domingo, 25 de novembro de 2018

"A forma do novo governo', por Gaudêncio Torquato

Comandos da economia sinalizam a ideia de forte enxugamento do Estado


O governo Bolsonaro começa a tomar forma. Os ministros já escolhidos e as primeiras declarações permitem desenhar seus contornos. Com uma forte tendência liberal na economia e conservadora nos costumes, dá para ver parcela de braços de empresas estatais na sala dos leilões.
A Eletrobras quer privatizar suas seis distribuidoras no Norte e Nordeste faz tempo. Só a responsável pelo serviço no Amazonas acumula R$ 2,5 bilhões em inadimplência. Meses atrás, o futuro presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, defendeu a privatização da empresa e agora recuou para evitar barulho. Mas, ao dizer que a Petrobras vai se ater à exploração e produção de óleo, separa para venda ativos que não fazem sentido, como a Liquigás.
Mesmo sob precaução, os comandos da economia sinalizam a ideia de forte enxugamento do Estado, focando em produtos e serviços, abrindo campo para a iniciativa privada nas estatais fora do prumo. Será um desafogo, com boa receita para o Tesouro, além de competitividade e desburocratização em espaços vitais.
O Brasil atrairá investidores e poderá voltar ao ranking das grandes economias, se vencido o desafio das reformas fiscal, tributária e da Previdência.
Na frente política, o governo buscará apoio em bancadas especificas, a começar pelos três Bês (boi, bala e bíblia – do agronegócio, armamento e evangélica). A força do novo governo dará um empurrão às reformas, apesar de o presidencialismo de coalizão, cedo ou tarde, apresentar sua fatura. Será impossível livrar-se desse grosso cipó que amarra partidos ao governo.
Parte das demandas será atendida, como armas para produtores rurais, menos burocracia no Incra, impulsos ao agronegócio e aprovação de uma pauta com foco nos valores da família e da educação.
Nos negócios externos, a pluralidade deve inspirar as relações, se prevalecer o bom senso. Pode haver complicação com a China e com os árabes, se confirmada a intenção de endurecer com os chineses e de transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém. O alinhamento incondicional e sem restrições aos EUA poderia afetar as relações multilaterais? Uma grande interrogação.
Entre os vizinhos as relações podem mudar, a partir da fragilidade do Mercosul. O Brasil pode até se afastar, como anuncia a futura ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
Na frente social, os primeiros apontamentos são para o Nordeste, sensível ao petismo e onde Bolsonaro teve o pior desempenho. Parece razoável desenvolver obras ali, como a conclusão da Transposição do São Francisco, a perfuração de poços e a continuidade do Bolsa Família. Se o buraco social for fechado, o governo ouvirá loas sob o velório do PT.
Resta saber quais serão as manifestações das fortes classes médias do Sudeste e dos organizados setores trabalhistas. Atritos estão à vista ante uma eventual reforma sindical. Mas a maior tuba de ressonância abrigará os profissionais liberais. Se a economia resgatar seu poder, baterão palmas. A recíproca é verdadeira.
Essa é a primeira paisagem dos tempos bolsonarianos.

Gaudêncio Torquato é jornalista e professor titular da USP 

Com Blog do Noblat, Veja