domingo, 29 de outubro de 2017

Como jornalistas devem agir em suas redes sociais?

Com O Observatório da Imprensa & Farol Jornalismo



Repercutiu bastante durante a semana o novo guia de conduta do The New York Times para jornalistas nas redes sociais. Esta matéria do Nieman Lab traz alguns destaques do documento, que é direcionado a toda a redação, e não somente aos repórteres que cobrem política:

- Nos posts em redes sociais, nossos jornalistas não podem expressar opiniões partidárias, promover opiniões políticas, endossar candidatos, fazer comentários ofensivos ou qualquer outra coisa que prejudique a reputação jornalística do The Times;

- Nossos jornalistas devem ser especialmente conscientes em opinar tomando parte em questões que o The Times está buscando cobrir objetivamente;

- Consideramos que todas as atividades de nossos jornalistas nas mídias sociais estão sob esta política. Embora você possa pensar que sua página no Facebook, feed no Twitter, Instagram, Snapchat ou outras contas de redes sociais são zonas privadas, separadas de seu papel no The Times, de fato, tudo o que publicamos ou damos ‘like’ é em certo grau público. E tudo o que fazemos em público provavelmente será associado ao The Times;

- Evite participar de grupos privados e secretos no Facebook ou em outras plataformas que têm orientação partidária;

- Se um leitor questiona ou critica seu trabalho ou um post nas redes sociais, e você quer responder, seja consciente. Não suponha que a pessoa não tenha lido atentamente seu trabalho;

- Nós também apoiamos o direito de nossos jornalistas de silenciar ou bloquear pessoas nas mídias sociais que são ameaçadoras ou abusivas (mas por favor evite silenciar ou bloquear pessoas por mera crítica a você ou a sua reportagem);

- Se você está linkando para outras fontes, procure refletir uma variedade de pontos de vista. Compartilhar diversas notícias, opiniões ou sátiras geralmente é apropriado. Mas, consistentemente, linkar para apenas um lado do debate pode deixar a impressão de que você, também, está tomando partido;

- Tenha cautela ao compartilhar furos ou histórias polêmicas de outras organizações que o The Times ainda não confirmou. Em alguns casos, um tuíte de uma história de fora feito por um repórter do The Times pode ser interpretado como se estivéssemos confirmando a história, quando de fato não estamos.

Grande parte das críticas que o guia sofreu se refere à proibição de expressar opiniões políticas nas redes sociais. O repórter não poderia, por exemplo, opinar sobre casos de machismo, racismo, mudanças climáticas? O que não seria uma opinião política, em última instância? A orientação para que o jornalista compartilhe links com variedade de opiniões me parece pouco factível na esfera privada, na tentativa de mostrar uma neutralidade que, obviamente, não existe. Mas a última recomendação que destacamos, sobre compartilhamento de furos de outros veículos, me parece bastante sensata e oportuna.

No Brasil, vocês devem ter acompanhado a polêmica demissão do repórter da Folha de S. Paulo, após entrevista com Danilo Gentili. O comportamento de Diego Bargas nas redes sociais foi usado pela Folha como justificativa para seu desligamento: “Os jornalistas da Folha são orientados a evitar manifestar posições político-partidárias e a não emitir nas redes juízos que comprometam a independência de suas reportagens”. Viram semelhança com o guia do The Times? A diferença é que a Folha não tem uma diretriz pública e, talvez também por isso, a demissão do repórter tenha sido tão questionada.

É claro que documentos normativos não resolvem todos os problemas, mas a meu ver eles são bastante importantes na gestão do jornalismo. Em 2012, a dissertação de mestrado da pesquisadora Janara Nicoletti já apontava
uma evidente contradição no posicionamento das organizações, segundo o que suas políticas expressam: de um lado há o incentivo para fazer parte e desenvolver novas habilidades para ampliar o trabalho jornalístico nas redes e a interação com o público; do outro, um controle quase abusivo, a fim de regular as opiniões, o comportamento, os relacionamentos e outras formas de expressão pessoal dos jornalistas em seus perfis particulares nas redes sociais. Neste sentido, casos de demissões, repreensões e advertências nas redações são usados de forma coercitiva e disciplinária. Estes documentos são formulados explicitamente para regular o comportamento dos funcionários, colocando em segundo plano questões inerentes ao jornalismo, como tratamento e qualidade da informação e divulgação dos conteúdos nestas mídias. 
Bem importante essa discussão, né? E surpreende ver como pouca coisa mudou de 2012, ano em que a pesquisa de Nicoletti foi publicada, até hoje.

Desinformação online vai melhorar ou piorar no futuro? 

Foi o que o este estudo do Pew Research Center e da Elon University perguntou a mais de 1.100 especialistas em internet e tecnologia. As respostas apontam para uma falta de consenso, com predomínio para as projeções negativas (51%). “A qualidade da informação não melhorará nos próximos anos, porque a tecnologia não pode melhorar a natureza humana tanto assim”, disse um dos entrevistados. 
Entre os otimistas, há o que prevê que a educação para a veracidade vai se tornar um elemento indispensável nas escolas secundárias; os provedores de informação serão legalmente responsáveis por seus conteúdos; poucas fontes confiáveis vão continuar dominando a internet. O site Poynter e o Nieman Lab compilaram outros depoimentos que constam do estudo. 
Embora pareça mais um exercício de futurologia, essa pesquisa qualitativa é importante para apontar tendências. Parece unanimidade que o problema das fake news e da desinformação não será eliminado, mas pode ser mais bem gerenciado. Nem preciso dizer que plataformas como o Facebook têm um papel preponderante nesse futuro próximo, certo? Na NFJ #153 falamos especificamente sobre isso, mas quase toda semana esse tema entra na nossa pauta. Desafio dos grandes.

Como atingir a audiência jovem? 

É a pergunta de ouro e pra onde os grandes veículos jornalísticos estão direcionando seus esforços. A BBC acaba de lançar versões em vídeo do BBC Minute, boletim de rádio de 60 segundos feito pela BBC World Service. “Emissoras de rádio não estão apenas interessadas em áudio, elas querem usar vídeos para se conectar com o público - estamos mudando com eles e oferecendo o que querem", disse Chris Gibson, editor-assistente do BBC Minute, ao site Journalism.co.uk.  
Os vídeos são produzidos para 25 emissoras de rádio parceiras no Oriente Médio e África, que compartilham o conteúdo em seus websites e redes sociais. Em três semanas, alguns dos vídeos superaram 1 milhão de visualizações. Gibson argumenta: 
Nós descobrimos que os jovens desses países têm mais interesse em jovens de outros países. (...) Não é verdade que eles não estão interessados em notícias, você apenas tem que oferecê-las em um formato que seja adequado em suas vidas e em como consomem mídia. (...) Se os principais boletins de notícia são o ‘quando’ e o ‘o que’, BBC Minute é o ‘como’ e o ‘por que’ - trata-se de um minuto em um determinado assunto, um olhar mais profundo.
Quem leu a NFJ #157 viu que Tristan Ferne, da própria BBC, sente falta de inovações em formato de áudio para notícias. Essa convergência com os vídeos pode ser um bom caminho, principalmente em se tratando de ampliar a audiência jovem. 
Por aqui, o Nexo lançou um serviço gratuito de envio de notícias pelo chat do Facebook, direcionado aos jovens que estão se preparando para o Enem. Uma seleção de conteúdos divididos por temas são enviados, de segunda a sexta, às 15h, para quem se cadastrar. A diretora do Nexo, Paula Miraglia, falou sobre esse bot em entrevista à Marcela Donini, enfatizando que “nossos conteúdos têm uma vocação muito grande pra sala de aula”.

Coisas rápidas 

- Nos dias 11 e 12 de novembro acontece no Rio de Janeiro o Festival 3i, que vai abordar, entre outros temas, financiamento independente e sustentabilidade, modelos de negócio, tecnologia aplicada ao jornalismo, polarização nas redes sociais e fact-checking. Pela primeira vez no Brasil, oito organizações nativas digitais que estão inovando no jornalismo online se juntam para trazer um Festival focado no futuro da informação.

- O Jornalismo de Dados ainda não é uma revolução, diz estudo de Wiebke Loosen, Julius Reimer e Fenja de Silva-Schmidt, publicado na revista científica Journalism. O site Poder 360 traduziu matéria do Nieman Lab, que traz os detalhes da pesquisa. “Ainda cobre em sua maioria política, requer grandes times e intenso trabalho, ainda é feito por jornais e usa primariamente ‘dados públicos pré-processados’”.

- Vi no Journalism.co.uk: Liam Corcoran, da NewsWhip, explica como compartilhar melhor as métricas (analytics) na redação, destacando cinco passos para isso.

Duas ferramentas 

- Novidades no Google Calendar para melhorar sua produtividade.
Pictogon agrega selos informativos a uma imagem.

Jornalismo: concatenações teóricas (S01E09)

Alcançamos o 9º episódio de Jornalismo: concatenações teóricas, então acho que vale dar uma contextualizada maior no PREVIOUSLY. Depois de iniciar com uma análise cruzada dos artigos Além do Jornalismo (link fora do ar) e O que o jornalismo está se tornando, nas últimas três semanas nos debruçamos sobre este último, especialmente esmiuçando como Deuze e Witschge trabalham os cinco níveis propostos por Shoemaker e Reese para compreender o jornalismo no século XXI. Já passamos por sistemas sociaisinstituições e organizações. Hoje daremos uma olhada no quarto: rotinas jornalísticas. Na semana que vem fechamos com o nível mais micro dos cinco: os indivíduos jornalistas. A partir daí iremos nos encaminhar para o final da primeira temporada mirando no CHRISTMAS SPECIAL.

Certo?

Qual é a primeira ideia que vem à cabeça de vocês quando pensam em rotinas jornalísticas? Ou, simplificando um pouco, o que vocês imediatamente pensam quando pensam na rotina de um jornalista? Receber a pauta, sair à rua, entrevistar fontes, voltar à redação, redigir, editar e entregar o texto para publicação / veiculação. Aposto que seria algo mais ou menos assim. Talvez com alguma variação dependendo do tipo de veículo / conteúdo. Ou talvez com algum tipo de característica contemporânea do processo noticioso, como a pauta vir das redes sociais. Mas, no geral, aposto como a estrutura da rotina se manteria a mesma.

Essa ideia geral que todos temos não saiu do nada. Ela está arraigada na cultura profissional e acadêmica sobre jornalismo. Fomos ensinados a pensar assim na faculdade porque as redações funciona(va)m dessa forma.

Isso é(era) o que um jornalista faz(ia). E ponto final.

Vamos ao que dizem Deuze e Witschge:
Tal compreensão acadêmica sobre a profissão se alimenta diretamente da prática jornalística. Cottle (2007, p. 10) nota como a ênfase no “funcionalismo organizacional” que ainda domina a formação em jornalismo privilegia rotinas e formas padronizadas de fazer o trabalho jornalístico acima da diferenciação e da divergência. (2016, p. 17).
Vamos dar uma olhada no que diz o trabalho de Simon Cottle citado no trecho acima.

Como vocês notaram, o artigo foi publicado em 2007 na Sociology Compass. Dez anos atrás. Naquele momento, Cottle chamava a atenção para a limitação do tipo de estudo etnográfico realizado para entender o processo de produção noticiosa.

Imagino que vocês estejam minimamente familiarizados com a ideia de estudo etnográfico realizado historicamente pelo jornalismo. São observações feitas para saber o que acontece dentro de uma redação e, dessa forma, tentar desvendar como as notícias que lemos todos os dias são produzidas, e por que elas são como são. Há trabalhos etnográficos importantíssimos, que, ao longo da história, especialmente no século 20, nos ajudaram a entender quem somos, o que fazemos e como fazemos.

Apesar de importantes, à medida que observamos esses estudos em perspectiva, defende Cottle, eles acabam caracterizando a produção noticiosa como "funcionalismo organizacional". A grosso modo, isso significa considerar que o jornalismo possui uma função a ser cumprida dentro do sistema do qual faz parte.

Novamente em uma simplificação um tanto grosseira, essa função seria constituída pelos requisitos organizacionais de produção das notícias, ou seja, o que acontece dentro de uma redação, combinada com a ideologia profissional da objetividade. A combinação dessas duas características resulta, diz Cottle, em um jornalismo que "rotineiramente privilegia a voz dos poderosos, o que acaba por reforçar a tendência à natureza padronizada e ideológica das notícias" (COTTLE, 2007, p. 4).

Dizendo de outro modo: as notícias acabam sempre beneficiando as mesmas pessoas (os poderosos), pois suas rotinas de produção cumprem uma função dentro do sistema social no qual está inserido, a sociedade capitalista. Vem daí, diz o autor, um pouco da desconfiança das pessoas em relação às notícias, assim como as teorias conspiratórias que giram em torno do jornalismo.

Cottle acha que os estudos etnográficos devem dar conta da complexidade que sempre constituiu as rotinas de produção jornalística, mas que ganhou força nos últimos anos em função do desenvolvimento tecnológico. (Apenas) observar o que acontece dentro de uma redação cada vez mais perde força como um método para teorizar o jornalismo. As rotinas mudaram. Estão mais dispersas, mediadas por diferentes tecnologias e envolvendo uma multiplicidade de atores e seus discursos. 
Concentrar-se nas rotinas de produção jornalística estabilizadas ao longo do tempo já não é suficiente no sentido de mapear e explicar a diversidade do trabalho jornalístico (DEUZE; WITSCHGE, 2016, p. 16).
O que podemos entender a partir do que diz Cottle? Só com etnografias que deem conta desta guinada rumo à complexidade é que poderemos renovar a compreensão que temos a respeito das rotinas jornalísticas. A partir daí, verificar a necessidade de desenvolver novas rotinas. Ou mesmo questionar a ideia de rotina no jornalismo.
Além do fato de que o foco nas rotinas desmente uma prática diária que talvez não seja tão estável ou sólida como costumava ser, as mudanças contemporâneas provocadas pela disrupção e pela inovação nos força a reavaliar a conceituação de “rotina” como uma função organizacional. (WITSCHGE; DEUZE, 2016, p. 16)
Estaria na hora do profissional que sempre se definiu como alguém cujo trabalho "não tem rotina" incorporar de vez esta condição? O conceito de rotina é suficiente para explicar o trabalho do jornalista dentro do ecossistema midiático atual?

Largo esta pergunta e vou dar umas bebericadas no vinho que abri há pouco.
Bom final de semana e até sexta que vem.
Moreno Osório e Lívia Vieira