Procurada, a Usiminas informou que o ajuste no quadro de funcionários “tem como objetivo adequar a capacidade produtiva à realidade do mercado siderúrgico, que encontra-se progressivamente em queda”. As vendas de produtos siderúrgicos no mercado brasileiro, em 2015, caíram 16%.
Demitidos após mais de 20 anos na empresa
Entre os demitidos da Usiminas, há profissionais que trabalhavam na empresa desde antes da privatização, em 1993, quando ela ainda se chamava Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa). Com a crise no setor siderúrgico, acreditam que será difícil conseguir recolocação no mesmo segmento e pensam em alternativas. Em comum, todos pretendem cortar despesas e contam com o seguro-desemprego e a indenização para tocar a vida nesta fase difícil.
Davi Cordeiro (foto), de 50 anos, foi demitido em outubro após 26 anos na empresa. Técnico de manutenção dos fornos de coque, usado como combustível para os fornos de aço, ele soube que seu setor seria extinto com o fim da produção. Morador da cidade de Santos, já pensa em cortar despesas com lazer, como os restaurantes que costuma frequentar em São Vicente.
— Minha renda caiu pela metade, já que consegui me aposentar recentemente por causa da insalubridade do meu trabalho. Agora vou ter que cortar despesas e me adequar ao novo orçamento — diz ele, que vem de uma família de metalúrgicos. O pai trabalhou e se aposentou ainda pela antiga Cosipa e o irmão também foi funcionário da Usiminas.
Cordeiro diz que pretende procurar uma ocupação fora do segmento, já que o setor siderúrgico passa por uma crise:
— Não posso parar de trabalhar e quero fazer um curso para ser porteiro.
Osvaldo Almeida, de 49 anos, que trabalhava no tratamento de água da Usiminas, também tinha 26 anos e seis meses de siderurgia na empresa. Mora em Cubatão e ganhava R$ 3,2 mil. Espera se manter com o seguro-desemprego e a indenização, além de contar com o salário da mulher, que é enfermeira. Mas já sabe que o orçamento mais curto vai se refletir nas compras do mês e nos momentos de lazer.
— Mais da metade da minha vida foi na Usiminas — diz ele, que agora não sabe o que fará no futuro.
Estudante de engenharia civil, Marcos Aurélio Alves, de 40 anos, vai concluir o curso este ano na Unip na cidade de Santos. Só não sabe ainda como fará para pagar as mensalidades de R$ 1.200 neste semestre. Ele trabalhava como operador de ponte na Usiminas e foi cortado, perdendo o salário de R$ 2.200.
— Tenho duas filhas, e o salário de minha mulher, que é professora, vai para o sustento da casa. Vou ter que me virar para pagar o restante do curso — diz ele, que até agora só conseguiu arrumar um estágio não remunerado num escritório de engenharia.
Para sindicato, empresa oferece pouco
A Usiminas informou que, para minimizar os impactos das demissões, manterá os planos de saúde e odontológicos por três a seis meses. A empresa fez workshops de recolocação profissional e ofereceu contribuição previdenciária por mais três meses para empregados prestes a se aposentar. Também distribuiu cartas de recomendação e informou que fez o remanejamento interno de profissionais para áreas da usina que permanecerão operando.
“Esse conjunto de medidas supera o que é determinado pela lei e representa as possibilidades da Usiminas diante do cenário de profundos desafios vividos pela indústria do aço”, informou a empresa em nota.
Para o sindicato dos metalúrgicos, foi pouco.
— Não se fez a oferta de um Plano de Demissão Voluntária, que poderia dar uma ajuda extra aos trabalhadores — diz Florêncio Resende, o Sassá, presidente do Sindicato dos Siderúrgicos e Metalúrgicos da Baixada Santista.