sábado, 29 de maio de 2021

Vendas em alta e balanços no azul: como as empresas da Bolsa melhoraram resultados

 

Transporte de minério na Estrada de Ferro Carajás: commodities impulsionaram resultados das empresas da Bolsa, mas não foram as únicas responsáveis pelo bom desempenho do primeiro trimestre

- Foto: Agência Vale


O desempenho das empresas brasileiras não financeiras de capital aberto no primeiro trimestre foi favorável, puxado principalmente pelas commodities. Dados da consultoria Economatica apontam que as vendas tiveram um crescimento de 22%, em relação aos mesmos meses de 2020, atingindo R$ 551,1 bilhões.

O resultado das companhias listadas na B3, a Bolsa brasileira, voltou para o azul, com lucro total de R$ 30,5 bilhões. Entre janeiro e março do ano passado, as companhias haviam registrado perdas de R$ 22,8 bilhões. Os dados não incluem três grandes empresas do segmento de commodities – Petrobras, Vale e Suzano –, para não distorcer a amostra, segundo a consultoria.

A melhoria nos resultados coincidiu com o aumento no preço das commodities minerais e agrícolas e um cenário macroeconômico e político desafiador: inflação em alta, preocupações com os juros de longo prazo nos países desenvolvidos e o repique na pandemia da Covid-19, que levou a uma atividade mais fraca no país.

Se incluídas as três grandes produtoras de commodities, o resultado líquido das companhias abertas brasileiras foi de prejuízo de R$ 83,8 bilhões no primeiro trimestre de 2020, seguido de um lucro de R$ 62,2 bilhões em igual período de 2021, sendo que quase metade dele foi da mineradora Vale.

“Os resultados mostram sinais de recuperação por parte das empresas. Elas estão bem capitalizadas, pois tomaram crédito para fazer caixa e honrar compromissos durante a crise. E a pandemia não foi aquela bomba atômica. Diante das micro e pequenas empresas, elas têm vantagens competitivas”, diz o gerente de research da Ativa Investimentos, Pedro Serra.

Entre as empresas listadas no Ibovespa, que mede o desempenho das principais ações da B3, a geração de caixa ou Ebitda – indicador que avalia o desemprenho da empresa nas atividades típicas de seu negócio – teve um aumento de 4,75 vezes, passando de R$ 1,39 bilhão, nos três primeiros meses de 2020, para R$ 6,6 bilhões, em 2021.

Exportadoras de commodities vão bem

Entre as empresas não financeiras, o destaque está com as exportadoras de commodities. A Vale, por exemplo, teve um lucro de R$ 30,5 bilhões, o maior da história de uma companhia de capital aberto num primeiro trimestre.

“As empresas exportadoras, principalmente aquelas que têm forte exposição à China, estão indo bem”, explica Serra. E, segundo Frederico Loss, da Allez Invest, elas deverão surfar nesta onda enquanto houver grande liquidez no mercado internacional. "Isso vai impulsionar o consumo”, diz.

Segundo a XP Investimentos, nos segmentos de mineração e siderurgia, 100% das empresas reportaram resultados acima ou em linha com as expectativas, beneficiadas pela alta nos preços do minério de ferro (de 25% no comparativo entre o primeiro trimestre de 2020 e o de 2021) e cobre (17%).

“Pelo menos até o fim do ano este cenário favorável para as matérias-primas deverá se manter, mesmo com uma pressão para a valorização do real frente ao dólar. O motivo é que a recuperação econômica mundial não é homogênea”, explica Jennie Li, estrategista da XP Investimentos.

Mas há sinais de alerta no ar. A Comissão de Reforma e Desenvolvimento (NDRC, na sigla em inglês) da China alertou na segunda-feira (24) que irá "punir severamente" monopólios de commodities, por avaliar que a recente alta nos preços se deve a "especulação excessiva". Em reação, os contratos futuros de minério de ferro perderam valor no decorrer da semana.

A expectativa, entretanto, é de que o bom momento continue. A demanda mundial deve continuar aquecida, em parte por causa dos estímulos fiscais e monetários de algumas das principais economias do mundo. A projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) é de que o PIB global se expanda 6%, a maior alta desde o início da série histórica, em 1980.

E, do lado do Brasil, segundo Serra, há um cenário mais confiante em relação à economia. “A expectativa é de que a vacinação avance e as medidas de restrição à circulação sejam menos severas nos próximos meses.”

Bancos com bons resultados

Outro segmento que também vem mostrando bons resultados, de acordo com o gerente de research da Ativa Investimentos, é o bancário.

Segundo a Economatica, a receita de intermediação financeira nos quatro maiores bancos de capital aberto teve uma queda de 23,4% no comparativo entre os primeiros trimestres de 2020 e 2021, atingindo R$ 138 bilhões. Mas os lucros aumentaram 35,2%, indo para R$ 18,6 bilhões.

Com o temor de aumento na inadimplência, os bancos mantiveram fortes provisões para devedores duvidosos no primeiro trimestre do ano passado. Até março deste ano, houve uma queda de 51,2% nas provisões, de acordo com os dados da consultoria, o que melhorou os resultados.

Empresas e consumidores estão procurando mais crédito nos bancos. O saldo de empréstimos no Sistema Financeiro Nacional (SFN) atingiu 54,4% do PIB em março, um recorde histórico. A carteira de crédito cresceu 15,4% em 2020, de acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e deve ter uma expansão de 9% a 10% neste ano, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.

Tendência de aceleração da Bolsa

A tendência é de que as ações se valorizem mais à medida que a economia mostre mais sinais de aceleração – nas últimas cinco semanas o ponto médio (mediana) das previsões no relatório Focus, do BC, para o crescimento da economia em 2021 passou de 3,04% para 3,52%. E vários bancos já preveem taxas superiores a 4% ou até 5%, que, se confirmadas, representariam a maior alta do PIB em 11 anos. Até quinta-feira (27), o Ibovespa acumulava uma valorização de 4,5% no ano.

“E desde abril estamos assistindo a uma descompressão dos ativos brasileiros, porque não temos ruídos políticos”, diz Jennie Li, da XP.

Segundo ela, apesar das preocupações macroeconômicas do primeiro trimestre, a "história micro" das empresas segue construtiva. “Várias empresas se mostraram resilientes em meio ao cenário doméstico, com restrições de mobilidade, enquanto empresas com exposição à forte recuperação econômica global continuaram a se destacar.”

Outro fator que impulsiona as expectativas em relação à Bolsa é o baixo rendimento da renda fixa, apesar da expectativa de que o juro básico siga em alta. A sinalização no relatório Focus é de uma Selic de 5,5% ao final do ano, com um IPCA de 5,24%. Nesse cenário, diz Jennie, o investidor que quiser uma maior rentabilidade terá de buscar a renda variável, como as ações.

Loss, da Allez, vê um grande potencial de retorno, pois avalia que a bolsa brasileira está barata. E segmentos que podem se destacar, segundo ele, são o financeiro, o varejo e o turismo, estes dois últimos beneficiados por um possível avanço na vacinação contra a Covid-19, o que contribuiria para reduzir o número de casos e óbitos causados pela doença e exigiria bem menos medidas restritivas de circulação.

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Vandré Kramer, Gazeta do Povo