domingo, 29 de outubro de 2017

“O Grande Irmão” vai escolher o seu próximo presidente


O grande irmão (Foto: Reprodução / Mais um Leitor / Observatório da Imprensa)Foto: Reprodução / Mais um Leitor / Observatório da Imprensa

Pablo Antunes - Observatório da Imprensa


À medida que o tempo passa nos aproximamos do futurístico ano de 1984. Toda a contagem de tempo é uma abstração racional do ser humano para entender a natureza, por isso pouco importa se estamos em 2017, em 5778, em 1438 ou no ano do Galo de Fogo. O que nos interessa neste período histórico é que estamos cada vez mais próximos do controle social antecipado, talvez profetizado, pelo escritor George Orwell em sua famosa obra de ficção científica.
O xadrez político das democracias ganhou uma nova peça que se move com a leveza de uma rainha em meio a peões distraídos. Atuando no caro mercado das campanhas eleitorais desde 2013, a Cambridge Analytica deve chegar com força para operar nas eleições presidenciais brasileiras de 2018. Essa companhia britânica utiliza análise de dados disponíveis na internet para influenciar a comunicação de usuários nas redes sociais para beneficiar o candidato que contratou os seus serviços.
A Cambridge Analytica ganhou notoriedade após ser bem-sucedida na vitoriosa campanha de Donald Trump nos EUA e na causa da saída do Reino Unido da União Europeia. Da mesma forma atua a Stilingue, que lê dados na internet com um aplicativo de inteligência artificial e robôs que identificam o perfil psicológico do eleitorado.
Cada vez que alguém faz login em uma rede social, compartilha, interage, comenta em uma reportagem em um site jornalístico ou na própria rede, essas companhias são munidas com toneladas de informações que são processadas para alimentar bancos de dados para identificar a tendência de pensamento e comportamento do eleitor. A maquiagem na aparência e no discurso dos candidatos, algo que os marqueteiros já sabiam fazer, agora ganha a precisão de uma máquina. É como se trocássemos o artesanato na fabricação de um político por uma linha de montagem automatizada.
Em um cenário confuso em que pessoas que se dizem de direita exigem educação e saúde custeados pelo Estado, e esquerdistas que se sentem pouco representados pelas forças vacantes, o aguçado olhar de Grande Irmão de companhias como a Cambridge Analytica e a Stilingue supera as divisões demográficas, etárias, educacionais e ideológicas para explorar perfis psicológicos de acordo como os medos, os desejos, as ambições e as rejeições do que o cidadão manifesta na internet por meio de uma inteligência artificial que realiza o que a ciência da computação identifica como “processamento de linguagem natural”.
Ou seja, o sistema é capaz de aprender, entender e interpretar um idioma para analisar o que é divulgado na imprensa e nas redes sociais. Munido de dados que leem o desejo da maioria, um político pode saber se deve se vestir de gari, de policial, de taxista ou de garoto de programa para adaptar o seu discurso e agradar a parcela de seu eleitorado que lhe garante a manutenção no poder. Igualmente a ferramenta é útil para convencer os indecisos, pois o que é dito se adapta ao que o cidadão quer ouvir.
O maior exemplo brasileiro do uso de tecnologia para aumentar o seu grau de influência na internet e fora dela é do prefeito de São Paulo João Doria. Desde a sua contestada pré-candidatura nas prévias do PSDB até a disputa pelo poder executivo paulistano, Doria se beneficiou da inteligência artificial para angariar votos e conquistar seguidores. Hoje há cinco softwares que trabalham com o objetivo de avaliar o impacto de tudo o que está relacionado a ele nas redes sociais para torná-lo mais agradável ao cidadão. O serviço da inteligência artificial é realizar uma “análise de sentimento” das redes sociais, algo possível apenas para seres humanos, para reduzir os impactos negativos e potencializar os positivos de cada discurso de Doria.
Em cada vez mais frequentes viagens pelo Brasil para se tornar mais conhecido, João Doria disputa com o governador paulista Geraldo Alckmin o posto de candidato a presidente da república pelo PSDB. Na lista dos possíveis presidenciáveis, João Doria é o que tem mais contato nas redes sociais com os eleitores.
Segundo Daniel Braga, sócio da Social QI, que tem Doria como cliente da empresa, entre os 114 milhões de usuários únicos do Facebook em território nacional, 23,5% já tiveram alguma interação com a página do prefeito de São Paulo. O segundo colocado entre os possíveis candidatos a ocupar a presidência em 2018 é o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) com 7,1%.
Em 2018, o olho que tudo vê o que fazemos na internet está prestes a atuar nas próximas eleições no Brasil. Os resultados obtidos pela Cambridge Analytica nos EUA e no Reino Unido mostram que a observação do comportamento das pessoas no Facebook, no Twitter, no Instagram e no WhatsApp dá uma grande vantagem aos candidatos municiados por essa tecnologia.
A companhia, diretamente ligada ao bilionário Robert Mercer, um cientista computacional norte-americano, defensor de causas conservadoras e de uma agenda de direita, ao atuar para convencer as pessoas de ideias de um grupo político, põe a inteligência artificial a pautar o tom eleitoral e a influenciar a mudança do discurso dos humanos para agradar outros humanos.
Em uma análise sombria, é como se um robô instrutor ensinasse um projeto de sedutor a se tornar uma espécie de psicopata que está interessado apenas em conseguir o que quer, alimentando a sua ambição e pagando o preço que custar para atingir o seu objetivo.
Depois de uma combativa e rancorosa eleição presidencial em 2014, como se comportará o eleitor brasileiro sob o olhar perscrutador do Grande Irmão manipulador de dados em 2018? Cada opinião pró ou contra um candidato, cada compartilhamento de notícia falsa ou verdadeira, cada meme produzido passará perante o escrutínio de softwares que traçarão os perfis psicológicos de cada um. Em meio a tantos compartilhamentos em que as pessoas não leem mais do que a manchete do que passam adiante, os maiores beneficiados serão sempre os que pagarem mais caro pelo melhor serviço de espionagem eleitoral.
Ainda que o olho que tudo vê que se aproxima de nós não vista as roupas do ditador do livro de George Orwell, estamos cada vez mais confundindo democracia com tirania da maioria. O que falta a alguns dos políticos eleitos é o entendimento de que algumas minorias não têm representatividade no Congresso e nas Assembleias Legislativas, mas isso não significa que devam ser subjugados à força numérica de um grupo.
Nesse sentido, a adequação de discursos para agradar uma parcela maior da população com interesses de perpetuação no poder propicia a possibilidade de se pôr em risco aquelas pessoas que não tem voz ativa no nosso modelo democrático. É compreensível que o cidadão comum não entenda essa diferença, mas um representante do povo, uma autoridade do Estado tem a obrigação de saber que as minorias têm de ser respeitadas e que os seus direitos devem ser garantidos com base na Constituição Federal.
Talvez em um futuro distante (2084?), já nem precisemos eleger vereadores, deputados e senadores em nossa democracia representativa, pois bastará que um aplicativo rastreie o que quer o eleitorado para legislar e estabelecer as prioridades da comunidade; mas, por enquanto, tudo o que você disser poderá ser usado para influenciá-lo nas próximas eleições.
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Pablo Antunes é escritor e psicólogo. Autor do livro “Poligamia Ou O Amor Maior”, escreve no blog LiteromaQuia.