terça-feira, 24 de março de 2015

"Nicolás Maduro e o efeito Pinóquio", por Daniel Lansberg Rodríguez

O Globo

A ‘mentira dialética’ ocorre quando pessoas com autoridade usam seu status para reforçar uma falsa narrativa


Sejamos sinceros. Nicolás Maduro não é um homem com muitas respostas para questões e problemas que atualmente afligem esse pobre país. Sua compreensão sobre geopolítica é, quando muito, rudimentar; e seu alcance com respeito a temas econômicos é praticamente nulo. O fato de Chávez tê-lo escolhido — mediante seu faro revolucionário infalível — como herdeiro de sua revolução deve constituir um mistério tão espantoso para o próprio Maduro como para o resto de nós.

Em muitas circunstâncias, essas ignorâncias não precisam ser defeitos fatais. A História Universal está repleta de exemplos de líderes escassos de conhecimento que optaram por se cercarem de assessores mais informados e capazes do que eles. Essa estratégia não foi aproveitada pelo governo venezuelano. Sua solução foi um tanto diferente. Algo muito mais prejudicial para a Venezuela.

Essas fantasias paranoicas que nossos líderes tagarelam sem cessar entre o Palácio Miraflores e a Assembleia não são loucura real, mas sim o pior tipo de cinismo político. A “mentira dialética” ocorre quando pessoas com autoridade, principalmente professores e padres responsáveis por educar crianças, utilizam seu status para reforçar alguma moral mediante uma falsa narrativa, cuja mensagem se supõe justificar a ficção. Dessa forma, dizemos a nossas crianças que não permaneçam nas ruas após o anoitecer por temor ao “saci” — porque nos enerva ter que lhes explicar sobre outros perigos mais adultos e tangíveis. Por outro lado, se perguntam a uma professora primária: “Por que o céu é azul?”, e esta não sabe que tal efeito provém da maneira como as ondas de luz se dispersam sobre os gases atmosféricos (ondas mais curtas no espectro de visibilidade, como o azul, estancam, ao passo que as ondas mais compridas, as vermelhas e amarelas, continuam até a Terra), seria normal a tentação de inventar algo mais simples, por exemplo: que o “céu reflete o azul do oceano”, em vez de admitir ignorância e sacrificar, dessa forma, um pouco de autoridade. Racionalizar o engano tampouco seria muito difícil, já que, depois de tudo, a segunda história confundirá menos os alunos, soa razoável e mais ou menos científica, e lhes dará também a certeza de que o céu se manterá azul no futuro.

Este é o tipo de mentira didática a que Maduro recorre habitualmente. Se não pode ou não se atreve a nos explicar as razões por que as companhias aéreas fugiram do país (dívidas não pagas do governo), nos diz que os aviões foram transferidos para o Brasil devido ao Mundial, e espera que esqueçamos de continuar perguntando depois que a Copa acabar e os aviões não voltarem. Incapazes também de explicar os misteriosos funcionamentos da inflação, a escassez e a queda do preço do petróleo — e desconfiando por natureza de pessoas educadas (que, se supõe, poderiam explicar) — inventam algo no momento e logo deixam assim.

Em geral, estes contos são bastantes complicados e incompreensíveis, para que se tornem quase impossível de provar ou refutar definitivamente. Por exemplo, o suposto desfile interminável de golpes e intrigas políticas contra o regime de Maduro atualmente se estendem em uma narrativa épica: implicando ao mesmo tempo oposição, empresas locais, agentes paramilitares de Equador e Panamá, ex-generais malvados, McDonald’s, Mossad, Uribe, uns tantos professores harvardianos, críticos e até misteriosos usuários de Twitter com nomes imperialistas, como “Power Kardashian”, e, supervisionando tudo, ninguém menos do que Joe Biden, o vice-presidente americano.

Porém, o que o governo considera ficções necessárias, só para manter a ordem pública entre os cidadãos, de fora parece mentira patológica — e isso é perigoso. Quando o vice-presidente uruguaio, Raúl Sendic, sugeriu há pouco que Maduro poderia carecer de suficiente informação para fazer “acusações dessa natureza”, o presidente venezuelano tomou a sugestão como algo pessoal, qualificando a declaração como uma “vergonha”: o mesmo Sendic é um “covarde”.

Como resposta, a Chancelaria uruguaia convocou o embaixador da Venezuela em Montevidéu para “fazê-lo saber que considera inaceitáveis as declarações, que afetam não só à pessoa a quem estão dirigidas, mas igualmente à investidura que ela representa e à institucionalidade que a respalda”. Ou seja, um golpe — altamente desnecessário — sobre a harmonia entre os dois países.

Mas é assim que é. As mentiras sempre requerem mais mentiras para encobri-las e o dilúvio de falsidades que provocam levam a consequências concretas. Se investidores veem mentira óbvia em nosso discurso público governamental, por que irão acreditar nas promessas do governo bolivariano de que vão pagar os bônus? Ou que continuarão mandando petróleo suficiente para manter vigentes nossas dívidas atuais com China, Rússia e os demais? Não é de espantar que os investimentos nesse país tenham desaparecido, e que Maduro, após um giro em busca de algo real no início do ano, tenha voltado com pouco mais do que desculpas e promessas vagas.

É uma espécie de “efeito Pinóquio”. Maduro já possui um nariz tão grande que nenhum bigode pode escondê-lo. O mundo afora diferencia pouco entre uma mentira e outra; com cada nova visita de pássaros espectrais, com cada golpe imaginário, com cada nova acusação sem sentido, se torna um pouco mais fácil desacreditar em tudo o que sai da boca do regime. Atualmente, o maior indício de que o regime está mentindo é quando começa a falar.

Daniel Lansberg Rodríguez é articulista do “El Nacional”, da Venezuela, que pertence ao Grupo de Diarios América (GDA)