terça-feira, 30 de novembro de 2021

Energia nuclear volta aos planos na Europa, com pressão por energia limpa

 

Central nuclear operada pela Électricité de France, na região de Civaux, na França; a empresa está afundada em dívidas após enfrentar atrasos na construção de usinas e estouros de custos. Foto: Stephane Mahe/Reuters - 8/10/2021


PARIS - Os países europeus, desesperados por uma fonte de energia confiável e de longo prazo para ajudar a alcançar as ambiciosas metas climáticas, estão se voltando para uma alternativa que causou imenso pavor nas gerações anteriores: a energia nuclear

Polônia quer ter uma rede de usinas nucleares menores para ajudar a acabar com sua dependência do carvão. A Grã-Bretanha está apostando na Rolls-Royce para produzir reatores modulares baratos para complementar a energia eólica e solar. E, na França, o presidente Emmanuel Macron planeja desenvolver um enorme programa para seu país.

Embora os líderes mundiais prometam evitar uma catástrofe climática, a indústria nuclear vê nisso a oportunidade para um renascimento. Deixados de lado por anos após os desastres em Fukushima e Chernobyl, os defensores da ideia estão lutando para ganhar o reconhecimento da energia nuclear, ao lado da solar e eólica, como uma fonte aceitável de energia limpa.

Países europeus anunciaram recentemente planos para construir uma nova geração de reatores nucleares. Alguns são menores e mais baratos do que os modelos mais antigos, ocupando o espaço de dois campos de futebol e custando uma fração do preço das usinas nucleares padrão. O governo Biden também está apoiando essa tecnologia como uma ferramenta de “descarbonização em massa” para os Estados Unidos.

“A energia nuclear está se tornando predominante  no movimento climático”, disse Kirsty Gonga, membro do Conselho Consultivo e de Pesquisa em Inovação Nuclear da Grã-Bretanha e fundadora da TerraPraxis, organização sem fins lucrativos que apoia a energia nuclear na mudança para uma economia verde. “Esta é uma década crucial e acho que veremos mudanças reais.”

Mas nem todo mundo está aceitando a ideia de que a energia nuclear é uma solução para as mudanças climáticas.

Dez anos atrás, poucos meses depois que um terremoto e um tsunami causaram o colapso da usina nuclear de Fukushima, no Japão, que forçou a retirada de mais de 150 mil pessoas da região, o governo alemão anunciou que encerraria gradualmente seu programa nuclear. Agora, a Alemanha está à frente de um grupo de nações que desejam neutralizar os esforços para incluir mais energia nuclear na matriz energética verde da Europa. Eles estão preocupados com a proliferação de usinas nucleares em solo europeu e com os resíduos radioativos que elas produzem.

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson (à esq.), e o presidente francês, Emmanuel Macron, durante a conferência sobre o clima em Glasgow; a França está pressionando por um maior investimento em energia nuclear. Foto: Christopher Furlong/Reuters - 1/11/2021

A reação está criando tensões com a França, o maior produtor de energia nuclear da Europa , que formou uma aliança incomum com países do Leste Europeu que desejam atrair mais investimentos para a energia nuclear, incluindo BulgáriaRepública TchecaHungria, Polônia e Romênia.

O grupo está pressionando a União Europeia para classificar a energia nuclear como investimento “sustentável”, medida que desbloquearia bilhões de euros de ajuda estatal e investimento de fundos de pensão, bancos e outros investidores que buscam colocar dinheiro em causas ambientais. ÁustriaDinamarcaLuxemburgo e Espanha se juntaram à Alemanha para tentar conter a iniciativa em Bruxelas.

O principal ponto de venda da indústria nuclear é uma tecnologia que envolve usinas em escala reduzida, ou pequenos reatores modulares, que seus defensores dizem ser seguros, baratos e eficientes. O argumento é que a energia eólica e solar sozinhas não serão suficientes para ajudar os países a cumprir as metas delineadas na cúpula do clima das Nações Unidas neste mês em Glasgow.

Quase 200 países prometeram novas ações para evitar que a Terra esquente mais de 1,5 grau Celsius, ou 2,7 graus Fahrenheit, em comparação com os níveis pré-industriais. Depois desse limite, o risco de ondas mortais de calor e tempestades, escassez de água e colapso do ecossistema aumenta enormemente, alertam os cientistas.

Mas os países estão aquém do esperado, mesmo tendo aumentado os investimentos em energia eólica e solar, cuja produção varia conforme a incidência solar e os ventos. A reabertura da economia global após a pandemia do coronavírus causou um recente aumento nos preços da energia e fez com que os governos europeus lutassem para garantir fontes alternativas de energia.

Tom Samson, presidente-executivo da Rolls-Royce SMR
Foto: Suzie Howell/The New York Times - 16/11/2021

Defensores da energia nuclear dizem que a experiência mostra a necessidade de uma nova geração de energia nuclear.

“A energia nuclear tem um papel realmente importante a desempenhar para chegar a net zero em muitos países”, disse Tom Samson, executivo-chefe da Rolls-Royce SMR, que trabalha há seis anos em um projeto de reator nuclear pequeno, modular e comercial - e  sente que o momento já chegou.

A Rolls-Royce, que anunciou o empreendimento este mês, está entrando em um mercado multibilionário para pequenos reatores nucleares, competindo com empresas como NuScale , GE Hitachi e TerraPower (que tem Bill Gates como presidente) nos Estados Unidos; Électricité de France , a empresa de energia estatal francesa; Corporação Nuclear Nacional da China e a KEPCO na Coreia do Sul.

Samson apresenta o empreendimento como uma nova abordagem para um setor famoso por atrasos e derrapagens nos custos e, principalmente, evitado pelos investidores. A Rolls-Royce, que fabrica motores a jato e fornece a usina de energia para a frota de submarinos nucleares da Marinha Real, espera construir 16 das usinas na Grã-Bretanha e também gerar vendas de exportação.

Os componentes pré-fabricados serão montados e transportados por caminhão ou navio. Inicialmente, as usinas deverão custar 2,2 bilhões de libras cada, o equivalente a US$ 3 bilhões, em comparação com um preço estimado de 22,5 bilhões de libras para uma usina de tamanho real agora em construção no oeste da Inglaterra.

Os desenhos do reator Rolls-Royce mostram um compacto e futurista edifício em uma paisagem verdejante. Um reator teria cerca de um sétimo da geração das maiores usinas nucleares modernas e poderia abastecer um milhão de residências.

Os sindicatos trabalhistas na Grã-Bretanha e na Europa apoiam as iniciativas, argumentando que as usinas nucleares geram empregos e são preferíveis às tecnologias renováveis, como as fazendas de energia solar, que não requerem muitos funcionários para se manter. 

Projeto do reator Rolls-Royce mostra um edifício compacto e futurista; segundo a companhia, unidade poderia abastecer 1 milhão de residências. Foto: Rolls-Royce

Os críticos dizem que a energia nuclear dificilmente será solução para acelerar o avanço para emissões líquidas zero.

Por um lado, novas usinas nucleares, mesmo as pequenas, levarão até uma década ou mais para entrar em operação, em parte por causa dos requisitos regulatórios, longe de serem rápidas o suficiente para lidar com uma emergência climática. O primeiro reator Rolls-Royce não entraria em funcionamento até 2031.

A capacidade de pequenos reatores nucleares de produzir energia rápida ou barata o suficiente para fazer diferença para os países também não está clara, disse Mark Hibbs, pesquisador sênior e especialista nuclear do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. Hibbs, que mora na Alemanha, observou que 10 desses reatores poderiam ser necessários para fazer o mesmo trabalho de uma grande usina nuclear moderna.

Doug Parr, cientista-chefe do Greenpeace na Grã-Bretanha, disse: “Isso não resolve os problemas da sociedade; resolve os problemas da indústria nuclear”. E acrescentou: “Eles querem chegar a um novo conceito que não tenha a imagem ruim de uma grande usina de energia nuclear”.

Aqueles que defendem um renascimento da energia nuclear dizem que tais preocupações são exageradas.

Na França, o presidente Macron anunciou este mês que reiniciaria o programa atômico do país para “cumprir” os compromissos da França de reduzir as emissões de carbono. Um recente relatório encomendado pelo governo concluiu que a França provavelmente não conseguirá atingir emissões líquidas zero até 2050 apenas com energia renovável.

Espera-se que seu governo autorize a Electricité de France a construir seis novos reatores pressurizados e gaste bilhões para ajudar a EDF a produzir pequenos reatores nucleares modulares até 2030. O trabalho seria uma tábua de salvação para a companhia, que está devendo mais de 40 bilhões de euros (US$ 45 bilhões) após enfrentar atrasos na construção de usinas nucleares e estouros de orçamentos.

No Leste Europeu, a corrida já começou

Polônia, Romênia e Ucrânia, há muito dependentes de usinas termoelétricas a carvão, estão entre os que assinaram contratos com empresas americanas e europeias para tecnologia de pequenos reatores. A Polônia sozinha planeja construir grandes reatores nucleares e pelo menos meia dúzia de pequenos em locais produtores de carvão para gerar energia e criar empregos.

“A capacidade de trazer uma nova geração de energia elétrica em menos tempo e com um custo total de projeto mais baixo é o principal motivador”, disse John Kotek, vice-presidente de desenvolvimento de políticas e assuntos públicos do Instituto de Energia Nuclear, um grupo do setor em Washington. 

Mas, à medida que investidores buscam onde aplicar trilhões de dólares em ativos para evitar os combustíveis fósseis, a energia nuclear está se tornando cada vez mais difícil de ser ignorada.

“O consenso geral nos círculos climáticos é que a energia nuclear é uma fonte de energia limpa”, disse Marisa Drew, diretora de sustentabilidade do Credit Suisse. “Se alguém conseguir entregar algo que seja economicamente viável, escalonável e verdadeiramente ecológico, e ainda faze-lo de uma forma segura”, disse ela, “então teremos que abraçar a ideia”. / TRADUÇÃO DE ANNA MARIA DALLE LUCHE

Liz Alderman e Stanley Reed, The New York Times