sexta-feira, 4 de outubro de 2024

'Eu conto ou você conta?', por Adalberto Piotto

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O governo brasileiro termina a primeira semana de outubro acreditando que está a um passo do grau de investimento. E usará como prova a elevação da nota do Brasil pela agência norte-americana de classificação de risco Moody’s Rating, anunciada na última terça-feira, dia 1º de outubro. Eu conto ou você conta que a Moody’s é a mesma agência que errou de forma grotesca na crise de 2008? Porque é preciso lembrar que a então inquestionável Moody’s só foi rebaixar a nota do Lehman Brothers na véspera do dia em que o banco de investimentos colapsou. 

A derrocada do Lehman Brothers, entupido de hipotecas com baixo nível de capacidade de pagamento (a tal crise do subprime, em 2008), deu início à derrocada da economia americana, o que levou também o mundo para o mesmo buraco, no fim da primeira década deste século. Uma crise só comparável, até então, à Grande Depressão de 1929, quando houve a quebra da Bolsa de Nova York. Um banco promove farta distribuição de financiamentos para o setor imobiliário, sem garantias convincentes, por anos a fio, e a agência que avalia a contabilidade e o risco da instituição não consegue enxergar nada disso? É bem sintomático, não? 

Apesar disso, na semana passada, durante a viagem a Nova York para a Assembleia Geral da ONU, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aproveitaram a oportunidade para se reunir com a Standard & Poor’s e, vejam só, a própria Moody’s Rating. Na conversa, discutiram a volta do grau de investimento do Brasil com a apresentação de dados das contas públicas e do arcabouço fiscal.

Parece mãe de aluno que ficou de recuperação que acha que levar bolo de fubá para a professora vai fazê-lo passar de ano. O fato principal é que tanto as informações fiscais do Brasil como as notas do aluno, o que ele aprendeu e o que deixou de fazer durante o ano inteiro, não mudam com a oferta graciosa do bolinho carinhoso. É preciso mostrar números e notas melhores para provar a mudança de atitude. Daí, como convencer alguém da melhora da classificação do risco do país se o arcabouço fiscal brasileiro já foi alterado várias vezes para fazer caber a falta de responsabilidade do próprio governo? 

Some-se a isso que várias despesas foram retiradas da conta oficial dos gastos para maquiar déficits menores. E, para não sofrer impeachment por crime fiscal, o governo recorreu ao STF. Só que nem mesmo o ativista Supremo Tribunal Federal do Brasil consegue subverter a matemática ou o conceito de despesa e receita. Daí conto eu ou conta você que a decisão da agência suscitou todo tipo de desconfiança dos investidores aqui e lá fora? Porque os números estão aí, falam português e não precisam da “tradução” de uma agência estrangeira. 

Em seu relatório explicando a decisão, a Moody’s faz contorcionismos e se contradiz. A agência cita que as reformas estruturais e o crescimento econômico do país emprestariam “resiliência ao perfil de crédito, embora a credibilidade do arcabouço fiscal ainda seja moderada, conforme refletido em um custo relativamente alto da dívida”. Por partes. As reformas de verdade e com consistência que recuperaram a capacidade de crescimento da economia são de governos anteriores. 

A economia brasileira cresce, mas hoje espanta investidores por causa da insegurança jurídica e voltou a ter enorme peso de gasto do Estado. Em outras palavras, não é sustentável no longo prazo. E o dado mais grave, explícito e sem rodeios: o governo continua gastando mais do que arrecada. Com isso, não gera superávit para reduzir o tamanho da dívida. Com dívida crescente e risco de insolvência maior, paga juros mais altos a quem aceita emprestar para o país.

Veja que o déficit nominal do setor público chegou a R$ 1,111 trilhão no acumulado dos últimos 12 meses no período terminado em agosto. É maior que em 2021, quando ainda tínhamos a consequência dos gastos elevados da pandemia, um fenômeno fora de qualquer curva. A relação dívida/PIB, um dos mais sofisticados parâmetros de gasto e solvência fiscal, subiu a 78,6% do produto interno bruto sob Lula. 

O dado em si seria apenas um número se a comparação não revelasse o descalabro das contas do atual governo. Em dezembro de 2022, quando o governo Bolsonaro — de matriz liberal na economia e austeridade fiscal — entregou o país com superávit primário de pouco mais de R$ 54 bilhões, a relação dívida/PIB era decrescente e atingiu a marca de 71,7%. Comparações são reveladoras e definitivas, não? 

Fato é que a dívida bruta brasileira, segundo relatório do Banco Central divulgado no fim de setembro, que engloba todo o setor público, atingiu o astronômico valor de R$ 8,9 trilhões com o perdularismo voraz e inconsequente do governo de Lula 3. Um sinal que deveria preocupar ainda mais — inclusive a Moody’s — é o dado do déficit primário só do governo central no mês de agosto. Nos últimos 12 meses, o governo gastou R$ 256,3 bilhões a mais do que arrecadou. 

O cálculo primário, que não leva em conta o pagamento dos juros, é vital para saber se o governo está aumentando o rombo ou se está economizando para reduzir a dívida. Lula está gastando mais do que arrecada há 15 meses consecutivos, aumentando o estrago nas contas públicas e sem melhorar a qualidade vida dos brasileiros. Ao contrário, Lula 3 é uma gestão ineficiente que expôs o país e a população a um recorde de casos e mortes por dengue, a uma tragédia ambiental sem precedentes e com uma economia que não consegue trazer segurança para o investidor.

Eu não arriscaria dizer aqui o que levou de fato a Moody’s a aumentar a nota de crédito da economia brasileira. Na classificação da agência, estamos a um nível de atingir o grau de país bom para investimento. O que é preciso entender, porque é o que vale, é quem vai acreditar na opinião da Moody’s diante de números e fatos econômicos que dizem exatamente o contrário? Eu conto ou você conta que não tem bolo que baste para esconder o déficit?  



Adalberto Piotto, Revista Oeste