Cleide Carvalho e Luiza Souto - O Globo
O juiz Sergio Moro afirmou que não se pode colocar "apenas nos ombros da Justiça a responsabilidade de superar o quadro de corrupção" instalado no país e defendeu uma "verdadeira reforma política" que reduza o custo das campanhas eleitorais. Ele criticou a falta de atuação do Executivo e do Legislativo para adotar medidas e criar leis que, fora da área criminal, possam ser úteis para mudar o país. O juiz esteve presente em um evento em São Paulo realizado pela Casa Hunter, ONG destinada a ajudar vítimas de doenças raras, que premiou sua mulher, Rosângela Moro.
Depois de elogiar os trabalhos da Polícia Federal e do Ministério Público Federal na investigação e instrução dos processos e dizer que o Judiciário tele uma atuação relativamente firme, Moro criticou:
- Até o momento não se vê praticamente nada vindo do nosso Poder Executivo e do nosso Poder Legislativo, salvo iniciativas muito tímidas ou afirmações da espécie de que não se pretende interferir na ação da Justiça. Para superar a corrupção sistêmica não basta tratar o assunto como casos criminais que se sucedem nas Cortes de Justiça. A Operação Lava-Jato tem um começo, um percurso e certamente terá um fim. O trabalho deve prosseguir.
Não se pode colocar apenas nos ombros da Justiça a responsabilidade de superar esse quadro - disse Moro.
Moro defendeu leis mais eficientes, que de fato reduzam os incentivos e as oportunidades para o crime de corrupção, como a redução de cargos de confiança com livre nomeação nas diversas esferas de governo e do Legislativo.
- É precido uma reforma política que se apresente como verdadeira reforma política, de modo a reduzir o custo das campanhas eleitorais; Pouco se tem visto nesta área, nessa iniciativa do Poder Legislativo e do Poder Executivo - disse.
O juiz condenou ainda discursos de ódio ou rancor e ressaltou que não há corrupção de esquerda ou direita:
- Existe apenas corrupção
SETOR PRIVADO DEVE RESISTIR
O magistrado afirmou que o setor privado, que é mais ágil do que o setor público e pode mudar mais rapidamente, tem grande contribuição a dar:
- Pode haver dificuldade, pode ter tentativa de retaliação, mas alguma resistência é necessária.
Moro explicou que existem casos de extorsão, no qual o empresário é extorquido pelo agente público e é vítima, não cúmplice. Mas lembrou que a Lava-Jato revelou que em boa parte das situações havia cumplicidade. Relembrou que diretores da Petrobras e empresários tinham relação de amizade e alguns dos executivos da estatal receberama propina mesmo depois de terem se aposentado ou saído da empresa quando não poderiam retaliar as empresas.
- Mesmo dirigentes de empresas reconheceram que havia simbiose ilítica entre o pagador e o recebedor de propina. O setor privado é fonte de solução: dizer não ao pagamento de propina.
Ao falar com jornalistas, Moro voltou a defender que um condenado seja preso após decisão de segunda instância, independentemente de recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e disse esperar que "ministros sejam sensíveis". A opinião foi dada após ter sido perguntado sobre a defesa do ministro Gilmar Mendes em rever essa decisão do STF, de 2016.
- Tenho grande respeito pelo STF, louvo aquela decisão de 2016, do ministro Teori Zavascki, que foi um passo fundamental para uma mudança no nosso ordenamento jurídico, para que esses processos envolvendo crimes de corrupção possam chegar ao fim em um prazo razoável e tendo resultado efetivo. Acredito que não seja alterado apesar de eventuais manifestações. Tenho esperanças que os ministros sejam sensíveis - disse.
Moro esteve presente em evento que se discutiu doenças raras. Questionado sobre o crescimento da judicialização da saúde, em especial para casos de doenças pouco conhecidas, o juiz disse não ter resposta fácil para o tema.
- Tem situações muito humanas em que a pessoa precisa de amparo. É realmente uma decisão difícil. Não sou especialista na área da saúde mas vejo a medicina cada vez mais complexa e o poder público tem que estar preparado para a medicina do século XXI.