terça-feira, 24 de março de 2015

Mais de 3 mil pessoas foram detidas arbitrariamente na Venezuela em 2014, aponta Anistia Internacional

UOL


  • Miguel Gutierrez/EPA
    Membros da Guarda Nacional tentam conter um manifestante durante um protesto contra o governo de Maduro, em fevereiro de 2014
    Membros da Guarda Nacional tentam conter um manifestante durante um protesto contra o governo de Maduro, em fevereiro de 2014

O relatório "As faces da impunidade: um ano após os protestos, vítimas ainda esperam por Justiça", divulgado na noite desta terça-feira (24), pela AI (Anistia Internacional), demonstra preocupação com cidadãos venezuelanos que morreram ou foram arbitrariamente presos e torturados durante e após os protestos que abalaram o país entre fevereiro e julho de 2014.
Durante os protestos, 3.351 pessoas foram detidas de forma arbitrária. A maioria foi libertada sem acusações. No entanto, 1.404 pessoas estão enfrentando processos e 25 ainda estão na prisão aguardando julgamento. Entre os mortos e feridos estavam manifestantes, civis e membros das forças de segurança. Alguns ainda estão atrás das grades, aguardando julgamento.
O relatório destaca as falhas da Venezuela para investigar de forma eficaz e levar à Justiça os responsáveis pela morte de 43 pessoas --incluindo oito agentes da lei--, 878 feridos --entre eles, cerca de 300 das forças de segurança-- e tortura de centenas de manifestantes durante as manifestações.
"As pessoas na Venezuela devem ter o direito de protestar pacificamente sem medo de perder suas vidas ou serem detidas ilegalmente", disse Erika Guevara Rosas, Diretora de Américas da Anistia Internacional. "Cada dia que se passa sem os abusos de direitos humanos ocorridos durante os protestos é mais um dia de injustiça com as vítimas e suas famílias. Isto tem que parar", afirma.
Ainda segundo a apuração da Anistia Internacional, longe de enviar um sinal claro de condenar estas violações graves dos direitos humanos, as autoridades continuam a justificar as ações impróprias das forças de segurança em nome da ordem e da estabilidade política.

Violência estatal

Evidências coletadas pela ONG também mostram que membros da polícia permitiram que grupos armados pró-governo cometessem abusos com manifestantes e civis, e até mesmo entrassem ilegalmente nas casas das pessoas, inclusive portando armas de fogo.
De acordo com as investigações do Ministério Público, os supostos responsáveis pelas mortes teriam sido dois funcionários das forças de segurança. O relatório também indica que pessoas morreram em incidentes nas barricadas colocadas pelos manifestantes para bloquear estradas.
O Ministério Público diz que investigou 238 queixas de violações de direitos humanos, e em 13 casos passou a acusar os suspeitos. O procurador-geral observou que 30 policiais foram acusados de matar manifestantes, de uso excessivo da força, tortura e outros maus-tratos --dos quais três membros das forças de segurança foram condenados por abuso. Quatorze policiais foram detidos e um teve uma ordem de captura expedida. O restante está em liberdade condicional.
A AI teve acesso aos arquivos de cinco pessoas que estão detidas e concluiu que elas foram presas arbitrariamente. Dois foram recentemente liberados, mas aguardam julgamento.
O uso excessivo da força contra os manifestantes e detenções arbitrárias continuaram depois do fim dos protestos. Nas últimas semanas, um menino de 14 anos foi morto pela polícia em Táchira, em 24 de fevereiro. O prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, foi preso em 19 de fevereiro, em circunstâncias duvidosas --33 dos 73 prefeitos da oposição enfrentam processos judiciais.
Ao invés de abordar esta questão de forma clara, o Ministério da Defesa emitiu uma resolução no fim de janeiro de 2015 permitindo que todos os setores das Forças Armadas sejam envolvidos em operações de ordem pública, incluindo o policiamento de protestos. Eles também receberam autorização para a utilização de armas de fogo nestas operações.

Tortura e maus-tratos

A Anistia Internacional documentou dezenas de casos de detentos que foram vítimas de tortura e outros maus-tratos. Prisioneiros foram espancados, queimados, abusados sexualmente, asfixiados, eletrocutados e ameaçados de morte enquanto estavam sob custódia.
Wuaddy Moreno estava andando de volta para casa depois de uma festa de aniversário quando foi preso em 27 de fevereiro de 2014, sob suspeita de ter participado dos protestos.
Os agentes da polícia o espancaram e o queimaram em praça pública em La Grita, Estado de Táchira, antes de levá-lo para a delegacia e depois liberá-lo sem acusações. Os policiais responsáveis ainda estão em serviço. Eles intimidaram e assediaram Wuaddy e sua família depois que eles clamaram por Justiça.

Milhares detidos

Entre os que ainda estão atrás das grades arbitrariamente podemos citar Leopoldo López, líder da oposição, Daniel Ceballos, prefeito de San Cristóbal, no Estado de Táchira, e Rosmit Mantilla, ativista LGBT. Os três são do partido de oposição Voluntad Popular.
Duas pessoas que tinham sido arbitrariamente detidas, foram libertadas recentemente: o advogado Marcelo Crovato foi liberado em 25 de fevereiro e colocado sob prisão domiciliar; e Christian Holdack foi libertado sob fiança em 17 de março.

Entenda a crise

Os distúrbios decorrentes da grave crise que a Venezuela enfrenta envolvem fatores como os altos índices de criminalidade, alta da inflação, falta de bens de consumo básicos, o mercado negro e apagões de luz --o que gerou grande insatisfação da população contra o governo de Nicolás Maduro, no poder desde abril de 2013.
Os confrontos entre manifestantes e forças do governo tiveram início em fevereiro de 2014, resultando em dezenas de mortos, presos e torturados.
No fim de fevereiro deste ano, protestos contra o governo do presidente Nicolás Maduro se tornaram mais violentos na cidade de San Cristobal após o jovem Kluibert Roa ter sido morto a tiros. Um policial de 23 anos de idade foi detido e acusado pelo assassinato.
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