quarta-feira, 23 de agosto de 2017

"Descubra se você é um passageiro SSSS", Patrícia Campos Mello

Folha de São Paulo


Da próxima vez que você for embarcar em um voo para os Estados Unidos, repare se o seu cartão de embarque veio com a sigla SSSS escrita em algum lugar.

Se a resposta for sim, prepare-se.

Você será levado para uma fila ou área separada, onde será submetido a uma revista manual (pat down) do corpo (respeitosa). Sua bagagem de mão será minuciosamente inspecionada e você terá de passar pelo raio-X de novo.

Sorria, você está na lista Secondary Security Screening Selection (Seleção para Triagem Secundária de Segurança) - ou, simplesmente, lista dos passageiros "selecionados" (selectees).

As companhias aéreas garantem que se trata de uma escolha aleatória de passageiros que serão submetidos a uma inspeção adicional antes de terem autorização para embarcar em voos para os EUA.

Mas o site da TSA - Transportation Security Authority, a agência do governo americano encarregada de zelar pela segurança nos aeroportos, fornece mais detalhes.

A TSA tem um sistema que faz uma triagem inicial dos passageiros tentando embarcar em voos com destino aos EUA - determinam quais são considerados de baixo risco, que passarão pelo procedimento normal de vistoria de segurança ou podem se inscrever no TSA Pre, que agiliza o processo, e quais são os passageiros SSSS, também chamados de "selectee" (selecionados), que passam por revista maior.

Há uma terceira lista, a "No Fly" - mas se estiver nessa, você não embarca e ponto final.

As companhias aéreas não têm acesso direto a essas listas, elas só são informadas pelo governo americano quando um nome dá "match" em alguma lista.

Ainda segundo o site da TSA, a origem desse sistema é o Terrorism Screening Center criado após os atentados de 11 de Setembro de 2001, que consolidou todas as "watchlists" de possíveis terroristas.

"As listas de 'selecionados' e a de 'no fly' são uma subdivisão do Terrorist Screening Center Database (TSDB)", esclarece o site.

Renato S. Cerqueira/Futura Press/Folhapress
Saguão do de aeroporto de Congonhas, em São Paulo
Saguão do aeroporto de Congonhas, em São Paulo


Na segunda-feira (21), o secretário especial de assuntos estratégicos da Presidência, Hussein Kalout, foi impedido de embarcar em um voo da American Airlines para os Estados Unidos, após se recusar a se submeter a uma inspeção especial, que ele considerou humilhante. Ele argumentou que tinha passaporte diplomático e já havia passado pela inspeção de segurança, em vão.

O cartão de embarque de Hussein tinha as letras SSSS, embora ele não tivesse reparado nisso naquele momento.

Algumas pessoas caem na lista dos "selecionados" apenas ocasionalmente. Aí, da para acreditar que foram escolhidas de forma aleatória por um programa de computador. Mas outras, como Hussein, estão frequentemente na lista SSSS.

Um passageiro "selecionado" que se recusa a passar pela inspeção extra não pode embarcar.

Nos Estados Unidos, são "imunes" à lista SSSS deputados e senadores americanos (portando identificação oficial) e portadores de passaporte diplomático (mas apenas aqueles que estão servindo nos Estados Unidos ou na missão da ONU e têm credenciais do departamento de Estado, o que não se aplicava a Hussein).

A TSA não divulga quantos nomes têm a lista de selecionados, nem como eles são escolhidos. A ACLU e outras entidades de direitos humanos acusam a lista de selecionados e a "no fly list", que impede os passageiros de entrarem nos EUA, de serem discriminatórias.

Em um manual da TSA de "Procedimento Padrão de Triagem", vazado pelo Wikileaks em 2009, a agência especificava: "Se a identificação do passageiro é um passaporte emitido pelo governo de Cuba, Irã, Coreia do Norte, Líbia, Síria, Sudão, Afeganistão, Líbano, Somália, Iraque, Iêmen ou Argélia, direcione a pessoa para a inspeção de 'selecionados'".