Moro afirmou ainda que pretende implantar operações policiais disfarçadas para combater o crime organizado. Uma das iniciativas seria implantar agentes infiltrados em negociações de compra de drogas ou armas, a fim de entender como funcionam as organizações do tráfico, anunciou o futuro ministro. O modelo também é inspirado no adotado pelos Estados Unidos na década de 80.
Sobre a proposta chamada de excludente de ilicitude do presidente eleito para garantir que policiais não respondam à Justiça por mortes em serviço dar respaldo jurídico, Moro disse que "é preciso discutir a normativa para essas situações". De acordo com o magistrado, essa não é preocupação exclusiva do presidente eleito, mas também de membros das Forças Armadas.
— Esses casos precisam de um protocolo. Precisamos analisar se já não estão cobertos pela legislação. E o que fazer para se criar uma norma. Em nenhum momento foi defendido o confronto — ressaltou lembrando do alto índice de morte de policiais no Brasil.
O magistrado listou uma série de ações contra o crime organizado que devem ser tomadas a partir do ano que vem, como proibição de progressão da pena quando houver indício de ligação do detento com uma organização criminosa e alteração na regra de prescrição de crimes. Ele também prometeu investir em equipamento para as polícias.
O magistrado disse ainda que seria inconsistente com a plataforma eleitoral de Bolsonaro ir contra a flexibilização da posse de armas, mas afirmou que demonstrou ao presidente eleito sua preocupação de que uma flexibilização excessiva possa gerar fornecimento de armas a organizações criminosas.
Sem dar detalhes, Moro afirmou que apresentará uma série de propostas de combate ao crime organizado. A ideia, diz, é resgatar parte das "dez medidas contra a corrupção", projeto encabeçado pelo Ministério Público Federal.
Entre as propostas, está a possibilidade de os procuradores negociarem a pena ("plea bargain"), o que, afirma Moro, ajudaria a aliviar a Justiça, e aumentar a proteção de denunciantes anônimos, entre outras.
Antes mesmo da primeira pergunta da entrevista, Moro rebateu as acusações de que o processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva serviu como base para sua estreia na política . Segundo o magistrado, ele aceitou o convite para ocupar o ministério para impor uma agenda anticorrupção e anticrime organizado no país.
— Não posso pautar minha vida por um álibi falso de perseguição política. Aceitei esse convite, porque entendi que tinha uma agenda importante de combate à corrupção e ao crime organizado — disse ele.
Em pouco mais de uma hora e meia de conversa com jornalistas, o futuro ministro falou sobre propostas polêmicas como a flexibilização do Estatuto do Desarmamento, a redução da maioridade penal para 16 anos, a classificação de movimentos sociais como terroristas, uma indicação ao Supremo Tribunal Federal no futuro e o risco de ameaça à democracia.
Seguem os principais trechos da entrevista:
Relação com o Congresso
"É inevitável que haja diálogo com outras instituições e em especial o Congresso."
Aceitação do cargo de ministro
"Eu sei que é uma decisão controvertida que gerou críticas por parte da imprensa, organismos internacionais. Tomei a decisão que me pareceu melhor para buscar a consolidação dos avanços nos últimos anos em relação à corrupção e não corrermos risco de retrocesso. Não creio que contrariei afirmação que fiz há anos de que jamais entraria na política. Eu sigo para atuar numa função eminentemente técnica. Não tenho nenhuma pretensão de concorrer a cargos eleitorais em qualquer momento da minha vida."
Crime organizado
"Embora a estratégia não seja a do confronto, temos que reconhecer que ele é uma possibilidade. Sabemos que temos regiões que são dominadas por organizações criminosas territorialmente. Talvez ele tenha sido mais grave no passado, mas ainda é grave. As pessoas vivem nessas áreas quase num estado permanente de exceção, dominadas por gagues armadas. Isso é intolerável e precisa ser enfrentado. A estratégia tem que ser a de evitar qualquer tipo de confronto. Havendo, porém, o confronto, tem que se discutir a situação de um agente policial que alveja um desses traficantes. A nossa legislação, ao meu ver, contempla as situações de legítima defesa e estrito cumprimento do poder legal. Tem que avaliar se é necessário uma regulação melhor".
Incorporação do Coaf ao Ministério da Justiça
"Essas questões ainda estão sendo estudadas, mas acho pertinente a vinda do Coaf para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública porque ele trabalha com a prevenção à lavagem de dinheiro e como órgão de inteligência. Isso tem muito mais relação com a Justiça do que da Fazenda".
Direito das minorias
"A ação do ministério não se resume à corrupção. Para essas outras áreas, vai haver uma atenção. Claro que o foco da agenda inicial é anticorrupção e anticrime organizado, mas nenhuma das áreas que estão no âmbito das atribuições do ministério vão ser negligenciadas".
Flexibilização do Estatuto do Desarmamento
"Conversei com o presidente eleito e existe uma plataforma na qual ele se elegeu que prega a flexibilização da posse de armas. Dentro disso, me parece inconsistente agir de maneira contrária. Quando falamos de posse, falamos da arma mantida em casa. Se houve uma reclamação geral por aqueles que desejam ter posse de arma, então existe uma discussão. Eu externei minha preocupação a ele de que uma flexibilização excessiva pode ser muitas vezes utilizada como fonte de armamento para organizações criminosas. Então tem que pensar quantas armas cada indivíduo vai poder ter em sua casa. Se for um número exagerado, há risco de desvio de finalidade. Quanto ao porte, o próprio presidente tem posição de que isso tem que ser mais restrito".
Redução da maioridade penal
"Existe uma proposta em discussão que prevê a redução para 16 anos em casos de crimes graves. O adolescente precisa ser protegido, mas um jovem acima de 16 anos já tem condições de percepção que não pode matar. Um tratamento diferenciado para esses casos me parece razoável. Se pode argumentar que isso não resolve o problema da criminalidade. De fato. Mas existem questões relativas à Justiça individual, de pais que perdem seus filhos ou filhos que perdem pais, e a mudança é para fazer Justiça a esses casos".
Sillvia Amorim, O Globo