GESTÃO INTEGRADA DO SÃO FRANCISCO -
GISF
O USO MÚLTIPLO DA ÁGUA
DO RIO SÃO FRANCISCO E O
DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE
*- Pedro Alves de Melo
- Sergio Balaban
- José Altino Bezerra
- Iony Patriota de
Siqueira
- Roberto Gomes
O USO MÚLTIPLO DA ÁGUA DO RIO SÃO
FRANCISCO E O DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE
I – CONSIDERAÇÕES GERAIS
1.
O Rio São Francisco sendo
a principal fonte hídrica do Nordeste, tende a desempenhar um papel cada vez
mais relevante para o desenvolvimento regional, principalmente quando
considerado o uso múltiplo de sua água. Nesse
sentido, apenas para efeito de comparação, em 1999, quando da implantação das atuais bases
institucionais do Setor Elétrico, o consumo da Região Nordeste era cerca de 5700 MW
médios para uma geração hidrelétrica local de 5050 MW médios. Em 2016, a geração
hidrelétrica local foi 2500 MW médios para um consumo de cerca de 10500 MW médios.
2.
Embora no ano de 2016 a geração hidrelétrica das
usinas do Rio São Francisco, tenha
representado apenas 25% do
consumo da Região Nordeste, este foi
plenamente atendido pelas demais fontes
geradoras tais como, termelétricas,
eólicas e solar
(ainda incipiente mas, com perspectiva de crescimento substancial),
além do recebimento de energia
pelas interligações elétricas com
outras regiões do país. O
planejamento setorial, elaborado pelo MME, mostra que esta diversificação de fontes energéticas será irreversível no
país, especialmente, no Nordeste, o que significa que o São Francisco deverá
cada vez mais ser dedicado a finalidades mais nobres do que produzir energia
elétrica.
3.
Após o Projeto RESEB,
primeira Reforma Estrutural do Setor Elétrico Brasileiro, liderada pela
Eletrobrás, começaram a surgir conflitos entre os agentes geradores
hidrelétricos e os demais usuários da água, uma vez que esses outros usos
passaram a interferir nas relações contratuais entre estes. Esses conflitos
foram tratados no nível infra legal através de resoluções normativas expedidas
pelas Agências Reguladoras, ANA e ANEEL, levando a um aumento da judicialização
da questão conforme observado mais recentemente.
4.
No momento, conforme nota
técnica colocada em audiência pública pelo MME, está em curso a discussão de
uma proposta de reforma do Setor Elétrico Brasileiro, o que abre a oportunidade
para ser examinado o tema: Uso Múltiplo
da Água do Rio São Francisco, de forma abrangente.
5.
A reforma proposta
pelo MME, embora trate de forma objetiva as relações contratuais entre os
agentes do mercado no nível legal, deixou para o nível infralegal a questão do
uso múltiplo da água, de grande relevância para o desenvolvimento
socioeconômico da Região Nordeste, em especial no rio São Francisco, restando assim,
uma fonte de conflitos potenciais que se intensificarão posteriormente
6.
Portanto, fica evidente
a oportunidade para uma revisão na legislação do Setor relativa a geração de
energia hidrelétrica, especialmente na bacia do São Francisco, de forma a
buscar um equilíbrio entre os aspectos hídricos e energéticos, independentemente
da situação hidrológica.
7.
Essa revisão deve ter como objetivo
principal rever, à luz da realidade atual. a prioridade que historicamente tem
sido dada à geração de energia elétrica, levando o setor hidrelétrico a atuar,
praticamente, como único agente do processo de gestão dos recursos hídricos do
País, em flagrante desrespeito à Lei Nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997 que
definiu a Política Nacional de Recursos Hídricos.
8.
Isto se deveu a constatação de que esses
outros usos implicavam em custos adicionais para o Setor Elétrico. Ademais, o Setor
de Recursos Hídricos não avançou suficientemente nos processos para a
quantificação clara e precisa dos benefícios econômicos para a sociedade
associados a estes outros usos, levando a uma relação assimétrica entre os dois
usos.
9.
Por outro lado, os 48 bilhões de m3 de volume
útil para fins de regularização de vazões no rio São Francisco, representam
54.000 MW mês de energia armazenada, significando 25,0 % de toda a capacidade
de armazenamento de energia do Sistema Interligado Nacional – SIN, sendo
decisivos para a otimização energética deste Sistema considerando as
interligações regionais.
10.
Além disso, o Setor Elétrico nunca procurou
enfrentar esta questão, principalmente, na bacia do rio São Francisco,
procurando sempre tentar contorna-la no nível operacional, através de
restrições operativas definidas pelas instituições ligadas a gestão de recursos
hídricos, que nem sempre são respeitadas no momento da operação, quando é
priorizada a racionalidade da geração de energia elétrica.
11.
Essa lógica tem funcionado de forma
satisfatória em situações hidrológicas normais, quando a água dá para todos. No
entanto ela precisa ser revista uma vez que já se registram sérios conflitos
quando ocorrem sequências de vazões afluentes aos reservatórios, baixas ou
excepcionalmente baixas como as observadas no rio São Francisco nos últimos
dois anos. Situação na qual estas restrições operativas tiveram de ser
profundamente violadas, como é o caso atual no trecho do rio a jusante de
Sobradinho.
12. Os usos múltiplos da água são usualmente
classificados em duas categorias gerais
a - Usos não consuntivos -
são aqueles que ao não reduzirem as vazões afluentes às usinas não têm impacto
direto sobre a geração de energia elétrica. Estes usos apenas deslocam a
geração ao longo do tempo sem, no entanto, reduzirem o montante gerado,
atendendo a restrições operativas impostas as usinas. Porém, pode acontecer que
este deslocamento, em algumas situações, não seja comercialmente interessante
para a Empresa Geradora. Dentre estes
cabe destaque a vazão mínima para navegação, a vazão mínima para fins
ecológicos e os volumes de espera para controle de cheias. Estes volumes de
espera não são interessantes, em termos
comerciais, quando reduzem as chances de reenchimento dos reservatórios ou são
obtidos através de vertimentos não turbinados.
b – Usos consuntivos - são aqueles
que ao reduzirem as vazões afluentes às usinas provocam uma redução direta na
geração de energia elétrica. Dentre estes usos cabe destacar a irrigação.
Julga-se que, uma vez esgotados os maiores potenciais hidrelétricos na Bacia do
São Francisco, como já é o caso, a vocação econômica da bacia para a
agricultura irrigada poderá se impor a geração de energia elétrica uma vez que
terras aptas não lhe faltarão. Este será no futuro, também, o caso da
agricultura irrigada nas bacias receptoras da água da transposição. No caso da Bacia
do Rio São Francisco os investimentos na agricultura irrigada possibilitaram a
criação de polos importantes. Para o futuro, desde que garantido o
abastecimento da água, esta atividade crescerá substancialmente uma vez que já foram
identificados, segundo a CODEVASF, 1.300.000 hectares potencialmente
irrigáveis.
Por sua vez, o Projeto de Integração do São
Francisco – PISF viabilizará a implantação de áreas irrigadas com culturas
perenes nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Segundo estudos do Ministério da Integração
Nacional existem cerca de 265.000 hectares potencialmente irrigáveis já
identificados nessa área.
II
- PROPOSTA
1.
Por isto tudo,
antes de qualquer iniciativa de alterar o atual modelo do Setor Elétrico, no
que tange as usinas do Rio São Francisco, conforme previsto na Nota Técnica do MME, deve ser
garantido que o USO DA ÁGUA para irrigação na própria Bacia do Rio São
Francisco e nas bacias receptoras da água da transposição, seja regulamentado
por lei específica.
2.
A lei deve
incorporar no texto legal, o seguinte:
Artigo nº x – Afim de resguardar o interesse público no uso da água do Rio
São Francisco, a Garantia Física das usinas que serão objeto de descotização
deverão ser revistas considerando a redução decorrente dos desvios de água para
irrigação na bacia do São Francisco e dos desvios de água para atendimento aos
usos previstos pelo Projeto de Integração do São Francisco-PISF, conforme
projeto do Ministério da Integração Nacional.
Parágrafo
1º. -Nas revisões ordinárias destas Garantias Físicas conforme o Decreto nº
2.655 de julho de 1998, serão considerados:
I - Para a
Bacia do Rio São Francisco, os cenários de irrigação previstos nos Planos Decenais
de Recursos Hídricos da Bacia, aprovados pela Agência Nacional de Águas – ANA;
II - Para as
bacias receptoras da água na área de influência do PISF, os cenários previstos
pelo Comitê Gestor, aprovados pela ANA.