O trabalho confidencial da Kroll para a CPI da Petrobras, ao qual ÉPOCA obteve acesso, resume informações achadas na internet – e entrou na mira da força-tarefa da Lava Jato
Nas semanas que antecederam a denúncia do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), chegou a recordes históricos o nível de tensão entre a Procuradoria-Geral da República e o Congresso. Do lado dos parlamentares, aliados de Cunha propagavam versões de conchavos entre o Planalto e o procurador-geral, Rodrigo Janot. Já alguns procuradores que integram a força-tarefa da Lava Jato em Brasília desconfiavam que estavam sendo espionados pela empresa de investigação Kroll, contratada pela CPI da Petrobras. Por essa razão, em 20 de agosto Janot pediu à comissão o acesso ao relatório da Kroll. Se colocar a mão no material, que está sob sigilo, Janot apenas constatará o desperdício de dinheiro público.
Trata-se, afinal, de um extenso resumo de pesquisas primárias feitas na internet e recheado de dados públicos. ÉPOCA teve acesso, com pessoas ligadas à Kroll, ao documento de 162 páginas, classificado como “privado e confidencial” e entregue à CPI. Nos seis capítulos que compõem o material, há inúmeras referências a reportagens publicadas pela imprensa, erros de português e de informação, além de confusões primárias entre os nomes dos investigados – um trabalho que custou R$ 7.284,81 por página e poderia ter sido feito por qualquer estudante universitário com acesso à internet.
A CPI da Petrobras até que tentou dar uma mãozinha para a investigação da Kroll. Forneceu documentos de empresas, imóveis, contas bancárias, faturas de cartão de crédito e relatórios obtidos com a quebra de sigilo telefônico de alguns dos 12 “alvos” escolhidos pelo presidente da comissão, Hugo Motta (PMDB-PB), ligado ao presidente da Câmara. Conforme ÉPOCA antecipou em julho, entre os alvos prioritários da Kroll estava o lobista Júlio Camargo.
Ao longo de seu relatório, a Kroll apresenta um resumo sobre cada um dos personagens, listando formação acadêmica, histórico profissional, processos na Justiça, nomes de familiares, uma relação de bens disponíveis em bancos de dados públicos, como juntas comerciais e cartórios, e o que saiu na mídia a respeito deles. Algumas dessas informações foram coletadas em redes sociais. Já os indícios de patrimônio escondido no exterior foram levantados a partir de documentos subsidiados pela própria CPI, como gastos realizados com cartões de crédito fora do Brasil ou relatórios de telefonemas internacionais. No caso do doleiro Alberto Youssef, do telefone registrado em nome da sua empresa GFD Investimentos foram feitas ligações para países como Estados Unidos, Suíça, Espanha, Cingapura, Paraguai e Argentina.
Foram repassadas também pela CPI algumas pistas inéditas para a Kroll apurar. Uma das pistas, de acordo com o relatório da investigação, tratava de uma conta no banco libanês Aldi em nome de Youssef. A outra tem a ver com uma suspeita de que Vaccari teria bens em nome de laranjas e familiares, membros da Confederação Sindical de Trabalhadores das Américas. Mas a Kroll não descobriu nenhuma prova consistente disso. Há no relatório uma única referência de que a empresa multinacional de investigação encontrou, com esforço próprio, uma informação exclusiva: “A pesquisa realizada pela Kroll nos Estados Unidos identificou aproximadamente 15 endereços nos Estados de Nova York, Flórida e Massachusetts que podem estar relacionados a Pedro Barusco (ex-gerente da Petrobras). A Kroll vai averiguar a propriedade desses imóveis na próxima etapa da investigação”, afirma o relatório.
Para avançar para a próxima fase da apuração, que incluiria escarafunchar informações dos investigados no exterior e entrevistar “fontes” ligadas a bancos e ao Ministério Público, a Kroll impôs algumas condições aos deputados. A empresa exigiu cerca de R$ 1 milhão a mais para cada um dos 12 alvos escolhidos pela comissão, um cheque caução, pagamento em libras (com câmbio flutuante) e a garantia de que seria blindada num eventual processo movido pelos investigados. Ao todo, a segunda etapa do trabalho ficaria em torno de R$ 12 milhões.
A CPI decidiu, então, concentrar a investigação em três ou quatro nomes, um formato mais econômico e célere. Após dois meses de negociações, a Kroll jogou a toalha, o que deixou os parlamentares insatisfeitos. Ao menos dois fatores contribuíram para a desistência da empresa de investigação. O primeiro se relaciona à pressão que a companhia sofreu de alguns integrantes da CPI. Eles questionaram os valores extras exigidos pela empresa e o insucesso dela em obter evidências concretas. Tais provas poderiam desmoralizar a Lava Jato e dar munição a parlamentares acusados.
Outro motivo determinante para a desistência da Kroll foi o fato inesperado de a empresa ter entrado na mira da Lava Jato. Em abril, o Ministério Público Federal de Brasília instaurou um procedimento para investigar a contratação da Kroll pela Câmara, sem licitação, por R$ 1,2 milhão. O caso foi remetido pelo procurador Douglas Kirchner, do Distrito Federal, para a força-tarefa em Curitiba, sob a coordenação de Deltan Dallagnol. A investigação cível continua em andamento, o que deixou a Kroll arredia. Em nota divulgada recentemente, a Kroll disse que não pode comentar sobre os serviços prestados à CPI da Petrobras. Procurado, o deputado Motta disse preferir não comentar o tema, por causa das cláusulas de confidencialidade no contrato com a Kroll. A Kroll afirma nunca comentar detalhes de investigações e estar impedida de falar sobre os serviços prestados à CPI da Petrobras. “A CPI comunicou a sua satisfação em relação aos trabalhos realizados pela Kroll”, afirma a empresa. O saldo final da apuração da Kroll foi uma série de indícios: oito contas bancárias, 67 empresas, 65 propriedades em cerca de 30 países. Mas a maioria deles já foi revelada pela imprensa. Ao que tudo indica, a atabalhoada espionagem da Kroll no Google deverá sair caro para todos os envolvidos.