sábado, 5 de agosto de 2017

"Boa parte dos deputados se tornou moralmente inconstrangível", por Oscar Vilhena Vieira

Pedro Ladeira - 02.ago.17/Folhapress
Câmara dos deputados durante votação que barrou denúncia de corrupção feita contra Michel Temer
Câmara dos deputados durante votação que barrou denúncia de corrupção feita contra Michel Temer


Folha de São Paulo

Como explicar que a maioria dos deputados federais tenha se negado a autorizar o Supremo Tribunal Federal a apreciar a denúncia por crime de corrupção apresentada pela Procuradoria Geral da República contra um presidente que não tem o apoio de mais de 5% da população?

Não há como refutar a realidade de que uma boa parte dos deputados se tornou moralmente inconstrangível. Como não têm reputação a zelar, buscam apenas maximizar os seus interesses mais imediatos, mesmo que isso se dê em detrimento do eleitor.

O fato é que nosso sistema de representação é tão distorcido, especialmente no processo de escolha dos membros da Câmara dos Deputados, que não contribui para o estabelecimento de um indispensável elo entre o eleitor e seu representante, que é a premissa básica da democracia representativa.

A adoção de um sistema proporcional, com circunscrições eleitorais tão amplas, associada a possibilidade de coligações, à livre criação de partidos e um amplo acesso aos fundos partidários e tempo de rádio e televisão, tem permitido que a grande maioria dos deputados se eleja sem constituir o mínimo vínculo de identidade com o eleitor, não se sentindo obrigado, portanto, a lhe prestar satisfação.

Como as regras eleitorais devem entrar em vigor um ano antes do pleito, a sociedade brasileira tem uma pequena janela de oportunidade, até outubro, para pressionar o Congresso a promover algumas modificações no sistema eleitoral que permitam melhorar a qualidade da representação na próxima eleição. Muitas são as propostas que poderiam contribuir para a melhoria de nosso sistema representativo. Neste momento, no entanto, é preciso cerrar fileira em torno de um mínimo denominador comum como, por exemplo:

1) Fim das coligações nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, o que impediria que o eleitor que escolheu um determinado candidato de um partido termine elegendo um outro candidato de um terceiro partido.

2) A criação de uma cláusula de barreira que impeça que partidos de baixíssima representação tomem assento no Congresso. Com isso, se reduziria o incentivo para a multiplicação de partidos de aluguel, além de criar um estímulo para que grupos muito minoritários criem convergências, se quiserem levar a cabo suas demandas.

3) Medidas de democratização dos partidos, como realização de prévias.

4) Por fim, todos que se preocupam com a saúde de nossa democracia deveriam se unir contra a esdrúxula proposta do distritão. Nesse sistema, cada candidato se torna, de fato, o seu próprio partido, pois concorre não apenas com os candidatos dos demais partidos, mas especialmente contra seus próprios correligionários. Se aprovado aumentaria ainda mais a fragmentação parlamentar, impondo ao Executivo a necessidade de negociar não com uma bancada, mas com cada deputado, o que só aumentaria a corrupção e a ingovernabilidade. Esse sistema é adotado apenas no Iraque.

Se não aperfeiçoarmos rapidamente nosso sistema de representação, reduzindo a fragmentação e aumentando a identidade dos representantes com o eleitor, o próximo presidente estará fadado a ter que comprar o Congresso para não ser impedido.