segunda-feira, 31 de maio de 2021

Brasil tem capacidade de produção de bioquerosene

 


Pesquisa internacional mostra que o país tem grande capacidade de produção de bioquerosene, que pode reduzir em até 85% as emissões de CO2 das aeronaves. Falta o mercado alçar voo.

O Brasil tem potencial para ser um grande produtor de biocombustível para aviação, mas precisa investir na área e aproveitar melhor seus resíduos para alçar esse voo. Caso invista nesse caminho, o país tem capacidade para produzir 9 bilhões de litros de biocombustíveis de aviação por ano – volume mais do que suficiente para suprir toda a demanda doméstica. De quebra, ainda conseguiria reduzir de forma expressiva as emissões de gás carbônico (CO2) no segmento.

A estimativa é de um estudo feito pela Roundtable on Sustainable Biomaterials (RSB), em parceria com a consultoria Agroicone e professores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), apresentado nesta semana na conferência internacional Biofuture Summit II/BBEST2020-21, que começou na segunda-feira (24/5) e terminou nesta quarta (26/5).

Ficou curioso sobre qual é exatamente a origem desses resíduos do campo e das indústrias e como eles podem ser utilizados para a produção de biocombustível para a aviação? A gente explica:

  • o bagaço de cana é gerado durante a moagem de cana-de-açúcar, enquanto a palha de cana é recuperada do campo (uma quantidade mínima deve permanecer no solo para benefício do meio ambiente);
  • os resíduos de madeira são gerados durante as operações de colheita de florestas plantadas de eucalipto. Relatórios recentes da indústria madeireira brasileira afirmam que parte desses resíduos são deixados no campo;
  • os gases de combustão liberados do refino de aço são adequados para a produção de etanol por meio de uma tecnologia de fermentação, que já alcançou escala comercial;
  • o sebo bovino é obtido pela separação dos resíduos gerados por meio de limpeza de carcaça, tal como ossos, vísceras e gordura;
  • o resíduo do óleo de cozinha é o que geralmente sobra do óleo de fritura utilizado em residências ou serviços de alimentação.

Da cozinha de casa às nuvens

A cana é a matéria-prima com maior potencial de oferta de resíduos. Segundo a Agroicone, com olhar direcionado, seria possível obter 31,4 milhões de toneladas de bagaço e 29,9 milhões de toneladas de palha, que podem aumentar significativamente a produção de SAF [combustível sustentável de avião] “sem qualquer prejuízo à saúde do solo, à produção de alimentos ou à geração de bioeletricidade”.

Outro resíduo com forte potencial e comum em nossas casas é o óleo de cozinha. A Air France provou que o ingrediente também pode ser matéria-prima poderosa para conter a crise climática, ao realizar seu primeiro voo de longa distância usando SAF derivado do óleo no dia 18 de maio.

O voo decolou do aeroporto Charles de Gaulle (Paris) com uma mistura de 16% de combustível sustentável. Com duração de 6 horas e 46 minutos, o voo evitou a emissão de 20 toneladas de CO2. Se houver viabilidade econômica, esse material poderia fornecer o equivalente a 90% de toda a demanda de querosene no Brasil, estima a Agroicone.

Pelas contas da consultoria, considerando a capacidade de produzir 9 bilhões de litros por ano de biocombustível de aviação a partir de resíduos, o Brasil poderia reduzir as emissões de CO2 no setor de 60% a 85%, em comparação com os combustíveis convencionais, derivados de fontes fósseis. Além de abastecer o mercado interno, tal volume de bioquerosene poderia ser destinado para exportação.

Para essa ideia decolar, o estudo considerou três diferentes rotas de produção de combustíveis combinadas com as matérias-primas residuais:

  • HEFA (hydroprocessing of esteres and fatty acids), utilização de ácidos graxos, como óleo vegetal e gordura animal
  • ATJ (alcohol-to-jet), conversão de alcoóis, como etanol, em biocombustíveis de aviação; e
  • FT (Fischer-Tropsch), gaseificação da biomassa vegetal e conversão dos gases em biocombustíveis de aviação.

Plano de voo

Uma das responsáveis pela pesquisa, Carolina Grassi explica que agora é preciso criar bases técnicas, políticas e econômicas para incentivar o desenvolvimento do setor de biocombustíveis para aviação no Brasil. Segundo ela, por meio do uso de resíduos, é possível aumentar a produtividade dos biocombustíveis, considerando o mesmo espaço de terra. Nesses casos, por usar o resíduo de cultivos já existentes, a pegada de carbono envolvida é praticamente nula.

O SAF é a melhor alternativa para cumprir os acordos mundiais de descarbonização. A vocação agrícola e o legado do etanol dão ao Brasil condições para ser um grande ou até o maior produtor e exportador do biocombustível
— Carolina Grassi, líder de novos negócios da RSB na América Latina

O diretor-geral da Boeing Brasil e vice-presidente de Política Global da Boeing Internacional, Landon Loomis, destacou o papel das grandes empresas para promover a descarbonização no setor de aviação. A Boeing é uma das pioneiras no movimento e trabalha para que essa tecnologia seja cada vez mais usada pelo setor aéreo. “Essa trajetória pode colocar o Brasil como um dos protagonistas no desenvolvimento de combustíveis sustentáveis e ajudar o país no cumprimento das metas para a redução das emissões de carbono“, afirmou no Summit.

Como o Brasil pode decolar na descarbonização

Em sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) ao Acordo de Paris, documento em que os países comunicam medidas que tomarão para lidar com as mudanças climáticas e transitar para um futuro de baixo carbono, o Brasil destacou que muito precisará ser feito na área de energia, especialmente em relação a transportes, o setor de maior consumo de combustíveis fósseis no país.

Entre as medidas para mitigar a emissão de gases do efeito estufa na aviação, o governo brasileiro propõe, em sua NDC, usar combustíveis alternativos; realizar melhorias operacionais e de Assistência Total em Manutenção (ATM); melhorias na infraestrutura dos aeroportos brasileiros, além de avanços tecnológicos dos motores das aeronaves.

A Associação Brasileira de Aviação Geral (ABAG) destaca que indústria da aviação está comprometida com a redução do impacto ambiental de sua operação e estabeleceu metas “ousadas”, como atingir o crescimento neutro em carbono e reduzir em 50% as emissões de dióxido de carbono até 2050. Globalmente, a aviação é responsável por cerca de 11% das emissões de CO2 do setor de transportes, o que representa cerca de 1 bilhão de toneladas de CO2 por ano.

Fonte: Um Só Planeta

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