domingo, 23 de agosto de 2015

MP quer consertar “meia” transparência com salários no Congresso


Dyelle Menezes - Contas Abertas



Desde que a Lei de Acesso à Informação (LAI) foi implementada, há mais de três anos, o Congresso Nacional dificulta o acesso aos salários de servidores. O Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF/DF) quer acabar com a “meia” transparência da Câmara dos Deputados e do Senado, que contraria o que a legislação determina.

O modelo adotado pelo Poder Legislativo na divulgação dos salários dos funcionários é o problema. Os sites de transparência das Casas exigem o preenchimento de cadastro por parte do interessado. Assim, na intranet da instituição, o funcionário consegue visualizar, por exemplo, o nome, o CPF, o e-mail e o endereço do cidadão que fez a consulta, obtendo mais informações do que o próprio pesquisador.


Transparência


Para regularizar a situação, o MPF apresentou à Justiça Federal em Brasília uma ação civil pública. A medida tem o objetivo de obrigar as Casas congressuais a disponibilizar, de forma ativa, independentemente de requerimento do interessado, informações referentes à remuneração dos servidores e dos parlamentares que compõem o quadro de pessoal do legislativo federal.

A ação é resultado de um inquérito civil público instaurado a partir da denúncia de um cidadão. O denunciante alegou que, após consultar o salário de um servidor do Senado, recebeu, dessa mesma pessoa, uma mensagem constrangedora.

O MPF constatou que a afronta foi possível porque a Casa legislativa disponibiliza a visualização dos valores somente após o preenchimento do “Formulários de Dados do Requerente”, que inclui campos obrigatórios como nome e e-mail.

Além disso, também é exigida a declaração de veracidade das informações “sob a pena da lei”. O denunciante frisou que as exigências impostas inibem o cidadão e propicia retaliações como a que sofreu.

Essa situação é denunciada pelo Contas Abertas, desde que a nova legislação foi implementada. Em outubro de 2012, a entidade divulgou troca de e-mails entre uma servidora do Senado e um cidadão que consultou a remuneração dela. Na mensagem, a servidora, uma revisora taquigráfica, se referiu ao interlocutor como “fofoqueiro” e “bisbilhoteiro”. Em abril de 2013, a servidora foi condenada a doar 10% do salário para uma entidade de caridade.

O processo foi movido pelo servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Weslei Machado, que entrou com duas ações contra a servidora. Uma ação cível de caráter indenizatório, por danos morais, e uma criminal por injúria, que previa pena de 1 a 6 meses de detenção. Na segunda audiência de conciliação, a funcionária do Senado aceitou o acordo e os dois processos foram arquivados.

Repórter do Contas Abertas viveu situação semelhante. Uma servidora, também do Senado, telefonou para a redação, em horário de trabalho, e questionou se o repórter havia efetuado consulta a sua remuneração. Ele confirmou que realizou a pesquisa. A servidora então perguntou se ele havia ficado satisfeito por conhecer sua remuneração. Depois, garantiu que iria investigar todas as pessoas que fizerem o mesmo. Ela afirmou, à época, ser contrária à divulgação nominal dos salários, mas aprovava o modelo adotado pelo Senado.

Ação do MPF

Na fase preliminar de apuração, o MPF acionou a Câmara dos Deputados para prestar esclarecimentos e alegou que existem atos normativos que justificam e viabilizam a exigência de identificação aos solicitantes. O MPF optou, então, pela judicialização da demanda.

Para o Ministério Público, a conduta é ilegal, uma vez que a LAI estabelece, de forma expressa, que informações de interesse coletivo, como as relacionadas a despesas com pessoal, devem ser disponibilizadas pelo Estado de forma ativa – independentemente de solicitação prévia – , facilitando o acesso do cidadão a tais dados.

“Condicionar o acesso a informações de interesse coletivo ao fornecimento de dados pessoais do requerente, acrescidos de declaração de veracidade obstaculiza direito instituído por lei, impedindo que a publicidade cumpra o seu papel de forma livre e irrestrita”, cita um dos trechos da petição inicial apresentada à Justiça.

Ainda consta no documento que o procedimento viola o direito à privacidade da pessoa que faz a solicitação, além de inibir ou até mesmo impedir o exercido da cidadania em relação à fiscalização do dinheiro público.

O MPF também argumenta que a conduta da Câmara dos Deputados contraria não apenas a Lei nº12.527, mas, também, o direito fundamental de acesso à informação pública e o princípio da publicidade, ambos previsto na Constituição.

Reforça ainda a fundamentação do Ministério Público, a interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a publicização dos ganhos de servidores e parlamentares: “remuneração bruta, cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral.”

Na ação encaminhada à Justiça, o MPF pede a antecipação da tutela, o que obrigaria a Câmara e o Senado a suspenderem o procedimento atual, ou seja, que passem a liberar as informações solicitadas sem nenhuma exigência prévia. A decisão caberá ao juiz da 20ª Vara Federal. Atualmente, o processo está concluso para análise do magistrado.

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