Os cinco discos brasileiros que se destacaram no ano de 2015
Gal Costa – Estrafosférica
Um disco no qual Gal Costa dialoga com os criadores da nova geração. Produzido pela dupla Moreno Veloso e Kassin, ele tem boas descobertas como Sem Medo, Nem Esperança, parceria de Arthur Nogueira com Antônio Cícero, e Quando Você Olha para Ela, de Mallu Magalhães, são os destaques do álbum, que tem ainda Ecstasy, faixa que tem o piano acubanado de seu autor, João Donato. Um ponto alto do renascimento artístico da baiana, que havia saído de um exílio discográfico de seis anos comRecanto (2011), concebido e produzido por Caetano Veloso.
Duda Brack – É
Duda Brack é uma intérprete gaúcha de 22 anos. É, seu disco de estreia, traz uma garra, uma entrega que anda em falta nos trabalhos de muita cantora veterana. Qualidade que dá vida a letras um tanto tolas como Lata de Tinta (“Nossa bossa nova virou rock’n’roll/ E não há Nelson Motta, nem Pasquale/ Que possa dar jeito”). Outra qualidade é não se limitar a compositores da moda. Sejam novos talentos como Dani Black (autor de Dez Dias) ou veteranos que precisam ser (re)descobertos (Celso Viáfora e sua Venha, a melhor faixa do álbum), eles caem como uma luva na voz forte de Duda e no instrumental experimental de sua banda.
www.dudabrack.com
Lucas Arruda – Solar
Lucas Arruda é um dos melhores segredos do pop nacional. Seu segundo disco, Solar, foi lançado nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, mas permanece inédito por aqui (ou melhor, quase inédito, visto que está disponível nos sites de streaming). O disco é uma aula de pop/soul dos anos 1970, com influências que vão de Stevie Wonder a Marcos Valle e a dupla Robson Jorge & Lincoln Olivetti. Leon Ware, parceiro de Valle (e autor de I Want You, gravada por Marvin Gaye) canta em duas faixas, sendo que uma delas é a regravação de Stop, Look Listen, original dos Stylistics e que fez sucesso por aqui com Marvin Gaye e Diana Ross.
Fábio Góes – Zonzo
Criador de trilhas publicitárias e temas de cinema, Fábio Góes é um ótimo elaborador de climas. Suas composições têm linhas melódicas bem definidas, mas o que salta aos olhos e aos ouvidos são as referências que ele insere em cada faixa, das baterias eletrônicas que lembram o pop inglês dos anos 1980 a um flerte com a sonoridade direta do atual rock de garagem americano. Apenas Simplesmente, a melhor faixa de Zonzo, tem participação de Tulipa Ruiz e do guitarrista Gustavo Ruiz, irmão da cantora. Outro bom momento é a regravação de O Trem Azul, de Lô Borges e Ronaldo Bastos, que aqui ganha um acento roqueiro.
Daniel D’Alcântara – Canções para Tempos Melhores
Primeiro disco como bandleader desse trompetista paulistano, que tem entre seus admiradores a maestrina americana Maria Schneider. O álbum foi gravado praticamente ao vivo e tem como norte os discos de Miles Davis da segunda metade dos anos 1960. D’Alcântara e associados são bons compositores e mostram talento acima da média para solos. É notável o entrosamento do trompetista com os companheiros, seja nos duelos com o baterista Teixeira (Nestico), seja no solo em uníssono de SanMagno. A faixa-título traz uma bela introdução de piano elétrico de Edson Sant’anna.
http://danieldalcantara.com/
The Decemberists – What a Terrible World, What a Beautiful World
O grupo liderado pelo vocalista e guitarrista Colin Meloy sempre combinou diversos gêneros do cancioneiro americano (folk, rock, country, pop etc) a letras acima da média, de autoria de Meloy. Neste disco eles se superaram a abordar temas que vão de A Cauda Longa, do escritor David Foster Wallace, a soldados gays na I Guerra Mundial (Soldiering Life). Entre muitas belezas destacam-se Philomena, um rock estilo anos 1950 sobre um rapaz que deseja ver nua o objeto da sua paixão, e The Lake Song, uma linda balada que fala de uma desilusão amorosa.
Jose James – Yesterday I Had the Blues
Um disco tributo que sai do pantanoso terreno da obviedade. José James, cantor formado na escola do jazz e do hip hop, recria nove canções de Billie Holiday acompanhado por Jason Moran (piano), John Patitucci (baixo) e Eric Harland (bateria). O clima do álbum é vanguardista. Entre as liberdades tomadas estão um God Bless the Child com instrumentos elétricos. Em Strange Fruit, James sobrepõe várias vozes, dando a impressão de que não apenas ele, mas diversas almas lamentam os “corpos negros que balançam à brisa do Sul”.
Kamasi Washington – The Epic
No universo do jazz existe uma discussão que rende debates tão acalorados quanto o Fla X Flu na política brasileira. O gênero tem de respeitar a tradição, como professa o trompetista e maestro Wynton Marsalis, ou se modernizar a todo instante? Kamasi Washington, saxofonista de 23 anos, preferiu a segunda opção. Colaborador do rapper Kendrick Lamar e do Dj Flying Lotus, Washington fez um disco triplo, com 172 horas de duração e que aponta novos caminhos para o jazz. Há influências de música clássica, funk dos anos 1970, soul music, fusion e ritmos latinos. Boa parte do material é de autoria do saxofonista, mas há versões incríveis para Clair de Lune, de Debussy, Malcolm’s Theme, do trompetista Terence Blanchard eCherokee, de Ray Noble.
Kendrick Lamar – To Pimp a Butterfly
What’s Going On, de Marvin Gaye, e There’s a Riot Going On, do grupo Sly & the Family Stone, foram polaroides da comunidade negra americana durante a passagem dos anos 60 para os 70. Essas canções encaravam temas candentes como a Guerra do Vietnã e o racismo. To Pimp a Butterfly, o segundo álbum do rapper Kendrick Lamar, é a versão atualizada dos conflitos anunciados por Gaye e Sly & the Family Stone. As letras abordam, sobretudo, confrontos raciais, recente e demagogicamente inflamados por incidentes entre a polícia e jovens negros. As diatribes do rapper vêm forradas de uma produção muito bem cuidada, calcada nas melhores heranças musicais da cultura negra americana. O free jazz permeia For Free, e I utiliza samples de Who’ss That Lady, funk furioso do grupo The Isley Brothers.
D’Angelo and the Vanguard – Black Messiah
Lançado nos momentos finais de 2014, o disco marca o retorno do cantor de soul D’Angelo após um sumiço de catorze anos. Foi realizado em colaboração com o baterista e produtor Questlove, que também trabalhou em Voodoo (2000), último trabalho de D’Angelo antes de se perder numa maré de drogas e problemas com a polícia. Black Messiah, aliás, tem um pouco do exorcismo pessoal do soulman, que faz piadas sobre o seu sumiço. The Charade, por exemplo, ele espera que a preocupação do público em relação à sua forma seja artística e não sobre a barriga sarada de outrora. Black Messiah é um disco de grooves e batidas pesadas, intercalados por baladas que trazem a qualidade habitual de D’Angelo – caso de Really Love e Another Life.