quinta-feira, 31 de março de 2016

"O tango de Obama na América Latina", por Andrés Oppenheimer

O Globo

Sua visita a Cuba e Argentina simboliza um novo ciclo na região, que poderíamos chamar de pós-populista


O presidente Obama seduziu muitos argentinos ao dançar tango — bastante bem, aliás — durante sua visita à Argentina, mas é provável que sua viagem seja lembrada por algo muito mais importante: o começo de um novo ciclo menos antagônico e mais pragmático nas relações entre América Latina e EUA. Obama termina seu mandato em janeiro do próximo ano com uma América Latina bem diferente da região que encontrou há sete anos, quando estava dominada por governos populistas autoritários antiamericanos.

Agora, a Argentina tem um novo presidente, Mauricio Macri, que deu a Obama uma cálida recepção em Buenos Aires. Em Brasil, Venezuela, Bolívia e Equador estão soprando ventos de mudança, como mostram as recentes eleições legislativas na Venezuela, o referendo na Bolívia e o processo político-judicial contra a presidente do Brasil.

Ironicamente, Obama se encontra ao fim de seu mandato com uma América Latina mais amistosa, apesar de nunca ter dado atenção especial à região. Pelo contrário, designou a Ásia como o “eixo” de sua política externa. Quando o entrevistei pela primeira vez durante a campanha presidencial de 2007, admitiu que nunca havia visitado a região e não pôde citar o nome de nenhum presidente latino-americano do momento.

Mas a viagem de Obama a Cuba e Argentina simboliza um novo ciclo na região (prefiro não usar a palavra “era”, porque os ciclos políticos na América Latina costumam durar entre dez e 15 anos), que poderíamos batizar provisoriamente como o ciclo pós-populista, ou o ciclo pragmático, ou o fim do ciclo de autoritarismo isolacionista da América Latina.

Obama merece algo de crédito por este fenômeno. Sua normalização diplomática com Cuba, sua viagem à ilha com uma delegação de empresários americanos, seu firme repúdio à ditadura militar na Argentina e sua promessa de divulgar os telegramas da Inteligência americana desse período ajudaram a derrubar mitos cruciais da velha esquerda latino-americana.

A esquerda setentista da Argentina, que realizou protestos durante a visita de Obama, que coincidiu com 40º aniversário do golpe militar de 1976, ficou deslocada. Esteve fora de lugar ao repudiar o presidente americano, que rendeu homenagens às vítimas da ditadura, e ao tratar de culpar os EUA de terem sido o artífice desse período obscuro da história argentina.

Mas talvez a principal razão da atual mudança de ventos políticos latino-americanos seja econômica: o boom mundial das matérias-primas, que tanto ajudou a América Latina na década passada acabou, e agora os países da região necessitam desesperadamente de mais investimento e mais comércio.

Obama será lembrado na América Latina como um bom presidente para a região, apesar de não ter lhe destinado muito tempo nem energia. Seria uma verdadeira pena se o próximo presidente dos EUA, que herdará uma região muito mais amistosa, não aproveitar a oportunidade para construir novas pontes econômicas — em lugar de muros — para benefício de ambas as partes.

Andrés Oppenheimer é colunista do “La Nación”, jornal do Grupo de Diários América (GDA)