Segundo reportagem da revista Época, haveria indícios de tráfico de influência praticado pelo ex-presidente Lula junto ao governo cubano
A revista Época divulgou neste sábado (29) documentos de dois inquéritos do Ministério Público que apuram se houve irregularidade na concessão de empréstimo do BNDES para a construção de um porto, em Cuba, pela Odebrecht. E como o ex-presidente Lula agiu durante as negociações desse empréstimo.
A revista Época traz reportagem com informações de dois inquéritos do Ministério Público Federal, um no Rio de Janeiro e outro em Brasília, que apuram indícios de irregularidades na concessão de empréstimos do BNDES para a construção do porto cubano de Mariel. A Odebrecht foi escolhida pelo governo cubano para construir o porto. As investigações descrevem a atuação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o processo de negociação dos empréstimos.
Segundo a revista, a transação chegou a ser classificada como secreta a pedido do ex-ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel. O porto custou US$ 957 milhões, dos quais US$ 682 milhões foram financiados pelo BNDES com dinheiro público. Um dos documentos das investigações conduzidas pelo Ministério Público no Rio, publicados pela revista, mostra que o BNDES tratou como "excepcionalidades" as condições oferecidas a Cuba. O prazo de financiamento seria de 25 anos, e não de 12, que é o prazo regulamentar. E 25 anos também para o pagamento de taxas de juros mais baixas, em vez dos dez anos habituais. A garantia seria o dinheiro que Cuba tem direito a receber por exportações de tabaco.
A reportagem lembra que os investimentos brasileiros em Cuba tornaram-se possíveis graças a um acordo comercial assinado em 2008 entre os dois países, quando Lula era o presidente. Na época, ficou acertado que o BNDES colocaria à disposição dos cubanos US$ 600 milhões para financiar projetos na ilha. A reportagem reproduz um telegrama do dia 6 de junho de 2011, que consta do inquérito de Brasília, da embaixada do Brasil em Cuba para o Itamaraty. Um diplomata que acompanhou o encontro de Lula com Raúl Castro, dias antes, faz o seguinte relato: "Lula disse a Castro que veio a Cuba reiterar seu desejo de que aumente a presença brasileira no país". E mais: "Dilma é amiga de Cuba", teria dito Lula. A revista não revela o nome do diplomata. A respeito da construção do Porto de Mariel, segundo o documento, Lula, já como ex-presidente, disse que tem o financiamento garantido e não haverá mudança.
De acordo com a revista, a Odebrecht foi a empresa que mais recebeu dinheiro do BNDES para obras em Cuba. Entre fevereiro de 2009 e agosto de 2014 foram US$ 832 milhões. Em um dos telegramas publicados, o encarregado de negócios da embaixada Marcelo Câmara diz que, em uma conversa reservada com Lula, os representantes da Odebrecht se mostraram preocupados em relação a financiamentos. Segundo eles, dado o volume que já tinha sido emprestado, dificilmente o BNDES aprovaria novos empréstimos sem conseguir garantias soberanas, ou seja, dadas pelo próprio governo de Cuba.
Baseada em telegramas do Itamaraty, a revista diz que a Odebrecht teria sugerido outras formas de garantia. Entre elas, o aumento da oferta de medicamentos cubanos no SUS e a venda de parte da produção de nafta de Cuba para a petroquímica Braskem, que pertence à Odebrecht. Além do Porto de Mariel, a empresa também tem obras no Aeroporto de Havana.
Em telegrama ao Itamaraty, Marcelo Câmara diz que Lula confidenciou ter tratado da questão das garantias soberanas com ênfase à opção de venda de nafta à Braskem. Depois dessa conversa, Lula embarcou para o Brasil em avião fretado pela Odebrecht, segundo a Época.
A revista lembrou que, quando a presidente Dilma foi a Cuba, no início de 2014, ela disse que o financiamento previsto de US$ 290 milhões para a segunda fase do Porto de Mariel era peça-chave para a promoção do desenvolvimento econômico cubano.
O Palácio do Planalto disse que desconhece o conteúdo dos documentos mencionados pela revista e que, por isso, não faz comentários. A nota diz ainda que o Porto de Mariel é um projeto estratégico nas relações entre Brasil e Cuba, que foi um projeto bem-sucedido do governo Lula e que, depois, teve apoio do governo da presidente Dilma.
Em nota, o Instituto Lula afirmou que o ex-presidente Lula, a exemplo de outros dirigentes mundiais, atua com muito orgulho para abrir mercados para o Brasil, sem receber nada por isso. O instituto diz que o ex-presidente Lula nunca interferiu em decisões do BNDES.
A construtora Odebrecht afirmou que o financiamento para as obras foi concedido ao governo de Cuba e não para a construtora. Segundo a Odebrecht, a visita do ex-presidente Lula a Cuba, em 2014, não gerou novos financiamentos para o governo cubano e tampouco a construtora foi contratada para novas obras.
O BNDES disse que são absurdas as ilações sobre a suposta influência do ex-presidente Lula na concessão do financiamento a Cuba. O banco também afirmou que os empréstimos foram feitos com taxas de juros e garantias adequadas.
Em nota, a assessoria de Fernando Pimentel, hoje governador de Minas Gerais pelo PT, disse que o financiamento do porto foi colocado em sigilo em respeito ao memorando assinado entre Brasil e Cuba, mas que órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União tinham acesso às informações.