Thiago Herdy - O Globo
No momento em que o Conselho Nacional de Justiça entrou em alerta por causa de pagamentos superiores ao teto constitucional nos tribunais estaduais, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a servidores da Corte remunerações que superam o limite de R$ 33,7 mil. Apenas neste ano, nove técnicos e analistas judiciários lotados no tribunal receberam líquido, no contracheque, valores entre R$ 37,8 mil e R$ 226,8 mil.
A justificativa para os pagamentos aparece em termos jurídicos de tradução não muito simples. A principal delas é a “conversão de licença-prêmio em pecuniária”, que significa o mesmo que transformar em dinheiro o direito a descanso remunerado, premiação prevista depois de determinado tempo de serviço. Também são citadas como justificativas indenizações por férias não usufruídas e decisões judiciais que determinam pagamentos retroativos.
A presidente do CNJ e do próprio Supremo, ministra Cármen Lúcia, afirma ser necessário “acabar com privilégios” e transformar o país “numa República verdadeira, não apenas de papel”. Os beneficiados são servidores que constam da folha de pagamentos do Supremo como inativos. A assessoria de Cármen informou que os pagamentos são legais.
cargo em comissão
Cargo de confiança e de livre nomeação
Indenização
Pagamento em dinheiro
Os repasses acima do teto são fruto de duas decisões de próprio tribunal: a ata da sessão administrativa de 21 de setembro de 2011, que decidiu por acatar sugestão do ministro Dias Toffoli sobre pagamento por licença-prêmio; e a resolução 555 de 2015, sob a presidência do ministro Ricardo Lewandowski, que tratou da indenização por férias não usufruídas. As duas decisões estabeleceram jurisprudência e são citadas com frequência em pedidos de outros servidores do funcionalismo público, incluindo setores do Judiciário e do Ministério Público, que recorrem a tribunais para solicitar as mesmas condições oferecidas na Suprema Corte.
ANALISTA RECEBEU O MAIOR PAGAMENTO
Um analista judiciário , que até recentemente trabalhava no gabinete do ministro Marcos Aurélio, recebeu o maior pagamento único em 2017: R$ 226,8 mil em julho, já descontados valores como imposto de renda, entre outros. De acordo com a assessoria do STF, o pagamento é referente à conversão de 270 dias de licença-prêmio que ele deixou de usufruir até a aposentadoria, o qual foi somado ao vencimento daquele mês, no valor de R$ 30,4 mil.
Uma outra analista recebeu R$ 99,7 mil em janeiro e outros R$ 45,9 mil em maio, referente a férias não usufruídas e conversão de licença-prêmio em salário. O saldo de 90 dias de licença não aproveitada resultaram em remuneração extra de R$ 79,3 mil para outro analista judiciário, em maio. Um outro profissional recebeu R$ 71,3 mil em julho (com 149 dias de licença-prêmio) e outros R$ 43,1 mil em maio (extra de férias revertidas em pagamento). Completam a lista dos salários acima do teto pelos dois motivos uma ex-chefe da gerência de acervo do STF (R$ 68,6 mil em janeiro) e outras duas analistas, uma com 39,2 mil em julho, e outra com R$ 45,6 mil em maio e R$ 37,8 mil em março. Todos os valores citados são líquidos e já consideram os descontos legais.
QUADRO DE PAGAMENTOS NÃO DEVE MUDAR
O GLOBO perguntou à direção do STF porque não é determinado aos servidores que usufruam das férias e dos períodos de licença-prêmio antes da aposentadoria, para evitar gastos adicionais do tribunal. “A administração só pode obrigar o servidor a usufruir férias se houver acúmulo superior a dois anos. A não ser nessa hipótese, cabe ao servidor escolher o período de férias e à administração autorizar segundo critério de necessidade do serviço”, informou a assessoria. Não há qualquer previsão de mudança neste quadro.
Outros dois casos de pagamentos acima do teto ocorreram por motivos diversos: um servidor recebeu R$ 62,1 mil, em março, em função de determinação judicial que discutiu os “termos de sua aposentadoria". No mesmo mês, outra servidora registrou R$ 65,2 mil no contracheque graças à concessão de abono de permanência retroativo, isto é, reembolso por ter continuado prestado serviços ao STF mesmo depois de ter se aposentado.
A folha do STF entre janeiro e julho de 2017 tem 1.862 nomes e soma R$ 251,8 milhões.
Se dividido pelo número de beneficiários, esta conta daria um pagamento médio de R$ 19,3 mil, por servidor.
Em nota, respondendo pelos servidores, o STF informou que, além dos nove nomes que receberam pela licença-prêmio não usufruída, outros 182 foram beneficiados pela mesma medida desde 2011.
O pagamento de R$ 503 mil em julho ao juiz do Mato Grosso Mirko Vincenzo Giannotte levou recentemente o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a determinar investigação do caso. O magistrado citou legislação que previa o pagamento por verbas atrasadas decorrentes de serviços prestados em instâncias superiores. O pagamento incluiu R$ 137,5 mil de indenização por usar o próprio carro para chegar a comarcas atendidas por ele.