Campbell Robertson e Richard Fausset
Em Nova Orleans (EUA)
- Max Becherer/APMercado de St. Roch volta a reunir centenas de pessoas aos domingos em New Orleans
É um espanto ainda haver tudo isso: os fiéis se reunindo na Igreja Batista de Beulah Land no Lower 9th Ward. Os homens nos degraus das casas, trocando fofocas em um anoitecer de agosto. A banda de metais em Tremé, os advogados em Lakeview, os novos proprietários de casas em Pontchartrain Park.
Em 29 de agosto de 2005, tudo parecia perdido. Quatro quintos da cidade estavam submersos, e os moradores acenavam freneticamente de seus telhados em busca de ajuda; milhares de pessoas ficaram alojadas no Superdome, uma congregação de desesperados e pobres.
Em 29 de agosto de 2005, tudo parecia perdido. Quatro quintos da cidade estavam submersos, e os moradores acenavam freneticamente de seus telhados em busca de ajuda; milhares de pessoas ficaram alojadas no Superdome, uma congregação de desesperados e pobres.
Quando o furacão Katrina destruiu o sistema de diques fatalmente defeituoso, Nova Orleans tornou-se um símbolo mundial do desequilíbrio norte-americano e da negligência do governo. Em todos os níveis e em todos os setores, da engenharia à política social à logística básica, foram evidenciadas falhas antes, durante e depois do Katrina.
Dez anos mais tarde, não seria exatamente correto dizer que Nova Orleans está de volta. A cidade não retornou, não como era.
Primeiro de tudo, está sem as mais de 1.400 vítimas que morreram aqui e milhares de pessoas que hoje estão levando suas vidas em outros lugares. Em 2013, havia cerca de 100 mil moradores negros a menos do que em 2000, de todos os níveis de renda. A população branca diminuiu em cerca de 11.000, mas é mais abastada.
A cidade que existe em 2015 foi alterada por uma década de reengenharia e pelo rearranjo pragmático que ocorre quando as pessoas são abandonadas à própria sorte.
Dez anos mais tarde, não seria exatamente correto dizer que Nova Orleans está de volta. A cidade não retornou, não como era.
Primeiro de tudo, está sem as mais de 1.400 vítimas que morreram aqui e milhares de pessoas que hoje estão levando suas vidas em outros lugares. Em 2013, havia cerca de 100 mil moradores negros a menos do que em 2000, de todos os níveis de renda. A população branca diminuiu em cerca de 11.000, mas é mais abastada.
A cidade que existe em 2015 foi alterada por uma década de reengenharia e pelo rearranjo pragmático que ocorre quando as pessoas são abandonadas à própria sorte.
O sistema escolar sofreu uma revisão completa, reforçado por bilhões de dólares federais e por grandes ideias de políticas sociais; o antigo prédio art déco do Hospital de Caridade foi trocado por um complexo médico de ponta; e grandes projetos de habitação pública foram demolidos e substituídos por comunidades de renda mista com aluguel social.
Em uma cidade acostumada há muito com um sentido fatalista, os otimistas agora estão em alta. Eles acreditam que a onda de novos moradores brilhantes, a explosão da verve empreendedora e um novo espírito de engajamento cívico prepararam a cidade para uma era de grandeza, ou, pelo menos, reverteram a antiga narrativa de desastre cívico.
Em uma cidade acostumada há muito com um sentido fatalista, os otimistas agora estão em alta. Eles acreditam que a onda de novos moradores brilhantes, a explosão da verve empreendedora e um novo espírito de engajamento cívico prepararam a cidade para uma era de grandeza, ou, pelo menos, reverteram a antiga narrativa de desastre cívico.
"Ninguém pode refutar o fato de que demos totalmente a volta nesta história", disse o prefeito Mitch Landrieu, citando o enxugamento do governo e o crescimento econômico vivenciado ano a ano. "Pela primeira vez em 50 anos, a cidade está em uma trajetória que não conhecia, organizacionalmente, funcionalmente, economicamente, quase em todos os sentidos".
A palavra "trajetória" não é acidental. O prefeito defende que a cidade está hoje em posição de resolver muitos problemas resultantes de anos de fracassos do governo. Ele não alega que esses problemas foram resolvidos.
Como antes, há duas cidades aqui. Uma está crescendo, mais vibrante do que nunca, ainda bonita em seus bairros mais conhecidos e expandindo para áreas antes descartadas; a outra está retornando à realidade pré-Katrina de pobreza e violência rotineira, mas com uma renovada sensação de descaso para muitos.
As antigas desigualdades se provaram resistentes. A taxa de pobreza infantil (cerca de 40%) e a taxa de pobreza global (perto de 30%) estão quase inalteradas desde o ano 2000.
A palavra "trajetória" não é acidental. O prefeito defende que a cidade está hoje em posição de resolver muitos problemas resultantes de anos de fracassos do governo. Ele não alega que esses problemas foram resolvidos.
Como antes, há duas cidades aqui. Uma está crescendo, mais vibrante do que nunca, ainda bonita em seus bairros mais conhecidos e expandindo para áreas antes descartadas; a outra está retornando à realidade pré-Katrina de pobreza e violência rotineira, mas com uma renovada sensação de descaso para muitos.
As antigas desigualdades se provaram resistentes. A taxa de pobreza infantil (cerca de 40%) e a taxa de pobreza global (perto de 30%) estão quase inalteradas desde o ano 2000.
O crime violento continua a ser uma condição crônica e os esforços para corrigir o sistema de justiça criminal da cidade tiveram resultados mistos: apesar de a população carcerária da cidade ter sido substancialmente reduzida, a taxa de encarceramento é mais do que o dobro da média nacional.
A capacidade de muitos moradores de pagar a habitação, em uma cidade com alugueis em alta e salários baixos, está mais comprometida do que antes.
Em uma classificação recente de 300 cidades norte-americanas quanto à desigualdade de renda com base nos dados do censo, Nova Orleans ficou em segundo lugar, uma diferença marcada ao longo das linhas raciais.
De acordo com o Data Center, um grupo de estudos com sede em Nova Orleans focado no Sul da Louisiana, a renda média das famílias negras aqui é 54% menor do que a das famílias brancas.
Muitos aqui estão mais impacientes do que nunca para corrigir esses problemas antigos, mas expressam um sentimento ambivalente quanto aos especialistas de fora e estão cansados de tanta mudança, depois de uma década de turbulências. Outros, particularmente os moradores negros, percebem algo mais nefasto operando.
"Eles querem nos empurrar para o lado como se não tivéssemos importância", disse Janie Blackmon, um líder do Nova Orleans do Leste, um bairro ainda em dificuldades que abriga grande parte da classe média negra.
A luta contra as disparidades de raça e classe em Nova Orleans é antiga, assim como a constante ansiedade que a cidade está sempre à beira de perder seu caráter.
E desde 1722, quando Nova Orleans tinha quatro anos de idade e foi arrasada por um furacão, há uma noção que, após o desastre, as coisas finalmente vão se acertar.
A diferença agora é que esta cidade americana orgulhosamente distinta tornou-se uma oficina gigante para testar soluções para os problemas que estão preocupando todo o país. Mas a variedade é tamanha em diferentes partes da cidade que o sucesso ou o fracasso serão aferidos bairro a bairro, quarteirão por quarteirão.
A estrada Paris atravessa o bairro de Nova Orleans do Leste, uma das primeiras partes da cidade a ver o sol nascer. O céu mal havia começado a corar quando Serenity Murdock, 9 anos, desceu pela calçada com sua mochila, seguida de seu irmão mais novo, King.
Era pouco depois das 6h em uma manhã de agosto, o primeiro dia de escola. As duas jovens crianças Murdock tinham uma longa viagem de ônibus para a escola Kipp Believe Primary, a 30 km de distância, atravessando ruas ladeadas por carvalhos do bairro Uptown.
Elas passariam 11 horas fora de casa.
Este talvez seja o tópico mais polarizador dos últimos 10 anos: a experiência no ensino público iniciada antes do Katrina que depois decolou e se tornou a reforma mais radical da educação no país.
O que antes era um sistema escolar fracassado e corrupto, hoje nem é um sistema, mas sim uma rede descentralizada de escolas em grande parte autônomas, com algumas das maiores marcas do ramo da educação. A escola de bairro é algo praticamente ultrapassado aqui. Kenneth Murdock, o pai de King e Serenity, não se incomoda. Ele gosta da escola, mas já não gosta de seu bairro.
O subúrbio dentro da cidade conhecido como Nova Orleans do Leste se estende por quilômetros, uma faixa larga de casas e pequenas mansões. Durante anos, era a terra dos sonhos dos brancos da classe trabalhadora e, em seguida, dos aspirantes afro-americanos que tomaram seu lugar -médicos, advogados e professores que formaram a espinha dorsal da classe média negra da cidade.
Quando os diques se romperam, o Leste foi catastroficamente inundado. Ele já estava em dificuldades; agora está mais pobre. Muitos profissionais preferiram ficar em Houston.
Quanto à escola de seus filhos, Murdock disse: "Eu não tenho queixas da Kipp", acrescentando que seus filhos estavam lendo em níveis avançados. Ele observou que uma boa educação ia dar-lhes uma escolha de ficar ou não em Nova Orleans.
Murdock disse que, honestamente, preferia as escolas em Corpus Christi, Texas. Depois do Katrina, ele passou dois anos na cidade trabalhando no Wal-Mart e no TGI Fridays, antes de voltar para trabalhar como faz-tudo no Brennan, um restaurante famoso do bairro francês.
Ele viu um carro da polícia virar uma esquina ainda escura, onde um corpo havia sido encontrado alguns dias antes. Texas era mais calmo, disse ele.
E, no entanto, Murdock, que estava usando uma camiseta de um dos muitos grupos de voluntários de reconstrução, tinha retornado.
"É verdade que nem todo mundo voltou tão rápido e que não resolvemos todos os problemas no mundo desde o Katrina", disse o prefeito, Mitch Landrieu.
Ele então listou as reformas institucionais na educação, habitação social, cuidados de saúde e outras- e uma ladainha de mudanças que ele vê como o início da retomada após décadas de negligência. "Mas acontece o seguinte", disse o prefeito. "É preciso gerações para isso acontecer".
Aos sete minutos depois das 6h, o ônibus escolar chegou. King e Serenity foram os primeiros a embarcar.
O novo ano estava prestes a começar.
Muitos aqui estão mais impacientes do que nunca para corrigir esses problemas antigos, mas expressam um sentimento ambivalente quanto aos especialistas de fora e estão cansados de tanta mudança, depois de uma década de turbulências. Outros, particularmente os moradores negros, percebem algo mais nefasto operando.
"Eles querem nos empurrar para o lado como se não tivéssemos importância", disse Janie Blackmon, um líder do Nova Orleans do Leste, um bairro ainda em dificuldades que abriga grande parte da classe média negra.
A luta contra as disparidades de raça e classe em Nova Orleans é antiga, assim como a constante ansiedade que a cidade está sempre à beira de perder seu caráter.
E desde 1722, quando Nova Orleans tinha quatro anos de idade e foi arrasada por um furacão, há uma noção que, após o desastre, as coisas finalmente vão se acertar.
A diferença agora é que esta cidade americana orgulhosamente distinta tornou-se uma oficina gigante para testar soluções para os problemas que estão preocupando todo o país. Mas a variedade é tamanha em diferentes partes da cidade que o sucesso ou o fracasso serão aferidos bairro a bairro, quarteirão por quarteirão.
A estrada Paris atravessa o bairro de Nova Orleans do Leste, uma das primeiras partes da cidade a ver o sol nascer. O céu mal havia começado a corar quando Serenity Murdock, 9 anos, desceu pela calçada com sua mochila, seguida de seu irmão mais novo, King.
Era pouco depois das 6h em uma manhã de agosto, o primeiro dia de escola. As duas jovens crianças Murdock tinham uma longa viagem de ônibus para a escola Kipp Believe Primary, a 30 km de distância, atravessando ruas ladeadas por carvalhos do bairro Uptown.
Elas passariam 11 horas fora de casa.
Este talvez seja o tópico mais polarizador dos últimos 10 anos: a experiência no ensino público iniciada antes do Katrina que depois decolou e se tornou a reforma mais radical da educação no país.
O que antes era um sistema escolar fracassado e corrupto, hoje nem é um sistema, mas sim uma rede descentralizada de escolas em grande parte autônomas, com algumas das maiores marcas do ramo da educação. A escola de bairro é algo praticamente ultrapassado aqui. Kenneth Murdock, o pai de King e Serenity, não se incomoda. Ele gosta da escola, mas já não gosta de seu bairro.
O subúrbio dentro da cidade conhecido como Nova Orleans do Leste se estende por quilômetros, uma faixa larga de casas e pequenas mansões. Durante anos, era a terra dos sonhos dos brancos da classe trabalhadora e, em seguida, dos aspirantes afro-americanos que tomaram seu lugar -médicos, advogados e professores que formaram a espinha dorsal da classe média negra da cidade.
Quando os diques se romperam, o Leste foi catastroficamente inundado. Ele já estava em dificuldades; agora está mais pobre. Muitos profissionais preferiram ficar em Houston.
Quanto à escola de seus filhos, Murdock disse: "Eu não tenho queixas da Kipp", acrescentando que seus filhos estavam lendo em níveis avançados. Ele observou que uma boa educação ia dar-lhes uma escolha de ficar ou não em Nova Orleans.
Murdock disse que, honestamente, preferia as escolas em Corpus Christi, Texas. Depois do Katrina, ele passou dois anos na cidade trabalhando no Wal-Mart e no TGI Fridays, antes de voltar para trabalhar como faz-tudo no Brennan, um restaurante famoso do bairro francês.
Ele viu um carro da polícia virar uma esquina ainda escura, onde um corpo havia sido encontrado alguns dias antes. Texas era mais calmo, disse ele.
E, no entanto, Murdock, que estava usando uma camiseta de um dos muitos grupos de voluntários de reconstrução, tinha retornado.
"É verdade que nem todo mundo voltou tão rápido e que não resolvemos todos os problemas no mundo desde o Katrina", disse o prefeito, Mitch Landrieu.
Ele então listou as reformas institucionais na educação, habitação social, cuidados de saúde e outras- e uma ladainha de mudanças que ele vê como o início da retomada após décadas de negligência. "Mas acontece o seguinte", disse o prefeito. "É preciso gerações para isso acontecer".
Aos sete minutos depois das 6h, o ônibus escolar chegou. King e Serenity foram os primeiros a embarcar.
O novo ano estava prestes a começar.
Tradutor: Deborah Weinberg