Em entrevista coletiva transmitida ao vivo por emissoras de TV, rádios e portais na internet, o juiz Sergio Moro , responsável pela Lava-Jato, disse nesta terça-feira que aceitou o convite para ocupar o ministério da Justiça e da Segurança Pública para impor uma agenda anticorrupção no país. Antes mesmo da primeira pergunta, Moro rebateu as acusações de que o processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva serviu como base para sua estreia na política. Moro vai participar da equipe de transição de Bolsonaro.
- Não posso pautar minha vida por um álibi falso de perseguição política. Aceitei esse convite, porque entendi que tinha uma agenda importante de combate à corrupção e ao crime organizado - disse ele.
- O ex-presidente Lula foi condenado e preso, porque cometeu um crime, não por causa das eleições. Embora eu tenha proferido a primeira decisão, ela foi confirmada por três juizes, e o próprio terminal (TRF-4) que determinou (a prisão) - completou.
O magistrado ressaltou que não aceitou o convite para o Ministério da Justiça como parte de um "projeto de poder". A declaração é uma resposta às especulações de que o magistrado usaria o cargo no governo de Jair Bolsonaro como trampolim para, no futuro, tornar-se ministro do Supremo Tribunal Federal.
- A ideia aqui não é projeto de poder, mas fazer a coisa certa num nível mais elevado - disse.
O magistrado planeja replicar no ministério as forças-tarefas adotadas na Operação Lava-Jato. Como exemplo, ele citou a atuação do FBI no combate às máfias em Nova York.
- Pretendo utilizar forças-tarefas não só contra esquema de corrupção, mas contra o crime organizado. Nova York, na década de 1980, combateu cinco famílias poderosas por meio da criação de forças tarefas. O FBI, em conjunto com as Promotorias locais ou federais, logrou desmantelar organizações. Embora elas não tenham deixado de existir, têm uma força muito menor que no passado.
Moro reafirmou, durante a entrevista coletiva, o compromisso dele com a Constituição e na defesa de minorias.
- Não existe qualquer possibilidade de, em nome da segurança pública, fazer políticas discriminatórias de minorias - disse.
O futuro ministro da Justiça frisou que, no cargo, não perseguirá pessoas envolvidas na Lava-Jato.
- Não houve qualquer tiopo de perseguição. As pessoas foram condenadas por provas robustas. Não será pelo ministério que vou fazer isso (perseguição). Todos têm igual proteção da lei.
Ele admitiu que existem divergências entre o que pensa ele e o presidente eleito, mas descartou que isso seja um problema.
- Mesmo nas divergências, me parece possível chegar a meio termo - afirmou o juiz, sem entrar em detalhes sobre os temas de discordância entre ele e Bolsonaro.
Disse ainda que já vem avaliando a composição de sua equipe.
- Assumindo o ministério, pretendo chamar pessoas altamente qualificadas, inclusive pessoas da Lava-Jato, mas tanto por sua eficiência como por sua integridade. As indicações virão a seu tempo.
MARIELLE FRANCO
Disse também que o assassinato da vereadora do rio Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes é um exemplo de crime que precisa ser solucionado. O futuro ministro da Justiça citou o atentado ao comentar as ações contra crimes de ódio e contra minorias.
— Todos têm direito à igual proteção da lei, e os crimes de ódio são intoleráveis. O caso da vereadora Marielle tem que ser solucionado — afirmou Moro, que ainda prometeu dar proteção a todos aqueles que fizerem denúncia anônima.
Moro aproveitou para criticar o uso por adversários do então candidato Jair Bolsonaro de que o havia ignorado num encontro em um aeroporto.
- Encontrei ele (Bolsonaro) por acidente num aeroporto, não o reconheci na ocasião e o cumprimentei, mas houve exploração de seus adversários, dizendo que eu tinha ignorado. Liguei pedindo escusas, e houve uma conversa muito rápida, não mais que isso - disse ele, reiterando que a primeira sondagem para compor o ministério ocorreu num encontro reservado com o futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, no dia 23 de outubro, dias antes do segundo turno.
Indagado sobre o projeto de escola sem partido, Moro saiu pela tangente:
- Em princípio, essa é um questão da pasta de educação, e não do Ministério da Justiça ou da Secretaria de Segurança Pública. Se o Ministério da Justiça for questionado, será externada uma posição. Mas o governo não começou, nao se tem uma proposta concreta.
Ainda na coletiva, o magistrado foi confrontado com declarações polêmicas feitas por Bolsonaro, como sua defesa à tortura e à ditadura, assim como quando disse que "a petralhada deveria ser metralhada".
- Há uma situação de declarações pretéritas e estamos olhando para o futuro. Mas quais as propostas do governo que afetem melhorias? Nenhuma. Ainda não tem nada sendo colocado, de fato. Pode ter feito ter feito declarações infelizes no passado e que agora são trazidas fora de contexto. O que senti nas nossas conversas foi um caminhar de moderação.
Cleide Carvalho e Silvia Amorim, O Globo