Dilma Rousseff não estará em Caracas no 5 de janeiro, data da posse da nova Assembleia Nacional (AN) venezuelana. Quem cala, consente. Os ex-chefes de Estado e governo reunidos na Iniciativa Democrática da Espanha e das Américas não consentiram.
Num comunicado firmado, entre outros, por Felipe González (Espanha), Fernando Henrique (Brasil), Oscar Arias (Costa Rica) e Ricardo Lagos (Chile), eles denunciam as "graves infrações constitucionais" que "ameaçam renegar a vontade popular expressa nos resultados eleitorais de 6 de dezembro".
De fato, à luz do dia, o regime chavista prepara a supressão da "democracia burguesa", atirando a Venezuela no precipício de uma aventura sangrenta.
Diante da conquista de dois terços da AN pela oposição, Nicolás Maduro promove, ilegalmente, a aposentadoria antecipada de 12 dos 32 magistrados da corte suprema e a designação de seus sucessores pela maioria chavista da AN que encerra seu mandato.
O golpe judicial destina-se a reforçar o controle do regime sobre o tribunal, convocado explicitamente a declarar a inconstitucionalidade da lei de anistia articulada pela oposição para conseguir a libertação dos presos políticos.
Dilma, que foi uma prisioneira política, nunca ergueu a voz para protestar contra o encarceramento de opositores na Venezuela.
Liberdade, para ela, não é um direito, mas um privilégio reservado aos companheiros de fé.
Em trilho paralelo ao golpe judicial, corre um golpe eleitoral. Sob nebulosas alegações de "compra de votos", o regime chavista solicita a um Judiciário obediente a anulação da eleição de oito deputados opositores.
A finalidade óbvia é sequestrar a maioria qualificada que as urnas conferiram à oposição, impedindo-a de fazer mudanças constitucionais. O chavismo sempre extraiu sua legitimidade de triunfos eleitorais. Lula chegou a proclamar que existia "democracia demais" na Venezuela, reduzindo o sistema democrático ao evento eleitoral.
Agora, confrontado com o fracasso nas urnas, o sucessor de Chávez renuncia àquela fonte de legitimidade e converte o poder de Estado em ferramenta de negação da vontade popular. O silêncio do Brasil evidencia que, do ponto de vista de Dilma, o respeito à vontade popular não é um princípio, mas um pretexto oportuno.
A "revolução bolivariana segue na direção do Estado comunal", anunciou Maduro, concluindo seu diagnóstico de que "o povo votou errado".
O terceiro golpe do regime desenha-se na instituição de um Parlamento Comunal Nacional, formado por militantes chavistas escolhidos em "plenárias de base".
Sombra farsesca do sistema soviético, o parlamento paralelo criado por decreto terá poderes legislativos, funcionando como câmara de anulação de leis aprovadas pela AN. No seu outono, o chavismo tenta cassar pela força as prerrogativas da maioria, despindo-se da fantasia, já em andrajos, da "democracia burguesa".
A cumplicidade tácita do governo Dilma desmoraliza a cláusula democrática do Mercosul e oferece uma solitária muleta diplomática à tirania venezuelana.
No editorial esquizofrênico publicado na segunda (28.dez), a Folha deplora a postura brasileira de não dizer "em alto e bom som" que "a vocação autoritária do chavismo constitui um problema grave" para, no mesmo ato, ecoando o álibi clássico do Itamaraty, indicar como "vantagem dessa posição" a possibilidade de "alertar sobre os erros sem que isso signifique uma afronta".
A Venezuela contou com a mão amiga do lulopetismo em toda a longa senda que a levou da democracia ao caudilhismo, e dele à ditadura.
Os três golpes de Maduro contra a voz da maioria destinam-se a provocar uma crise institucional e uma ruptura violenta. O chavismo agonizante busca o confronto nas ruas para fugir ao veredito das urnas. Dilma não irá a Caracas, pois decidiu transformar o Brasil em avalista desse desenlace.