Eduardo Bresciani - O Globo
Argumentos de juristas incluem 'pedaladas' e corrupção na Petrobras
Em uma exposição aplaudida pela maioria da comissão do impeachment, os juristas Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal apresentaram, na quarta-feira, aos parlamentares os principais argumentos da denúncia de crime de responsabilidade oferecida por eles contra a presidente Dilma Rousseff. No foco da exposição, as “pedaladas fiscais” e as violações que elas representaram à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Também foram destacados os decretos assinados pela presidente sem previsão orçamentária, além do esquema de corrupção na Petrobras.
— Tenho visto vários cartazes dizendo que impeachment sem crime é golpe. Essa frase é verdadeira. Mas estamos aqui diante de um quadro em que sobram crimes de responsabilidade. Poderíamos dividir essa denúncia em três grandes partes: a questão das pedaladas fiscais, a questão dos decretos não numerados baixados sem autorização desta Casa e o comportamento omissivo doloso da presidente com pessoas próximas a ela no caso do petrolão — afirmou Janaina.
Nesta quinta-feira, a comissão ouvirá os dois representantes indicados pelo governo: o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e o professor de Direito da Uerj Ricardo Lodi Ribeiro.
Em defesa do afastamento
“A responsabilidade fiscal neste governo infelizmente não é um valor. Prova que não é um valor, que se fala reiteradamente que isso é uma questão menor. Mas, se a responsabilidade fiscal não for observada, nenhum programa pode ser mantido. Vossas Excelências não imaginam a dor das famílias que acreditaram que iam ter seus filhos terminando a faculdade e estão começando a receber cartinha de que, ou eles pagam, ou eles perderam esse sonho. Então, a situação é muito grave. Aqui não tem nada a ver com elite, com não elite. Tem a ver com povo enganado. Tem a ver com povo enganado que agora não tem mais as benesses que lhes foram prometidas quando quem prometeu já sabia que não podia cumprir. Outro ponto importantíssimo, excelências. Se Vossas Excelências, e vão constatar que eu não estou mentindo, peçam para a assessoria fazer um levantamento nos TJs do Brasil inteiro. Vossas Excelências vão constatar que muitos prefeitos foram condenados criminalmente, com fulcro no 359 em uma de suas alíneas, e foram afastados dos seus cargos por irresponsabilidade fiscal, e aí, ouso dizer, em situações muito menos relevantes, muito menos significativas, do que a situação que é trazida neste momento à apreciação de Vossas Excelências”.
Janaína Paschoal
Entenda o Impeachment
O que consta no pedido:
“Pedaladas fiscais” de 2015 e decretos assinados por Dilma Rousseff, no ano passado, sem previsão orçamentária.
As “pedaladas” de 2014, já condenadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Fazem parte do processo também as denúncias de corrupção na Petrobras, como a compra da refinaria de Pasadena, as delações de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, além de outras investigações da Operação Lava-Jato apontando suposto repasse de propina às campanhas de 2010 e 2014.
O que foi retirado do pedido:
Ao longo da tramitação, chegou-se a anexar à denúncia a íntegra da delação do senador Delcídio Amaral, ex-líder do governo, na qual ele acusa a presidente Dilma Rousseff de tentar interferir na Operação Lava-Jato com indicação de ministros para tribunais superiores. A comissão, no entanto, entendeu por deixar o tema de fora, por temer a judicialização do processo.
Sessão tem gritos e agressões
O clima conflagrado entre governo e oposição marcou os trabalhos da comissão de impeachment na quarta-feira. As discussões duraram meia hora até o presidente da comissão, Rogério Rosso (PSD-DF), decidir que daria a palavra aos convidados, os juristas Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal, antes de questionamentos regimentais. Após um tumulto, com parlamentares de dedo em riste na mesa que conduzia a sessão, começou a apresentação.
A reunião terminou do mesmo jeito conflagrado. Rosso encerrou os debates de forma abrupta, argumentando que que as votações no plenário da Câmara estavam começando. Em novo tumultuo, os deputados Caio Nárcio (PSDB-MG) e Ivan Valente (PSOL-SP) trocaram empurrões.
Provocações e gritos de lado a lado permearam as duas horas e meia de sessão.
Deputados pró-impeachment empunhavam cartões vermelhos com a expressão “Impeachment, Já!”. Os parlamentares a favor da presidente Dilma Rousseff e servidores da Casa empunhavam cartazes com a frase “Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe”. Em meio às exposições dos juristas, parlamentares e servidores gritavam palavras de ordem.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que defende Dilma, foi alvo de uma provocação. O líder do DEM, Pauderney Avelino (AM), leu um trecho de discurso feito pela parlamentar na época do afastamento do ex-presidente Collor em que ela dizia que “golpismo é atacar o Congresso, é o presidente não ter a dignidade de renunciar a um cargo que não mais lhe pertence pela legitimidade do voto popular”.
Deputados da oposição gritaram o nome da parlamentar. Jandira reagiu: afirmou que há “uma imensa diferença” entre as duas situações. Disse que não havia movimentos de rua a favor de Collor e atacou o vice-preisdente Michel Temer, comparando seu posicionamento ao de Itamar Franco, que assumiu após Collor cair. Disse que “não havia naquele momento uma articulação golpista comandada pelo vice-presidente da República”.
Dilma: "É um processo golpista"
Por Eduardo Barreto
O governo transformou o lançamento da terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida, na quarta-feira, em mais um ato político contra o impeachment no Palácio do Planalto, com forte presença de movimentos sociais. O expediente passou a ser usado depois que o ex-presidente Lula foi empossado ministro da Casa Civil há duas semanas. A posse, porém, foi suspensa pela Justiça.
— Que processo é esse? É um processo golpista — afirmou Dilma, referindo-se ao pedido de seu afastamento. — Impeachment sem crime de responsabilidade é o quê? É golpe — disse Dilma.
Os integrantes dos movimentos sociais passaram a gritar “Não vai ter golpe”.
Na chegada ao evento, Dilma desceu a rampa para o Salão Nobre acompanhada de perto por militantes uniformizados e com bandeiras. Geralmente, essa área do Planalto é isolada para que a presidente caminhe livremente até sua cadeira.
Dilma abriu seu discurso citando datas históricas do Brasil. Destacou feitos do seu governo e do de Lula, que, segundo ela, “incomodam muita gente”. O ministro das Cidades, Gilberto Kassab, disse que, proporcionalmente, o Minha Casa Minha Vida é um programa nunca visto durante toda a “história da humanidade”.
— O Brasil foi descoberto há 516 anos, tornou-se independe há 193 anos, e a República foi instalada há 126 anos. Em todo esse tempo, sabem quantos governos foram capazes de implementar um programa habitacional que garantisse a milhões de brasileiras e brasileiras a realização do sonho da casa própria? — perguntou Dilma, respondendo em seguida: — A resposta é simples. Somente dois governos: o governo do presidente Lula e o meu governo.
“DIFICULDADES NOTÓRIAS”
A presidente reconheceu que o momento econômico é de “dificuldades públicas e notórias”, mas disse que aqueles que querem seu impeachment serão responsáveis por retardar a volta do crescimento da economia. Ela também defendeu a manutenção de investimentos em programas sociais.
— Mesmo diante das dificuldades que temos, públicas e notórias, pelas quais a economia do Brasil passa, é importante que a gente perceba que nós não podemos ajustar a economia para cortar programas sociais.
Em discurso, Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, falou em “golpe” e “fascismo”. O vice-presidente Michel Temer não foi atacado por Boulos, mas o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi chamado de “bandido”.
Boulos chegou a virar para Dilma durante o discurso e deu o recado de que os trabalhadores não aceitarão pagar a conta do ajuste fiscal — mas sua fala foi alinhada ao discurso adotado pelo Planalto: atacar o impeachment, inclusive com argumentos jurídicos.
— Esse povo que tá nas ruas, presidenta, não quer o ajuste fiscal. Quer que o andar de cima pague a conta da crise, e não os trabalhadores — disse Boulos. — Vai ter luta, vai ter resistência. Não passarão com esse golpe de araque no Brasil.
Nesta quinta-feira, a presidente receberá artistas e intelectuais num segundo evento “em defesa da legalidade”, após a ida de juristas ao Palácio do Planalto, na semana passada. Enquanto isso, Lula deverá participar da Jornada Nacional pela Democracia, que espera reunir milhares de pessoas diante do Congresso Nacional. Essas manifestações também serão realizadas em outros estados.