sábado, 2 de janeiro de 2016

"Compasso brasileiro: de Macunaíma a 2016", por Vitor Hugo Soares

Com Blog do Noblat - O Globo



Ulisses Guimarães (Foto: Divulgação)Ulisses Guimarães (Foto: Divulgação)
"Minha paciência é tão infinita quanto a do povo brasileiro. Só se irrita com o bêbado e com o chato. O chato é o inimigo do gênero humano. É o vento encanado que acaba com qualquer reunião, é o maçante a quem você pergunta “como vai?” E ele resolve contar. Na conceituação exata de Benedetto Croce, que Santiago Dantas me revelou, o chato não lhe faz companhia e não deixa você ficar só. Governo chato é este que aí está. A impaciência nacional chegou à exaustão”.

(Ulysses Guimarães, ex-deputado federal, fundador do MDB, ex-presidente da Câmara e guardião da Constituição de 1988, morto (ou encantado no fundo do mar para alguns) em 1992, num desastre aéreo. Recolhida no repertório das 100 melhores frases de Ulysses, selecionadas por dona Mora e publicadas no livro “Rompendo o Cerco”. Pensamento de 1978, mas parece que foi ontem).

Na mosca, a frase do legendário personagem da política e da vida institucional do Brasil, citada no cabeçalho deste artigo da última semana de 2015. Para ateus que acreditam em milagres ou cristãos e espiritualistas convictos, uma prova mais que cabal de que “Ulysses vive”.

Vejam, por exemplo, imagens e resultados (?) da intempestiva, melancólica (e chata) reunião  de 11 governadores de estados e do Distrito Federal, em Brasília, com Nelson Barbosa, o encarregado da vez do Ministério da Fazenda, porque, como pontuou o chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, na saída de Joaquim Levy, quem decide, de fato, na pasta maior da economia brasileira é a mandatária Dilma Rousseff. Apesar dos pitacos de Lula, o ex-presidente em apuros, ou da língua solta e arrogante do presidente do PT, Rui Falcão.

Barbosa, mal tomou posse do pepino, já anda entre espasmos de impaciência e à beira de um ataque de nervos. E não é sem motivos, a deduzir pelos fatos da semana de despedida de 2015 e as perspectivas nada animadoras que 2016 sugere.

Na segunda-feira, 28, às vésperas do Ano Novo que se aproxima, a  velha e repetida história de sempre em tempos de crises nacionais no País. Na mesa do encontro-almoço palaciano, promovido pelo governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), o retrato sem retoques da Federação dividida, sem rumo certo, a caminho do desconhecido ano que vem.

A cuia foi passada em primeiro lugar. Os gestores estaduais foram ao Planalto na clássica condição do roto que pede socorro ao esfarrapado. Em  síntese, disse o El Pais, foram garantir recursos num futuro próximo para o pagamento até das despesas mais básicas, como gastos com saúde, no caso do Rio de Janeiro, e com o salário de servidores, no Rio Grande do Sul.

"Com o argumento de que a crise econômica que o país enfrenta afetou demais a arrecadação, também nas esferas estaduais e municipais, essa “delegação” de governadores entregou uma lista com sete reivindicações a Barbosa”, revela o jornal espanhol, na cobertura do fato publicada em sua edição para o Brasil. A lista foi feita ao improviso do evento e das situações e interesses conjunturais.

Tanto que nem deu para incluir a ameaça do presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, ao governador Rui Costa (PT), de não efetuar o pagamento de dezembro, dos servidores e juízes do judiciário baiano, em face da não transferência dos recursos pelo governo estadual. “Impasse cavernoso”, no dizer da gente da Cidade da Bahia.

No regabofe com Nelson Barbosa, nos moldes da praxe histórica em eventos do tipo, as barganhas inevitáveis. Desta vez, a “multipartidária” representação de governadores ofereceu em troca do socorro aos estados, a ajuda do apoio político na hora delicada da ameaça de impeachment da mandatária, além da ajuda crucial para empurrar garganta à dentro da nação, a improvável aprovação da CPMF no Congresso. Na saída do almoço, cara fechada e ar de poucos amigos, o ministro Barbosa evitou a imprensa e não disse nem sim, nem não.

Mas isso, em tempos e governos macunaímicos, pouco importa. Afinal, é como revelou O Globo na última semana do ano que finda: Em outubro, pressionada a enxugar a máquina pública para cobrir o déficit de R$ 30,5 bilhões, a mandatária petista improvisou uma “reforma administrativa”. Prometeu cortar ministérios e reduzir o número de cargos de confiança. “Mas, até agora, os resultados são pífios”, diz o jornal.

E prova com números irrefutáveis: "Dos 3 mil cargos que seriam extintos, segundo Dilma, apenas 346 foram efetivamente cortados. Das 30 secretarias, só sete deixaram de existir.  Dilma, o vice Michel Temer e os ministros teriam seus salários reduzidos de R$ 30.934,70 para R$ 27.841,23. Isso também ainda não aconteceu”, relata O Globo. E por aí vai...

No resumo da ópera (como diz o jornalista Chico Bruno), um toque indisfarçável de Macunaíma, o romance emblemático de Mário de Andrade sobre o herói brasileiro sem caráter: “Agora é cada um por si e Deus contra”. A conferir.

Enquanto o carro segue na direção da Lapinha (no dizer popular dos soteropolitanos), é sempre bom desejar antes do ponto final: Feliz Ano Novo para todos.