Arthur do Val, deputado estadual | Foto: Alex Silva/AE
Áudios sexistas sobre mulheres ucranianas devem sepultar a trajetória de Arthur do Val
Arthur Moledo do Val é o mais velho de três filhos homens do casal Elza de Souza e Manoel do Val Filho. Nascido na capital paulista em 21 de agosto de 1986, esse leonino foi um “moleque capeta” na infância, como ele próprio se definiu em lives na internet. Quando pequeno, gostava de brincadeiras que envolviam certa adrenalina e agressividade, o que explica a paixão pelo jiu-jítsu, por motocross e snowboard, esportes que pratica hoje, aos 35 anos.
“Não me importo em me machucar”, disse, em 2019, ao jornal Folha de S.Paulo. “Mas não sou um homem violento. Sempre fui da turma do ‘deixa disso’. Nunca arrumei briga em balada”. Na escola, fazia troça com seus colegas. “Hoje, o pessoal fala que não se pode brincar com tal grupo, sejam homossexuais, sejam negros”, observou. “Eu acho que tem que brincar com todo mundo.”
O primeiro trabalho foi em uma empresa de sucata de aço da família, em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo — o estabelecimento pertence ao pai. Depois de completar os ensinos fundamental e médio, decidiu estudar no Instituto Mauá de Tecnologia. Cumpriu dez semestres de engenharia química, mas abandonou o curso para investir em um negócio próprio. Nesse ínterim, ele diz ter se cansado da interferência do Estado em sua vida de empreendedor, começou a ler sobre política e economia e virou influencer nas redes sociais.
Nasce o Mamãe Falei
Arthur publicou o primeiro vídeo no YouTube em junho de 2015, criticando a Consolidação das Leis do Trabalho. Nos vídeos seguintes, ampliou o escopo e defendeu as reformas trabalhista e previdenciária. Dobrou a aposta e passou a apoiar a Lava Jato e a atacar o PT, as propostas da esquerda em geral e a doutrinação nas escolas.
A fama veio em 2016, quando gravou um ato em defesa de Lula na Casa Civil. Com um formato diferente dos vídeos que vinha fazendo, Arthur passou a interpelar os manifestantes. “Resolvi perguntar o que aquelas pessoas estavam fazendo lá”, contou, no programa Luciana by Night, da Rede TV!, em 2020, ao explicar o sucesso de seu canal. “Para mim, aquelas pessoas estavam sendo feitas de massa de manobra. Entre outras perguntas, questionei: ‘O que é a Casa Civil? Não sabiam responder”. O vídeo de Arthur na manifestação petista teve 1,2 milhão de visualizações. Nasceu ali uma plataforma de conteúdo com ideias liberais e conservadoras.
O estilo petulante dos vídeos rendeu a Arthur uma legião de admiradores no YouTube e nas redes sociais. Atualmente, ele tem 2 milhões de seguidores no YouTube, 1,6 milhão no Facebook, quase 700 mil no Instagram e aproximadamente 600 mil no Twitter. No YouTube, o vídeo menos popular tem 61 mil visualizações — o registro de uma entrevista com o deputado federal Alexis Fonteyne (Novo). A de maior sucesso foi vista por mais de 4 milhões de pessoas e mostra Arthur em uma manifestação petista a favor da absolvição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018.
Os vídeos de Mamãe Falei, como batizou o canal, são quase todos caseiros. Arthur é roteirista, operador de câmera, protagonista e editor. Sempre aparece nas imagens com semblante sarcástico e olhar fixo na lente da câmera, enquanto aborda pessoas que interroga de maneira provocativa. “Por que você é contra a reforma da Previdência?”, pergunta a um. “O que é ser fascista?”, interpela outro. “Por que eu não posso entrar aqui, se este é um ato a favor da democracia?”, indaga.
Quase sempre a reação dos coadjuvantes involuntários é aquela que o diretor deseja: constrangimento, empurrões, socos na câmera, perseguição, irritação e, em alguns casos, agressão verbal e física. Entre os entrevistados de Arthur, os mais notáveis são Manuela D’Ávila (PCdoB) — ex-deputada e candidata a vice-presidente da República em 2018 na chapa de Fernando Haddad —, que o chamou de “feio e fascista”, e o ex-ministro Ciro Gomes. “Você é um bobão”, disse o então candidato à Presidência pelo PDT, num vídeo de abril de 2018.
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Na entrevista, Ciro, visivelmente irritado, dá um tapa na nuca de Mamãe Falei. “Você acha que eu sou a Patrícia Pillar para você bater, rapaz?”, responde Arthur do Val. As abordagens lhe renderam uma série de processos. “Não posso falar o número, mas digo que são muitos e que respondo a mais de R$ 1 milhão em processos”, disse. “Não perdi nenhum, ganhei todos até agora.
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Do apogeu à queda
Entre junho e julho de 2016, Mamãe Falei conheceu os coordenadores do Movimento Brasil Livre (MBL) e passou a produzir conteúdo para o coletivo e a atuar na militância do grupo em várias pautas, como no impeachment da então presidente, Dilma Rousseff, e na defesa de um Estado enxuto. Essa aliança fortaleceu a carreira de Mamãe Falei e ampliou sua popularidade, sobretudo com eleitores de direita.
Surfando nas ondas bolsonaristas e de renovação política, lançou-se candidato a deputado estadual por São Paulo. Filiado ao Democratas, conseguiu ser o segundo mais votado, conquistando cerca de 500 mil votos em 2018. Arthur ficou atrás apenas de Janaina Paschoal, que recebeu 2 milhões de votos.
“Arthur sempre provocou os parlamentares de forma bem exagerada e desnecessária”, observou Janaina Paschoal
O deputado, antes próximo de Janaina, hoje é seu inimigo. Na eleição municipal de 2020, ela chegou a atuar como madrinha política de Mamãe Falei na disputa para a prefeitura da capital paulista — Arthur ficou em quinto lugar, com 520 mil votos (quase 10%). O rompimento ocorreu quando o deputado acusou Janaina nas redes sociais de votar a favor da reforma administrativa do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), depois de negociar cargos em uma estatal. Ele não apresentou provas da acusação.
“Arthur sempre provocou os parlamentares de forma bem exagerada e desnecessária”, observou Janaina. “Várias vezes, eu o aconselhei a evitar esses excessos, xingamentos etc.” Segundo a deputada, ela demorou para perceber quanto Arthur do Val era vaidoso e ambicioso. “Faz qualquer coisa para aparecer e para ter influência e, ao mesmo tempo, é completamente dominado pelo Renan Santos [um dos fundadores e líder do MBL]”, explicou Janaina.
A deputada não foi a única com quem Mamãe Falei arrumou confusão na Alesp. Em dezembro de 2021, Arthur e o deputado Gil Diniz (PL) trocaram insultos no plenário da Casa durante a sessão que discutia a proibição do passaporte da vacina no Estado. Em um vídeo divulgado por Arthur do Val, é possível ver o parlamentar filmando famílias que foram à Casa protestar contra o documento. Ao chamá-las de “antivacina”, é contido por Diniz, que tenta impedir a gravação.
“Ele conseguiu a inimizade de quase todos os parlamentares”, contou Diniz. “É uma pessoa arrogante”, afirmou, ao mencionar que Mamãe Falei desdenha de alguns funcionários da Alesp. Diniz contou que há pessoas que oferecem produtos nos gabinetes da Casa. Na sala de Arthur, há uma placa que adverte: proibido a entrada de vendedores. “Não faz sentido um parlamentar liberal proibir que se faça isso”, disse. A postura de Arthur com os funcionários também foi observada por Janaina: “Não tem nem o hábito de cumprimentá-los."
Porta do gabinete de Arthur do Val | Foto: Divulgação
Além de Diniz, Arthur passou a atacar outros parlamentares da Alesp mais próximos do presidente Jair Bolsonaro (PL). No passado, entretanto, Arthur posara para fotos com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (União Brasil-SP) e com o próprio presidente. Arthur também mirou a artilharia na direção de deputados de esquerda e membros da base do governador João Doria na Alesp, que constituem a maioria — o que foi ampliando seu isolamento na Casa.
Mamãe Falei nunca se preocupou em integrar bancadas partidárias. Em novembro de 2019, antes de concluir o primeiro ano de mandato, foi expulso do DEM, que se aliara ao PSDB no Estado. Na época, Arthur manteve seu tom provocativo e peitou o DEM, ao afirmar, num vídeo do seu canal: “Não estou triste, estou cagando para partido. Não vou mudar uma vírgula do meu discurso”.
O nanico Patriota abrigou Mamãe Falei por um tempo, mas Arthur decidiu trocá-lo pelo Podemos em janeiro deste ano, para concorrer ao governo de São Paulo, associando sua imagem à do presidenciável da sigla, o ex-juiz Sergio Moro. Os caciques do Podemos, porém, nunca apoiaram os planos de Arthur, em razão do comportamento do parlamentar no passado. Quando Mamãe Falei entrou para o Podemos, a sigla já estava fechada com o vice-governador do Estado, Rodrigo Garcia (PSDB), para a eleição paulista de 2022.
Mônica Seixas, deputada estadual do Psol que se aliou a Arthur em algumas ocasiões contra pautas do governo Doria, afirma que Mamãe Falei é uma pessoa “midiática”. “Aparecia apenas para falar na tribuna”, disse a parlamentar. “Eu me encarregava de escrever o texto das emendas e obstruções, e ele só aparecia se fosse ter espaço para repercussão”, contou. “Ele não é um parlamentar presente no cotidiano da Alesp, tampouco atento aos projetos e debates. Eu contava com ele para ajudar no momento da obstrução dos debates na tribuna da Casa.” Segundo Mônica, Mamãe Falei era um aliado de ocasião. “Só concorda em contribuir quando há pautas polêmicas e aparições públicas”, afirmou. “No dia a dia, ele não é uma figura combativa. É um caça likes.”
Arthur protagonizou algumas confusões na Alesp que se tornaram virais nas redes sociais. Em dezembro de 2019, durante a votação da reforma da Previdência, Mamãe Falei xingou sindicalistas que assistiam à sessão de “vagabundos”. O líder do PT, Teonílio Barba, que é sindicalista e metalúrgico, invadiu a tribuna com outros três deputados da sua bancada e os quatro foram para cima de Arthur. Houve agressões, e a sessão terminou. Barba chegou a acionar o Conselho de Ética da Casa, mas o caso terminou arquivado.
Arthur, porém, não teve a mesma sorte na semana passada. Depois de viajar ao Leste Europeu para, supostamente, lutar em favor da Ucrânia, atacada pela Rússia, ele enviou áudios para um grupo de WhatsApp descrevendo suas impressões sobre as mulheres ucranianas. “Detalhe, hein, mano: elas olham”, afirmou Arthur. “E vou te dizer: são fáceis, porque são pobres.” Na sequência, o parlamentar diz ter contado a quantidade de mulheres bonitas que viu na alfândega do país. “Passei agora por quatro barreiras alfandegárias”, disse. “Juro para você: são 12 policiais deusas. Mas deusas que você casa e faz tudo aquilo que ela quiser. Não tenho nem palavras para expressar.”
Por fim, Arthur do Val deu dicas aos colegas sobre como se relacionar com as mulheres em viagens internacionais. Ele teria aprendido a lição com Renan Santos, do MBL. “O Renan faz uma viagem todos os anos, que ele chama de tour de blonde”, revelou. “O que ele faz? Viaja só para pegar loira. Só que ele tem técnicas, já está avançado.
Os áudios imorais custaram caro e devem sepultar uma carreira repleta de polêmicas e contradições. Desde que voltou ao Brasil, Arthur do Val deixou o MBL, perdeu a namorada — que terminou o relacionamento pelas redes sociais, quando Arthur ainda estava na viagem —, perdeu o apoio do candidato a presidente Sergio Moro, a ajuda da bancada do Novo na Alesp (a única com quem tinha bom relacionamento) e agora corre o risco de ser cassado pelo Conselho de Ética da Casa — pesquisa do jornal O Globo mostrou que a maioria dos deputados é a favor da cassação.
O jornalista Augusto Nunes resumiu em poucas linhas o caso de Arthur do Val: “Mamãe Falei revogou a teoria segundo a qual não existe a morte política antes que ocorra a morte física”.
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Revista Oeste