sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Danielle Brants, do MIT: "Inovação não é ciência espacial"

Mariana Queiroz Barboza - IstoE



Eleita uma das brasileiras mais inovadoras pelo MIT, empreendedora de apenas 31 anos diz que trabalho duro e insistência são mais importantes do que ideias geniais na hora de criar novas soluções


Como muitos jovens de 20 e tantos anos, a administradora de empresas Danielle Brants tinha uma carreira bem-sucedida, mas pouco satisfatória quando, há três anos, resolveu jogar tudo para o alto e empreender. Depois de muita pesquisa, criou uma plataforma de engajamento e proficiência de leitura para alunos do Ensino Fundamental.

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MUDANÇA 
Depois de 10 anos no mercado financeiro, Danielle largou tudo para virar empreendedora 


O Guten News apresenta notícias de maneira adaptada a crianças de 8 a 12 anos com o objetivo de despertar o gosto pela leitura conectando-as à realidade num ambiente com jogos e exercícios. O aplicativo e o site são gratuitos, mas os relatórios de desempenho, que permitem intervenções didáticas mais apuradas, são pagos. “Inovar é resolver o problema de alguém de forma criativa”, diz Danielle. “Não sou nenhum grande gênio, mas encontrei uma solução de leitura para professores que precisavam disso.”

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''Durante um tempo se acreditou que um tablet ou um computador 
resolveriam a questão do interesse do aluno, mas não é assim''


Hoje, aos 31 anos, a empresária tem 30 escolas entre seus clientes e entrou na lista dos 10 brasileiros mais inovadores com menos de 35 anos da revista Technology Review, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). Antes disso, porém, teve que enfrentar a burocracia exagerada imposta aos empreendedores no Brasil. “É um ambiente de desconfiança institucional com quem está fazendo o País andar”, afirma. “Somos nós que pagamos o preço de quem faz errado”.

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''O investimento em educação no Brasil não é baixo, o que falta é gestão''



Como funciona o Guten News?

Essa é uma plataforma de notícias para crianças de 8 a 12 anos, que pode ser acessada por aplicativo no iPad ou por um site na internet. Para isso, temos um time de jornalistas que escreve numa linguagem mais próxima a esses jovens, com um vocabulário mais simples e a construção de frases na ordem direta. Além disso, as notícias não tratam de vários subtemas, mas de uma só linha-mestre. A mensagem principal sempre é informar. Então, toda semana publicamos uma edição nova do Guten News, com cinco notícias, uma para cada dia da semana. Só que antes de iniciar a leitura, o estudante participa de jogos e missões ligados ao tema do artigo para acionar o conhecimento prévio e deixá-lo aquecido. Logo depois, oferecemos duas atividades de pós-leitura para ver se ele compreendeu o que leu. As crianças criam avatares e vão ganhando selos ao longo do tempo. Assim, conseguimos mapear tudo o que o aluno faz, as dificuldades que ele tem, os conteúdos que mais o interessam e vendemos esse relatório às escolas.


Existe algum assunto proibido?

Não. Tratamos de religião, política, esporte, comportamento e ciência. Estamos informando. O trabalho do professor é de curadoria. Se ele é de uma escola religiosa, pode ignorar alguns assuntos.


De onde surgiu a ideia?

Não sou nem educadora, nem jornalista. Sou administradora de empresas e trabalhava no mercado financeiro. Estava insatisfeita há alguns anos e não sabia exatamente de onde  isso vinha. Resolvi pedir demissão sem nada em mente. Era o momento de eu analisar o que faria pelos próximos 50 anos. Sempre tive grande apreço por tecnologia. Pensei: onde a tecnologia ainda é incipiente, mas tem grande potencial? Educação e saúde estavam dando os primeiros passos e comecei a estudar esses setores. Me inscrevi num curso de especialização na Escola de Educação da Universidade de Harvard e, durante essa viagem, conheci algumas start-ups de educação. Fiquei encantada. 


E por que trabalhar com leitura?

Há pouca inovação em língua portuguesa, esse é um segmento que foi deixado um pouco de lado nas escolas. Na matemática tem muita coisa, com ensino adaptativo, ciência, robótica. A leitura era tratada com “dou um livro e vejo o que vai sair”. Então, vi que tínhamos um grande problema, ninguém estava trabalhando com ele, e era com isso que queria trabalhar. Comecei a visitar escolas, ouvir professores. Foi um processo de seis meses para conceber a ideia.


 Como você conseguiu o financiamento para esse projeto?

Quando comecei, tinha 10 anos de economias e costumo dizer que fui meu próprio investidor-anjo. Mantive a Guten, contratei desenvolvedor e funcionários com o meu dinheiro. Isso foi por um ano e meio. Até o momento em que vi que tinha substância para falar com investidores. O ambiente de investimentos no Brasil é bem menor e mais avesso a riscos que em outros mercados como os Estados Unidos e ele demanda que você já tenha atingido alguns marcos. O que fiz foi esperar que minha ideia deixasse de ser um projeto e se tornasse uma empresa. Em julho, fechei uma rodada de capital-semente com investidores locais e um fundo americano.


O setor de start-ups e tecnologia é tão afetado pela crise econômica no Brasil quanto os demais?

Sim e não. Sim, porque se eu estivesse, nesse momento de extremo pessimismo, procurando por um aporte, seria bem mais difícil fechar uma rodada de investimento. Principalmente numa empresa que está começando agora e eu não sou do setor. Por outro lado, acho que afeta menos. Durante a crise, as escolas até perdem matrículas, mas os pais deixam de pagar uma com mensalidade de R$ 1 mil para ir para outra de R$ 800. E o meu mercado abrange todo mundo. Posso trabalhar com escolas de vários níveis. 


Você pensa em expandir para o setor público?

Ainda não estou nele, mas vou tentar vender para o setor público mais para a frente, até por causa do impacto. É no setor público que estão mais de 80% das matrículas.


Qual é a maior dificuldade em empreender no Brasil?

O fator que mais atrapalha é a burocracia exacerbada. Existe um pano de fundo em que não se confia no empresário brasileiro. É preciso fazer certificações, fichas, papéis, pagar muitos impostos, é um ambiente de desconfiança institucional com quem está fazendo o País andar. Isso me atrapalha, mas não é nada que me impeça de trabalhar. Se a maré vier contra, vou continuar remando. Minha expectativa, afinal, já era baixa. Quando trabalhava com fusões e aquisições, escutava muito o lado do empreendedor e todo mundo falava que o Brasil era muito difícil. Quando entrei, estava consciente disso.


O que é ser inovador hoje em dia?

Inovação não é necessariamente ciência espacial. Não é uma coisa complicada. Inovar é resolver o problema de alguém de forma criativa e que não tenha sido feita antes. Não sou nenhum grande gênio, mas encontrei uma solução de leitura para professores que precisavam disso. Achei uma forma viável, de baixo custo e com amplo alcance.


Como o Brasil pode ser um país mais inovador no futuro?

Inovação não é um estalo que se tem, é fruto de muito trabalho. Culturalmente achamos que é um “momento eureka”. Pelo menos, para mim, não foi assim. Por mais que estivesse trabalhando em outro setor, estava criando as capacidades gerenciais que precisava, de análise crítica, de como montar um negócio, avaliar um mercado. E, para inovar, muitas vezes é preciso fracassar. Só que, no Brasil, isso é visto como uma derrota, o fim de tudo. Se conseguirmos mudar essa mentalidade e ver o fracasso como uma experiência importante, talvez as coisas comecem a mudar e as pessoas inovem mais.


Num país como o Brasil, em que as pessoas lêem tão pouco, encontrar soluções digitais é uma maneira de incentivar a leitura? 

Temos um conflito. Hoje os pais e educadores estão preocupados com as crianças que ficam muito tempo no tablet e estão voltadas para jogos e entretenimento. Obviamente não sou partidária disso. O que vejo nas escolas é um processo de adaptação. No começo, houve uma onda de tecnologia em que se achou que os hardwares iriam resolver tudo. Achavam que o fato de haver um tablet ou um computador na escola faria, de uma hora para outra, com que o aluno se interessasse. E não é assim tão fácil. Depois, veio o momento da frustração. As escolas acharam que a tecnologia não tinha nenhum fim pedagógico. Agora parece haver um equilíbrio.


No ano passado, uma pesquisa da OCDE mostrou os alunos brasileiros na antepenúltima posição de um ranking que avaliou a habilidade de navegar em sites e compreender leituras na internet. De onde vem essa dificuldade?

No Brasil, trabalhamos muito a alfabetização e hoje todo mundo é alfabetizado. Agora existe um problema de letramento. As pessoas conseguem decodificar as palavras, ligar as sílabas, só que não necessariamente compreendem aquilo. Além disso, se você não consegue entender uma frase, dificilmente vai conseguir discernir fato de opinião e vai ser crítico frente a uma informação. Aí essas crianças são colocadas numa internet lotada de informações, e provavelmente ela vai se perder. É um problema de base.


Como o Brasil poderia adotar a internet nas escolas em grande escala? Falta dinheiro para investir ou faltam projetos?

Falta gestão. Comparativamente a outros países, nosso investimento per capita em educação não fica muito abaixo. Mas a gestão e a forma como esse dinheiro é aplicado poderiam ser melhores. Quando falamos de internet, é preciso ter uma mente inovadora, fazer experimentação, testar projetos-piloto. Trata-se de gerir bem o processo e não fazer algo de cima para baixo. Os professores têm que fazer parte da discussão.


É possível adotar a proposta do Guten News em larga escala?

 Certamente. Ele pode chegar a milhões de alunos praticamente sem nenhum custo. A única coisa que mudaria para a empresa seria o custo do servidor. Quanto mais gente nós atingirmos, mais perto estaremos de nosso objetivo. Numa visão de longo prazo, quero criar uma empresa que forme uma nova geração de leitores para o Brasil. Quando tiver 80, 90 anos, quero olhar para trás e ver que mudei alguma coisa.


Você está trabalhando em algum outro projeto agora?

 Sim, é um projeto bem mais ambicioso de leitura. Acabamos de ganhar um prêmio da Fapesp e temos um convênio com a Universidade de São Paulo (USP). Estamos criando o primeiro software classificador de complexidade de textos. Se queremos que um aluno leia mais, temos que dar um desafio na medida certa. Se eu der um texto muito difícil para uma criança de 8 anos, ela estará fora da zona de desafio. É uma montanha muito alta para ela subir e ela vai se desmotivar. Então, tem que ser aos poucos. Para isso, precisamos criar uma ferramenta que meça a leiturabilidade de um texto objetivamente, com padrões linguísticos. Por isso, tenho trabalhado com linguistas da USP para criar esse primeiro software para o português.