sexta-feira, 4 de outubro de 2024

'Soberabni nacional adulterada', por Flávio Gordon

 

Pedro Ladeira/Folhapress


O Brasil tem sido auxiliado, subsidiado e financiado por organizações estrangeiras para impor uma agenda político-ideológica de esquerda


E de que a medida — que iguala o Brasil aos regimes mais ditatoriais e violadores de direitos humanos, a exemplo de China, Rússia, Coreia do Norte e Venezuela — garante a soberania nacional brasileira, pretensamente atacada por Elon Musk. 

“O Brasil não é quintal de ninguém e precisa ter o seu Direito respeitado para se dar ao respeito” — disse a entrevistada. Sobre a parte de o Brasil “ter o seu Direito respeitado”, a ministra deveria dizê-lo, em primeiro lugar, aos seus colegas de Corte, bem como a si própria, diante do espelho. Ora, não há hoje no país uma instituição que tenha afrontado tanto as leis brasileiras quanto o STF e o seu braço na Justiça Eleitoral, o TSE. 

Desde ao menos 2019, quando foi instaurado o “inquérito do fim do mundo”, num procedimento que violava explicitamente o sistema acusatório consagrado na Constituição, a Corte apressou o passo rumo à instituição de um estado de exceção no país, do qual o colega e mestre J.R. Guzzo, aqui nesta mesma Oeste, tem sido o maior cronista. As revelações recentes da Vaza Toga apenas evisceraram um processo que já era de conhecimento de todo observador atento. 

Que a Corte se tornou um tribunal de exceção não é uma mera opinião leiga deste escriba. Isso foi dito explicitamente pela então procuradora-geral da República em 31 de julho de 2019, quando ela pediu a imediata anulação do referido inquérito, considerando-o ilegal e inconstitucional. Como viria a ser praxe desde então — até que, finalmente, a Corte conseguisse um PGR mais dócil —, Raquel Dodge foi solenemente ignorada pelos inquisidores, que não viram nada de errado em atuar simultaneamente como vítimas, investigadores, promotores e juízes. 

Desde então, os novos governantes de fato do Brasil — a despeito de sua falta de representatividade, e apesar de sua atual atuação político-partidária ser proibida por lei — têm feito de tudo um pouco, sempre de maneira conjunta e solidária. 

Já ordenaram busca e apreensão por causa de opiniões privadas em grupos de WhatsApp, já criaram tipos penais por analogia, já se imiscuíram na segurança pública dos Estados — impedindo, por exemplo, operações policiais em regiões do crime organizado —, já detiveram ex-assessor de presidente americano, já interrogaram jornalista estrangeiro por suas visões políticas, já oficializaram a censura (mas só excepcionalissimamente, não é mesmo, ministra Cármen Lúcia?), já realizaram milhares de prisões políticas e emitiram condenações esdrúxulas de réus primários e, enfim, baniram o X do Brasil. Mas, pior do que pretender dar lição de moral sobre respeito ao Direito sem respeitá-lo ela própria, foi a ministra jactar-se de que o Brasil “não é quintal de ninguém”. 

Cármen Lúcia parece subestimar demais a inteligência do cidadão comum. Isso porque essa sua súbita manifestação de ufanismo vem no mesmo instante em que, mais uma vez (pois eu mesmo já abordara o assunto aqui em Oeste), ficamos sabendo de mais detalhes sobre a colossal interferência estrangeira no processo político brasileiro, em especial no fomento à censura praticada pelo STF e pelo TSE contra cidadãos brasileiros pertencentes ao espectro político da direita.

Refiro-me a um relatório publicado recentemente pela Civilization Works, entidade fundada pelo jornalista Michael Shellenberger, pioneiro na revelação dos Twitter Files e do Complexo Industrial da Censura. Intitulado “O papel do governo dos Estados Unidos no Complexo Industrial da Censura no Brasil”, o documento mostra, com farta documentação, a que ponto os principais agentes da censura no Brasil têm sido auxiliados, subsidiados e financiados por organizações não governamentais e governamentais estrangeiras, sobretudo americanas, para impor na marra a hegemonia de uma agenda político-ideológica de esquerda. 

Quando magistrados declaram abertamente querer combater a “extrema direita populista” ou “derrotar o bolsonarismo”, eles não estão brincando. O referido documento destrincha todas as ações que, ao menos desde 2019, têm acompanhado essas declarações de intenção. “Embora pareçam operar de forma independente, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm sido fortemente influenciados por organizações não governamentais (ONGs) financiadas pelo governo dos EUA” — diz o documento em seu sumário executivo. 

“Além disso, diversas agências e autoridades dos EUA desempenharam um papel no incentivo e na facilitação da censura no Brasil. O Complexo Industrial da Censura do Brasil — uma grande rede de ONGs, verificadores de fatos e agentes estatais — com frequência parece acolher sugestões, treinamento e apoio financeiro do seu homólogo norte-americano”.

Entre as organizações americanas direta ou indiretamente envolvidas no Complexo Industrial de Censura do Brasil, são mencionados o Atlantic Council, o Congresso americano, o Federal Bureau of Investigations (FBI), o National Endowment for Democracy (NED), a National Science Foundation (NSF), o Departamento de Estado, a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), a Casa Branca e outros. 

“Tomadas em conjunto, as atividades das agências e grupos financiados pelo governo dos EUA apresentam uma campanha clara para interferir no processo democrático do Brasil” — lê-se “no relatório”. Só para citar um exemplo dessa interferência, destaco a atuação do Laboratório de Pesquisa Forense Digital do Atlantic Council (DFRLab), financiado pelo NED, pelo Departamento de Estado e pela USAID. Em vários eventos realizados pelo DFRLab, palestrantes pressionaram pela censura generalizada no Brasil. 

Em um painel de 2019, por exemplo, estudiosos da desinformação afirmaram que “mensagens privadas criptografadas eram uma ameaça à democracia no Brasil”. Nesse contexto, o DFRLab foi citado no plano estratégico do TSE para as eleições de 2022, marcadas por uma avassaladora censura contra adversários do lulopetismo, que o Tribunal Eleitoral desejava que fosse vitorioso. Naquele ano, algumas das consequências práticas da parceria entre TSE e DFRLab foram o banimento do Telegram e a operação policial contra os empresários “bolsonaristas”, acusados do “crime” de manifestar privadamente opiniões políticas — ou simplesmente postar stickers — num grupo de WhatsApp. 

Esse é apenas um exemplo, protagonizado apenas por uma organização. O relatório cita dezenas, e indica um sem-número de documentos pertinentes para quem queira se aprofundar na participação estrangeira na destruição da democracia representativa e da liberdade de expressão no Brasil. Conclui-se que a soberania defendida pela senhora Cármen Lúcia consiste apenas em exigir — sob pena de assédio judicial contra os refratários — a colaboração de atores estrangeiros na implementação da censura no país. Haja patriotismo! 



Flávio Gordon, Revista Oeste