quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Após manobra fiscal, governistas ensaiam farra

Com Blog do Josias


Dilma Rousseff precisa chamar os líderes do seu condomínio partidário para saber de que lado estão. Num instante em que a presidente apela à ortodoxia de Joaquim Levy para tentar consertar o descalabro fiscal que legou para si mesma, seus aliados no Legislativo informam: responsabilidade fiscal é como virgindade. Perdeu, está perdido. Não tem replay.
Na madrugada de terça-feira, o Diário Oficial foi impresso com a sanção de Dilma Rousseff ao projeto de lei que alterou a meta fiscal para permitir ao governo fechar suas contas de 2014 no vermelho. À noite, em sessão que entrou pela madrugada desta quarta-feira (17), a bancada governista despejou votos na medida provisória 656, convertida numa espécie de lixão fiscal.
Enviada pelo Planalto com 38 artigos, a MP chegou ao plenário com 168. Trata de 43 temas diferentes. Carrega um entulho que inclui desde o refinanciamento das dívidas de clubes de futebol até a redução de impostos para a aquisição de armas. Da mudança na tributação de bebidas à prorrogação de vantagens fiscais para a indústria automobilística das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Uma peculiaridade une as duas iniciativas. A proposta que instituiu a manobra fiscal de 2014 e a MP que empurra um aterro para dentro das contas de 2015 tiveram um mesmo relator: o polivalente senador Romero Jucá (PMDB-RR).
Durante mais de três horas, a votação da MP fluiu sob uma atmosfera de normalidade anormal. Do lado de fora, caía um temporal que fez transbordar o espelho d’água Congresso, inundando o salão da entrada do prédio de Niemeyer. Do lado de dentro, os deputados choviam na horta de diferentes lobbies.
Na versão original de Dilma, a MP 656 continha, entre outras providências: a prorrogação de benefícios fiscais às construtoras que atuam no Minha Casa, Minha Vida; estímulos ao financiamento imobiliário; e a desburocratização do processo de transferência e registro de imóveis.
Pousaram na versão turbinada vários elefantes voadores. Entre eles a liberação para a construção de um novo aeroporto na região metropolitana de São Paulo. Coisa do interesse das construtoras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Ou autorização para que o capital estrangeiros invista no setor de saúde, assumindo inclusive hospitais filantrópicos, beneficiários de vantagens tributárias.
O PT e seus aliados engoliram todos os elefantes. Até que uma emenda de autoria do deputado pernambucano Mendonça Filho, líder do DEM, atravessou uma mosca na traqueia do petismo. Propôs incorporar à MP do lixão a correção da tabela progressiva do Imposto de Renda da Pessoa Física em 6,5%. A medida beneficia o contribuinte de classe média. Ao perceber que os líderes das legendas governistas aderiram à emenda do DEM, Henrique Fontana (PT-RS), líder de Dilma na Câmara,engasgou.
“Esse pode ser um legítimo interesse do Parlamento. Mas é evidente que nós temos que fazer uma ampla negociação”, disse Fontana. Ele mencionou a manobra fiscal sancionada pela presidente. “Nós acabamos de votar uma alteração na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que foi criticada por muitos —inclusive pela oposição, que reivindica mais cuidado com o equilíbrio orçamentário. O governo está pronto para debater, mas pede ao plenário que não apoie, neste momento, uma emenda com este teor.”
Mendonça Filho caprichou na ironia : “Quero oferecer uma contribuiçao ao líder do governo. Ele está dramatizando demais a situação. A emenda propõe apenas a correção da tabela do Imposto de Renda em 6,5%, que é a inflação desse ano.”
O líder do DEM prosseguiu: “Tenha a santa paciência. A gente vota uma medida provisória com benefícios para diversos setores da economia. Jabuti pra cá, jabuti pra lá. E tudo fica tranquilo. Quando se trata de oferecer a correção da tabela do IR, para a classe média brasileira —tão massacrada, sacrificada, com salário achatado—, vem o Partido dos Tralhadores fazer alarme. Logo o PT que, ao longo de sua história, dizia defender os trabalhadores!”
Lero vai, lero vem, os líderes de legendas governistas aderiram à oposição. Alguns haviam orientado suas bancadas a votarem contra a emenda do DEM. Mas, pressionados por seus pares, deram meia-volta. No fim das contas, apenas o PT e o PCdoB mantivefram a orientação contrária. Ficou evidente que o bloco governista, algo desgovernado, imporia uma derrota a Dilma.
A estratégia oficial era clara como a gema. Os operadores do Planalto deixaram toleraram o voo dos elefantes porque sabiam que, se eles sobrevivessem à votação no Senado, seriam vetados por Dilma. Mas o veto presidencial à correção da tabela do Imposto de Renda deixaria a presidente mal com a classe média.
O líder Fontana sentiu o golpe: “Alguns deputados aqui me apelaram: ‘deixa passar, que depois a presidenta veta’. Não é questão de deixar passar, de vetar ou sancionar. O governo vai orientar o voto ‘não’, pode ser derrotado. Mas faço um apelo para que essa emenda não seja aprovada. Vamos debater, vamos fazer uma mesa de negociações, discutir alternativas para a correção da tabela do IR. Mas não votemos agora, praticamente uma hora da madrugada.”
Ninguém mudou de posição. Sobretudo depois que o líder do DEM recordou que a própria Dilma prometara, antes das campanha eleitoral, corrigir a tabela do IR. Verdade. Mas a presedente falava em 4,5%, não em 6,5%. A emenda do DEM foi aprovada em votação simbólica. Valendo-se do regimento, o PT pediu a contagem dos presentes. A falta de quórum era evidente. E a conclusão da votação da MP 656 foi trasnferida para a sessão vespertina desta quarta-feira.
Antes, em sessão conjunta de deputados e senadores, o Congresso tentará aprovar pela manhã a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2015. A peça anota a meta de superávit fiscal ditada pelo novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy: 1,2% do PIB.
Significa dizer que vem aí um programa de cortes de despesas. Se Dilma governasse seu condomínio, os aliados não estariam subtraindo receitas e criando novas despesas no finalzinho do ano legislativo.