domingo, 30 de agosto de 2015

Trabalhar fora do Brasil atrai jovens, mas transferência exige perfil acima da média

Fernanda Perrin - Folha de São Paulo


O paulista Edson Bertolai, 45, já fala português com sotaque espanhol. Ele acumula quase cinco anos como expatriado –termo que indica aquele que vive fora do país de origem e que se tornou jargão entre as empresas para se referir ao funcionário transferido para o exterior.

A pedido da PepsiCo, onde trabalha há 15 anos, Bertolai morou no México entre 2005 e 2009 e dirige a área de RH no Chile desde novembro de 2014. A chance de trabalhar fora do país foi um dos motivos para Bertolai escolher a multinacional.

O desejo é compartilhado por quase um terço dos jovens brasileiros, que apontam a carreira internacional como um dos seus objetivos profissionais mais importantes, segundo pesquisa da consultoria Universum feita no início deste ano.

Há bons motivos para isso. A transferência vem acompanhada por um pacote de benefícios, como aluguel pago pela empresa, e promoções.

Saiba mais sobre os expatriados


"O objetivo principal da expatriação é investir nas pessoas para que elas assumam maiores responsabilidades, cargos com escopo maior do que têm hoje", diz Elisabete Rello, diretora de RH da Bayer, que atualmente tem cerca de 35 brasileiros em operações no exterior e 33 estrangeiros no Brasil.
Por isso, quem aspira a esse tipo de carreira deve provar ser um profissional acima da média ou deter um conhecimento técnico específico, aconselha Raphael Falcão, diretor da Hays, empresa global de recrutamento e seleção de altos executivos.
"Muita gente sonha em morar fora, nos Estados Unidos, por uma questão pessoal. Mas as empresas não vão por esse caminho. Se elas vão pagar pelo seu deslocamento, você tem que provar que vai gerar um resultado melhor lá fora", afirma.
Do ponto de vista do empregador, os custos são um dos maiores problemas da prática. Júlio Pegorini, 51, diretor de RH da PepsiCo para a América Latina, diz que o custo de um expatriado para a empresa é, em média, o dobro que o de um funcionário local, o que freia as transferências em termos globais.
Para o funcionário, o maior problema é o impacto sobre a família –38% das expatriações recusadas são por razões familiares, segundo levantamento da Brookfield.

INVESTIMENTO
A expatriação é um investimento da empresa em um funcionário, em termos de dinheiro e de expectativas.
A ideia é colocar nas mãos de profissionais de confiança a responsabilidade de tocar negócios novos, com problemas, ou em países sem mão de obra qualificada, transferindo conhecimento de gestão ou técnico.
O caminho inverso também é possível: enviar um brasileiro para passar um tempo em uma matriz estrangeira é um meio de capacitá-lo no modelo da empresa para que ele possa trazer a experiência de volta.
O fluxo de brasileiros costumava ser em direção aos Estados Unidos e a países da Europa, segundo Falcão, da Hays.

Nos últimos anos, esse padrão mudou: com a expansão de negócios para Ásia, África e América Latina, esses destinos entraram na rota.
Parte expressiva dos quase 70 brasileiros expatriados pela indústria química Dow estão na Arábia Saudita, diz Patrícia Cosentino, gerente de compensação e benefícios.
Para amortecer o choque cultural que a mudança traz, muitas organizações fazem um período de testes no país de destino ou oferecem "treinamentos interculturais".
A Differänce é uma empresa especializada em treinar expatriados. Mariana Barros, uma das sócias, diz que o maior desafio é fazer com que o brasileiro não se feche entre conterrâneos.
Para Pegorini, é natural que expatriados de uma mesma nacionalidade se aproximem, mas isso não pode ser um limitador. Em sua temporada no México pela PespiCo, entre 2007 e 2011, ele diz que buscou "ser mais diverso nas relações". E, de certa forma, funcionou: quando voltou ao Brasil, seu filho mais velho, então com 19 anos, decidiu ficar.

Eduardo Anizelli/Folhapress
Julio Pegorini, diretor de RH da PepsiCo para a América Latina, na sede da empresa em São Paulo
Julio Pegorini, diretor de RH da PepsiCo para a América Latina, na sede da empresa em São Paulo

Para facilitar a adaptação, algumas empresas se especializaram em oferecer o "pacote expatriado" –caso da Emdoc, que faz serviços como obtenção de vistos e localização de casas e escolas.
Embora esses benefícios sejam atraentes, é importante não esquecer do "pacote CLT", como INSS e FGTS.

CONTRATO
A advogada Daniela Yuassa, do escritório Stocche Forbes, recomenda a assinatura de um termo de suspensão do contrato no Brasil, para que o expatriado continue na folha de pagamentos daqui e possa receber os benefícios.
É comum, contudo, que o empregado seja demitido no Brasil e recontratado no país de destino. Segundo Yuassa, esse procedimento é controverso porque pode causar problemas com o INSS em relação ao tempo de trabalho.
O caso de Júlio Sá Rêgo, 35, é emblemático. Trabalhando há seis anos em órgãos internacionais, como a Agência Espacial Europeia e a Unesco, ele diz que "não faz ideia" do que fazer quando se aposentar. "Eu tenho contribuições em vários países diferentes e na ONU", afirma.
Apesar dos problemas da expatriação, que incluem um divórcio, ele fala com empolgação sobre a carreira. "Você convive com pessoas de diversas culturas e perspectivas e percebe que muitas das suas opiniões são visões culturais."

EXPATRIADAS
Segundo levantamento global da Brookfield, apenas 18% dos expatriados no mundo são mulheres.
"Em uma cultura machista, é mais difícil para a mulher pedir para o marido largar a carreira do que para o homem pedir para a esposa", diz Magali Cachoeira, 44, há um ano e meio nos Estados Unidos pela Bayer.
Casada, ela diz que tomou a decisão de sair do Brasil em conjunto com o marido, que tinha um cargo de gerência. Entendendo que seria um passo importante na carreira dela, ele concordou em acompanhá-la.
No caso de Thaís Carloni, 53, a transferência para a Dow no México foi mais fácil porque o marido estava prestes a se aposentar. Para ela, a expatriação tem se tornado mais comum também para mulheres e a tendência é que continue a melhorar. "As barreiras são transponíveis, você consegue administrar."