terça-feira, 25 de agosto de 2015

Dez anos depois do Katrina, Nova Orleans é mais branca e mais cara

REBECCA SANTANA
DA ASSOCIATED PRESS, EM NOVA ORLEANS


Auxiliada por bilhões de dólares e impulsionada pela garra de seus cidadãos, Nova Orleans se recuperou de maneira que poucos teriam imaginado possível nos dez anos passados desde o furacão Katrina.

Mas a "nova" Nova Orleans é mais branca, e paga-se mais para viver nela. Os bairros afro-americanos em toda a cidade ainda passam por dificuldades. E o índice de homicídios voltou a subir.

"Você vai ouvir muita gente dizendo que as coisas estão muito melhores, que a economia melhorou. E outras pessoas dirão que tudo está muito pior", comentou Allison Plyer, do "think tank" The Data Center, de Nova Orleans. "E as duas realidades são verdadeiras."


O furacão Katrina deixou mais de 1.500 mortos no Estado de Louisiana. Muitas dessas pessoas morreram afogadas em suas próprias casas. Os sobreviventes se sentiram abandonados. A economia afundou.

Parecia ter sido um golpe de morte contra um tesouro nacional de quase três séculos de idade, uma cidade que funde tradições afro-americanas, francesas, espanholas e caribenhas para criar formas de música, comida e diversão que não são encontradas em qualquer outra parte do país.

Dez anos depois do que pareceu ser o apocalipse, a questão da sobrevivência ainda paira no ar.

Há alguns sinais de renascimento:

— Este ano o número de passageiros que transitaram pelo aeroporto Louis Armstrong, onde milhares de refugiados dormiram em agosto de 2005 enquanto tentavam conseguir voos para sair da cidade, finalmente superou o volume anterior ao furacão.

— A área metropolitana de Nova Orleans hoje tem 11% mais restaurantes, segundo o Birô de Recenseamento.

— O índice de abertura de novas empresas é 64% superior à média nacional, e a receita do imposto sobre as vendas foi 29% mais alta este ano que antes do Katrina.

— Quase todas as escolas da cidade foram assumidas pelo Estado e são administradas como escolas autônomas. O índice de graduação do ensino médio saltou de 56% para 73% desde a passagem do Katrina.

— A cidade recuperou quase 80% de sua população anterior ao furacão.

DEPOIS DO VENDAVAL Nova Orleans ainda se recupera do furacão Katrina
Segundo estimativa de Richard Campanella, professor da Universidade Tulane, Nova Orleans recebeu até 40 mil novos moradores após o Katrina. Brad Pitt e Angelina Jolie lançaram uma tendência, construindo novas moradias no bairro de Lower 9th Ward e comprando uma mansão no Bairro Francês.
"Muitas pessoas da geração Y foram profundamente afetadas pelo episódio do Katrina, que acompanharam na televisão", disse Campanella. A cidade lhes pareceu "uma espécie de refúgio ainda não descoberto para uma vida anticonvencional".
Chris Schultz atrai cada vez mais frequentadores para seus encontros Hack Night no Launch Pad, um espaço coletivo de trabalho que ele ajudou a fundar em 2009 para ajudar a lançar empresas e fomentar um senso de comunidade.
Nada disso existia antes do furacão, ele disse. "O dinamismo de Nova Orleans não chegava perto do que vemos hoje. A tragédia catalisou as pessoas que realmente se importam com a cidade e que permaneceram por aqui."

Mas o largo Canal Industrial separa o Lower 9th Ward de todo esse progresso. Oralee Fields, de 80 anos, descreve o bairro como "a selva". Nessa área, apenas uma escola foi reaberta, além de poucas lojas.
Segundo Darryl Malek-Wiley, ativista do Sierra Club que trabalha para restaurar a comunidade, milhares de pessoas não voltaram depois da tragédia.

A população de Nova Orleans ainda é majoritariamente negra, mas os negros caíram de 67% dos habitantes, antes do Katrina, para 60% hoje. A renda das famílias negras é metade da renda das famílias brancas, e a classe média e alta negra da cidade encolheu.

A pior estatística é a seguinte: 39% das crianças de Nova Orleans vivem na pobreza, um número que praticamente não mudou desde o furacão.

A passagem do Katrina tornou a vida na cidade mais cara: os aluguéis subiram 43%. Muitos dos imóveis alugados baratos foram destruídos na inundação. 

Milhares de famílias continuam numa lista de espera para receber alojamento subsidiado.

Dez anos após o Katrina, Nova Orleans ainda é uma obra em curso. A cidade fez bom uso "da garra e do espírito da volta por cima", disse Michael Hecht, da agência de desenvolvimento econômico Greater New Orleans Inc.

Mas a infusão maciça de dinheiro público e filantrópico praticamente já acabou. "Sob alguns aspectos", comentou Hecht, "acho que os próximos dez anos vão ser ainda mais difíceis que os dez primeiros."

Tradução de CLARA ALLAIN